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Museu do Índio irá reabrir com novo nome e receber de volta coleção emprestada à França há duas décadas
O Museu do Índio (MI), primeiro museu do mundo dedicado a combater o preconceito, de acordo com seu idealizador principal, Darcy Ribeiro, completou 70 anos em 19 de abril de 2023. Embora ele esteja fechado para visitação desde julho de 2016, a data tem sido celebrada por meio de exposições virtuais na plataforma Google Arts & Culture, oficinas virtuais e outras atividades que têm sido desenvolvidas pelos servidores da casa. As comemorações devem se estender até abril de 2024.
Uma novidade que vem sendo aguardada é que, em breve, o Museu do Índio passará a se chamar Museu dos Povos Indígenas, alinhando-se à mudança de nome da Fundação Nacional do Índio para Fundação Nacional dos Povos Indígenas. O destaque das comemorações, no entanto, é uma exposição esperada há quase duas décadas e ainda em estágio inicial, com 604 peças do acervo que serão repatriadas da França, onde estão emprestadas desde 2004 ao Musée D'Histoire Naturelle, Industriel, Commércial et D'Ethnographie de Lille.
A maioria das peças são plumárias provenientes de povos indígenas do Centro-Oeste do Brasil. Segundo Bruno Aroni, coordenador de Patrimônio Cultural do museu, de acordo com o contrato, as peças deveriam ter sido devolvidas em 2009, o que não ocorreu. Desde então, a Funai, com a assistência do Itamaraty e do Ministério Público, buscava recuperar a coleção. A ideia é que os itens fiquem em exposição tão logo cheguem ao Brasil, o que deve acontecer nos próximos meses, e a mostra não necessariamente será montada nas instalações do museu.
Reabertura
Órgão científico-cultural da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o MI tem estudado a viabilidade de uma possível abertura parcial a partir do segundo semestre de 2023, tendo feito tudo que é necessário para que isso ocorra, apesar do número reduzido de servidores. A reabertura será realizada gradualmente.
A restauração completa do casarão central, datado de 1880 e sede do museu desde 1978, é a última etapa prevista. O prédio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). O projeto de restauração, inicialmente orçado em 3,5 milhões de reais, inclui também as reservas técnicas que abrigam o acervo da instituição, além de melhorias na rede elétrica e medidas de prevenção de incêndios.
Juliano Almeida, chefe do Serviço de Gabinete do museu, destaca que as intervenções são minuciosas e demandam tempo devido à necessidade de preservar e resgatar as características originais do casarão, que já sofreu um incêndio anteriormente. O entorno do conjunto arquitetônico também está passando por análise para garantir que não haja sobreposição à fachada protegida do casarão.
Em maio, o Corpo de Bombeiros aprovou outras melhorias para o museu, incluindo a substituição completa da rede elétrica e as obras de prevenção de incêndios, que estão em andamento desde 2020. Essas intervenções minuciosas demandam bastante tempo, ressalta Juliano Almeida, chefe do Serviço de Gabinete do museu.
"Somente para a execução do anteprojeto de restauro, que tem como objetivo preservar e resgatar as características originais do casarão, que inclusive já passou por um incêndio, foi necessário realizar um extenso trabalho de pesquisa", destaca Almeida. Ele acrescenta que até o conjunto arquitetônico do entorno passa por análises, a fim de garantir que não haja sobreposição com a fachada do casarão protegido. Anteriormente, a recepção sofreu desmoronamentos e agora passará por uma renovação completa. Além disso, o novo prédio que será construído abrigará a loja do museu.
O servidor ressalta que esses trabalhos estão sendo realizados em meio a situações adversas, como a pandemia e a redução crescente de especialistas, como museólogos, arquivistas e bibliotecários, um problema que afeta toda a Funai, responsável pelo órgão. "O museu também não possui engenheiros em sua equipe, o que representa um desafio adicional para a gestão de obras complexas de segurança e infraestrutura. Além disso, enfrentamos alguns problemas com a empresa contratada para a obra da rede elétrica", acrescentou Almeida.
No entanto, ao final das intervenções, o museu espera não apenas restaurar o patrimônio tombado em suas condições originais para a sociedade, mas também oferecer um ambiente expositivo seguro, confortável e acessível aos diversos públicos que historicamente frequentam o órgão, concluiu o servidor.
