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Primeira indígena a presidir a Funai, Joenia Wapichana toma posse em cerimônia histórica prestigiada por lideranças, autoridades e sociedade civil
Fotos: Joedson Alves/Agência Brasil
A advogada Joenia Wapichana é oficialmente a nova presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A posse ocorreu nesta sexta-feira (03), no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília, em uma cerimônia histórica, marcada por rituais e danças tradicionais, com a presença de autoridades, indígenas de diferentes regiões do país, indigenistas e representantes da sociedade civil. Em mais de cinco décadas de existência, esta é a primeira vez que o órgão federal responsável pela política indigenista brasileira é presidido por uma mulher indígena.
As maiores organizações indígenas estiveram presentes no evento celebrando a conquista de mais um espaço de poder, entre elas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e associações a ela vinculadas, como a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste), Conselho dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul, e pela Grande Assembleia do Povo Guarani (ATY GUASU), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme), e outras.
Participaram da solenidade a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, o secretário de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, a liderança indígena Cacique Raoni Metuktire, o coordenador do Conselho Indígena de Roraima, Enock Taurepang, entre outras autoridades e lideranças indígenas.
O evento
"Força Joenia, você nos representa!" O grito entoado por indígenas e servidores ecoou pelo Memorial. Mais do que a oficialização da ocupação de um cargo, o evento carregou forte significado de apoio e reconhecimento dos indígenas a Joenia como sua representante frente à Funai. Várias etnias protagonizaram a cerimônia, entre elas, os Macuxi e Wapichana, povos provenientes de Roraima, estado natal da presidente.
A defumação da Pajé Mariana Macuxi abençoou os primeiros passos de Joenia no evento. Posteriormente, a legitimidade dos povos que deram origem ao país foi simbolizada pelo hino nacional entoado por Ernestina Macuxi em língua materna.
Durante a solenidade, Joenia recebeu presentes simbólicos. Emocionado, o líder indígena Jaci Macuxi entregou uma faixa cujo significado é de união e, para representar a recepção dos servidores à nova gestora e seu comprometimento em "vestir a camisa" da instituição, a presidente foi presenteada com um kit de camiseta, boton e colete da Funai, que vestiu na ocasião.
Para marcar o comprometimento da nova gestão com os direitos fundiários dos povos indígenas, Joenia assinou importantes atos relacionados às terras indígenas. Confira a relação completa dos atos ao final da matéria.
Gestão compartilhada
Joenia Wapichana iniciou a sua fala agradecendo a presença dos parentes indígenas, dos servidores e servidoras, e autoridades à cerimônia. A presidente da Funai mencionou a escolha do Memorial dos Povos Indígenas para a sua posse. “Qual o lugar para marcar esse momento da posse, para marcar a nossa memória? O Memorial dos Povos Indígenas”, comentou.
Ao citar os desafios de sua gestão, ela conclamou todas as instituições governamentais e da sociedade civil para compartilharem a responsabilidade pelo cuidado com as comunidades indígenas. “A partir de agora, a Funai vai abrir as portas para os povos indígenas. Vai abrir as portas para as parcerias com as associações indígenas”, afirmou Joenia.
“O importante é que tem que ter a participação dos povos indígenas na Funai. E agora uma indígena vai presidir a Fundação. Vai presidir com nome indígena. Para chegar até aqui hoje, foi um caminho longo. Muito sofrido. Muitas vidas se perderam no caminho. E ainda estão se perdendo. Agora devemos todos e todas fortalecer a Funai”, pontuou.
Já a ministra Sonia Guajajara enalteceu a participação das mulheres indígenas nas instituições de governo e na representação de suas comunidades tradicionais. "É um momento em que as mulheres assumem um importante protagonismo, que estamos começando uma nova história. Estamos construindo uma política indígena. Antes era uma política indigenista. Mas estamos ocupando um lugar de pensar, de construir e também de executar. Respeitando as mulheres e respeitando a juventude. Agora, a gente está ocupando esses espaços de poder e de execução", afirmou a ministra dos Povos Indígenas.
O Cacique Raoni chamou a atenção para a questão da proteção dos biomas brasileiros, parte deles sobre a proteção das Terras Indígenas. “A destruição de nossos territórios não pode mais continuar acontecendo. Essa terra é indígena. Povos indígenas moravam nesse território. São histórias que meu pai e meus avós me contavam. Nós precisamos de paz”, disse.
Ao citar a presença de representantes indígenas à frente de importantes cargos institucionais no atual governo, Raoni lembrou da responsabilidade dessas jovens lideranças. “Nós indígenas, e principalmente os jovens, têm que assumir esses órgãos e trabalhar para nosso povo indígena”. Ao final, o cacique do povo Mebêngôkre [Kayapó], reafirmou a importância da convivência pacífica entre indígenas e não indígenas. “Nós brasileiros precisamos conviver em paz e de forma harmônica no nosso território”, conclui o cacique.
Joenia é referência na defesa das comunidades indígenas
Joenia Wapichana cresceu na comunidade indígena Truarú da Cabeceira, área rural do município de Boa Vista (RR). Pertencente ao povo Wapichana, é considerada a primeira advogada indígena no Brasil a atuar pelos direitos dos povos indígenas. Graduou-se no curso de Direito da Universidade Federal de Roraima (UFRR) em 1997, ano em que iniciou a advocacia trabalhando no Conselho Indígena de Roraima (CIR), permanecendo por 22 anos na assessoria jurídica do órgão.
Foi integrante do Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e do Conselho Nacional de Biodiversidade (CONABIO). Em 2018, foi indicada e aprovada pela Assembleia Geral dos Povos Indígenas para concorrer ao cargo de deputada federal por Roraima, sendo eleita a primeira deputada federal indígena do Brasil para a legislatura 2019 - 2022.
Joenia Wapichana encontrou na defesa do seu povo a sua missão de vida, tornando-se a primeira advogada a denunciar as violações do Estado brasileiro contra os povos originários. Já no ano de 2003, conseguiu levar uma causa indígena até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), com sede em Washington (EUA). Na década seguinte, ao atuar na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Joenia foi a primeira presidente da Comissão de Direitos dos Povos Indígenas, criada em 2013. Em 2018, Joenia recebeu o prêmio de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Durante o julgamento da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2008, Joenia Wapichana se tornou a primeira advogada indígena a realizar uma sustentação oral no Plenário da Suprema Corte, iniciando sua fala na língua originária do povo Wapichana. A decisão do STF reconheceu mais de 1,7 milhões de hectares destinados à proteção de cinco etnias daquele território, beneficiando quase 20 mil indígenas.
Lista de atos assinados pela presidente durante a cerimônia:
Retomada de Grupos de Trabalho (GTs) para demarcação de Terras Indígenas em diferentes regiões do país:
- Terra Indígena Jeju e Areal (PA)
- TI Tekoha Porã (SP)
- TI Karugwá e Pyhaú (SP)
- TI Ka’aguy Poty (RS)
- TI Cambirela (SC)
- TI Passo Piraju/Nu Porã (MS)
- Área reivindicada pelo povo Mukurin (MG)
Constituição de novos GTs:
- TI Aranã Índio (MG)
- TI Aranã Caboclo (MG)
- Área reivindicada pelas etnias Cassupá e Salamãi em Rondônia
Criação do GT Yanomami para ações de enfrentamento da crise humanitária no âmbito da Funai
Portarias de Restrição de ingresso:
- TI Jacareuba/Katawixi (AM)
- TI Piripkura (MT)
Assessoria de Comunicação / Funai