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Intercâmbio de saberes promove saúde mental nas aldeias de São Paulo
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), por meio da Coordenação Técnica Local (CTL) de São Paulo, da Coordenação Regional de Litoral Sudeste (CR-LISE) e da Coordenação de Acompanhamento de Saúde Indígena (COASI/CGPDS) criou a Rede Intersetorial de Saúde Mental para a Terra Indígena (TI) Jaraguá, localizada em São Paulo. Um dos projetos da iniciativa, chamado Falta lenha nessa fogueira: intercâmbio de pajés e fortalecimento cultural, ocorreu entre os dias 26 e 30 de junho.
A rede beneficiará indígenas do povo Guarani e ocorre em parceria com órgãos públicos atuantes no território como as secretarias municipal e estadual de saúde, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).
Por meio de reuniões mensais, em colaboração com o público-alvo das ações de saúde mental, estabeleceram-se ações em diversos eixos como ações educativas no entorno, palestras educativas, aprimoramento da atuação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), adequação das políticas públicas às especificidades culturais Guarani.
A população indígena residente na Terra Indígena Jaraguá sofre com o confinamento territorial e lida cotidianamente com a vizinhança da maior metrópole latino-americana. Os desafios para manter o nhandereko (forma própria de viver segundo a tradição Guarani) acumulam-se, perpassando diferentes gerações e práticas ora em desuso, ora em retomada. As oito aldeias que compõem o território lutam para garantir a homologação dos 532 hectares da TI e, enquanto aguardam a definição judicial e administrativa, reestruturam seu modo de vida às condições locais.
Alvo de intenso preconceito pela população circundante, discursos oficiais sobre os indígenas reforçam o estigma dos indígenas, como uma das Ações Civis Públicas movida pelo Ministério Público Federal no ano de 2016. A fim de combater o “consumo exacerbado de álcool e entorpecentes”, a solução apontada foi a internação e tratamento compulsórios dos indígenas usuários, indo na contracorrente de todas as diretrizes vigentes sobre saúde mental e consumo de substâncias.
O projeto Falta lenha nessa fogueira: intercâmbio de pajés e fortalecimento cultural, é apoiado pelo Museu do Índio, e foi dividido em dois encontros na TI Jaraguá, em respeito à concepção temporal guarani. A iniciativa contou com a visita de nhanderamõi kuery, oriundos de aldeias do interior do estado, fomentando o intercâmbio e a troca de saberes. Nhanderamõi significa ‘nosso avô’. Em uso mais amplo, significa como a transmissão de conhecimento se dá entre o povo Guarani, podendo ser traduzido como ‘pajés’.
Conhecedores da tradição, os pajés dialogaram com os indígenas da TI Jaraguá, realizando rodas de conversa com os jovens e com as mulheres, eventos sediados na opy guaxu (casa de reza) da aldeia Tekoa Pyau, local sagrado onde se realizam os debates públicos, os rituais de batismo e cura. Muitos adultos os procuraram pedindo aconselhamento e remédios.
Segundo os próprios ‘pajés’ relataram, foi um trabalho recompensador para todos os envolvidos. O caminho apontado pelos Guarani é o fortalecimento espiritual da comunidade, submetida à exposição irrefreada à cultura jurua (não indígena), seja por meio de visitas, da tecnologia, da comida ou do dinheiro. A palavra é instrumento de cura e, vinda da boca de um velho, possui peso dobrado. Também foi realizada uma roda de xondaro, realizada no dia anterior à partida, quando os ‘pajés’ convidaram os homens a uma prática corporal lúdica e sagrada.
Há muito a ser feito e os indígenas sabem disso melhor que ninguém. Nos cinco dias no território do Jaraguá, os ‘pajés’ não conseguiram visitar todas as aldeias e nem visitar áreas florestadas, utilizadas para plantio de alimentos e remédios. Devido a isso, o projeto deverá ter uma continuidade direcionada a uma segunda visita do nhanderamõi kuery, prevista para o segundo semestre, após a realização do nhemongarai (ritual de batismo das crianças e consagração da colheita).
Para os Guarani, não há um método rápido e solução fácil para os desafios trazidos pela saúde mental. Eles, porém, indicam um caminho e, por meio do intercâmbio e da troca de saberes com seus mais velhos, caminham rumo à tradição e à proteção espiritual. Quanto mais lenha alimentar essa fogueira, mais faíscas e vigor recairão sobre a população indígena da TI Jaraguá.