O museu busca oferecer um ambiente expositivo seguro, confortável e acessível aos diferentes públicos que o frequentam. Xmaya Kaká, recepcionista do Museu do Índio e colaborador há 17 anos, expressa ansiedade em poder receber novamente o público, especialmente crianças, e transmitir informações sobre a cultura indígena.
“Por mais que os trabalhos não tenham parado, o que queremos ver logo é o público de volta aqui; os alunos das escolas públicas lotando esses espaços. Eu sinto saudade de passar informações, de mostrar o que é ser índio ou indígena de verdade. Este é o meu trabalho”, destacou o indígena do povo Fulni-ô.
Requalificação do acervo
O MI, em parceria com a Funai, tem trabalhado na requalificação do acervo, que conta com mais de 20 mil objetos contemporâneos de 150 povos indígenas brasileiros. O processo envolve a participação ativa dos indígenas na atualização das informações sobre as peças, enriquecendo seu valor. Além disso, o acervo está sendo digitalizado e receberá um sistema de automação para melhor monitoramento.
De acordo com a diretora interina do MI, Elena Guimarães, a requalificação das peças indígenas não só difunde informações preciosas, mas leva o público a um novo olhar para os itens sob a perspectiva de quem os produziu. Antes, especialmente até 2008, quando foi criado o Projeto de Documentação Cultural gerenciado pelo museu em parceria com a Unesco, a maioria das peças era descrita por antropólogos brancos. “O Museu do Índio realiza oficinas de qualificação dos acervos com os povo indígenas. Nessas oficinas são os indígenas que qualificam os itens do acervo, apresentando os modos de fazer e os saberes associados aos objetos”, explicou Elena.
A pesquisadora e indígena Francy Baniwa, coordenadora do Projeto de Documentação Cultural, responsável por algumas das oficinas de requalificação e pela inserção das imagens na base de dados, dá exemplos de como a mudança ocorre na prática. “Estive na comunidade Baniwa, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e fizemos juntos uma qualificação e requalificação de acervo. Uma cesta de cerâmica, que antes vinha exatamente com essa descrição, agora ganha informações sobre o traçado usado, que, em alguns casos, descobríamos como era feito tecendo na hora, com a ajuda de um barbante. Além das técnicas empregadas, a matéria-prima e o grafismo podem ser associados a plantas e a animais, como a digital de uma tartaruguinha impressa em uma das peças”, explicou.
Francy acrescenta que esses itens saem de seus territórios, mas carregam suas histórias. A pesquisadora é também responsável pela coleção Cestaria e Cerâmicas Baniwa, que contém 85 peças e é o primeiro acervo autoetnográfico do Museu do Índio. Oriunda da qualificação que Francy fez na comunidade, a coleção foi traduzida para português e línguas indígenas como a baniwa.
O museólogo Daniel Lira, Indigenista Especializado do museu, explica a importância da coleção, a primeira criada pelos próprios indígenas sem influência direta de não indígenas. “Ela traz uma técnica que é um processo químico que faz com que a cerâmica mude de cor ao passar pelo fogo, um saber, entre outros, que só a comunidade Baniwa tem. E nós temos muito orgulho dessa coleção”, afirmou.
O acervo será exposto pela primeira vez em setembro, no Itaú Cultural e no Instituto Tomie Ohtake, ambos em São Paulo. As peças farão parte de uma exposição sobre o projeto do Museu das Origens, que terá ainda itens de uma expedição realizada também na comunidade baniwa pelo antropólogo Eduardo Galvão, em 1954, ano seguinte à fundação do Museu do Índio.
“A diferença é que o Eduardo Galvão naquela época saiu do Rio de Janeiro em direção ao Amazonas em busca de peças que foram feitas pelos indígenas mas a partir de uma perspectiva dele, um antropólogo branco. Era o que ele achava bonito, interessante. Agora, apesar de a Francy ser uma pesquisadora, ela é da comunidade. São peças feitas por eles, sob o olhar deles, de como eles são”, completou Daniel.
Assessoria de Comunicação/Funai
Com informação de Museu do Índio e jornal O Globo