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Segurança Alimentar
Funai realiza visita a aldeias Pirahã no rio Maici e propõe criação de rede interinstitucional para enfrentamento de crise de segurança alimentar e saúde
Entre os dias 28 de junho e 10 de julho, uma equipe multidisciplinar da Fundação Nacional dos Povos Indígens (Funai) deslocou-se para a região do baixo rio Maici, localizada no município de Humaitá (AM), com a finalidade de averiguar denúncias de conflitos interétnicos e ameaças à integridade de servidores da Funai e indígenas do povo Pirahã.
Considerado de recente contato, o povo Pirahã se autodenomina hiaitsiihi, sendo quase integralmente monolíngue. A população total abrange aproximadamente 900 pessoas, subdividindo-se entre 2 grupos maiores que habitam o alto e o baixo rio Maici, além de um terceiro grupo que habita a Terra Indígena (TI) Ipixuna, tradicionalmente ocupada pelo povo Parintintin.
A equipe foi integrada por 11 representantes da Coordenação Regional Madeira, Coordenação Técnica Local Humaitá IV (CTL Pirahã), Coordenação-Geral de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus e Ouvidoria, bem como seis agentes da Força Nacional, um antropólogo colaborador e uma liderança Pirahã. O deslocamento ocorreu por via fluvial, desde a sede municipal de Humaitá até aldeias indígenas localizadas no interior e entorno da TI Pirahã.
Durante o período, foram qualificadas informações sobre o conflito, que envolve a saída de grupos locais Pirahã para fora do território demarcado, em razão da baixa oferta de peixes no rio Maici e da carência de roçados, ferramentas agrícolas e apoio à produção de alimentos na TI Pirahã. Além disso, foram levantados dados sobre o atendimento de atenção primária à saúde deste povo.
No baixo Maici, epicentro do conflito, vivem aproximadamente 460 indígenas Pirahã, que se dividem em cerca de seis grupos locais. Esses grupos são marcados por forte mobilidade territorial, determinada não apenas pela sazonalidade de recursos florestais e pesqueiros durante as estações de inverno (chuvas abundantes) e verão (estio e formação de praias), mas também pela intensa relação com espíritos kaoaiboge. As formas de uso, ocupação e relacionamento com o território e suas entidades se refletem na cultura material e padrões de habitação Pirahã. No baixo Maici, não há construções ou benfeitorias de qualquer natureza que não seus próprios tapiris, não havendo benfeitorias construídas por órgãos governamentais, como escolas e postos de saúde.
A situação encontrada pela equipe causa grande preocupação, constatando-se cenário de grande pressão sobre a disponibilidade de recursos naturais no interior da TI Pirahã, em parte fruto do aumento populacional do povo, em parte pelo histórico de invasões e pela ausência de medidas de proteção territorial efetivas. Existe um longo histórico regional de exploração de mão-de-obra desses indígenas de recente contato em cadeias produtivas de castanha, copaíba e açaí, em regime análogo ao trabalho escravo. Por não ser um povo monetarizado (à exceção de experiência não exitosa de inclusão de alguns Pirahã no sistema previdenciário) nem possuir sistema numérico, os Pirahã procuram o acesso seletivo a algumas mercadorias e alimentos industrializados por meio de trocas. O regime de trocas é marcado por pagamentos incompatíveis com o valor dos recursos ofertados pelos Pirahã, a exemplo de trocas de uma saca de castanha por um pacote de café ou por cachaça, cujo consumo vem causando imenso impacto a essa população.
A ação de qualificação de informações e de consulta aos Pirahã, com auxílio de intérprete, foi acompanhada pela entrega de 150 cestas básicas e de materiais de pesca, lanternas e pilhas para caça. No quesito saúde, a equipe se deparou com cenário alarmante de crianças com sintomas de verminoses, doenças de pele, desnutrição e malária, o qual foi apresentado ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Manaus e à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
No dia 10 de julho, a equipe apresentou os resultados da ação em reunião interinstitucional e intersetorial no auditório da Universidade Federal do Amazonas, em Humaitá. Nesta, foi proposta a criação de uma rede de apoio aos Pirahã com diversos componentes estruturantes, com ênfase em saúde, segurança alimentar e proteção territorial.
As medidas emergenciais e de médio prazo identificadas como necessárias para a resolução da situação incluem a estruturação e qualificação do trabalho indigenista local junto aos Pirahã, aliada à proteção territorial integrada das Terras Indígenas localizadas nos rios Maici, Marmelos, Ipixuna e Juqui, com ênfase no controle de invasões para pesca predatória, para extração ilegal de madeira e exploração indevida de castanhais.
Os principais encaminhamentos de curto prazo incluem a aquisição e doação emergencial de ferramentas agrícolas aos Pirahã, o apoio para a abertura e manutenção de roçados dentro da Terra Indígena Pirahã, o fortalecimento da CTL Pirahã e do trabalho iniciado no âmbito do Posto de Controle de Acesso (PCA) Baixo Maici, a criação e manutenção de subgrupo formado por Sesai, DSEI Manaus, DSEI Porto Velho, Funai e Ministério Público Federal para acompanhamento dos indicadores e atendimentos de saúde, dentre outros.
A reunião também permitiu a identificação de potenciais parcerias com a sociedade civil para a qualificação do trabalho local da Funai na região, que incluem o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Associação Kanindé e o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB).