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Congresso Nacional contraria entendimento do STF sobre o marco temporal Direitos Originários
Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) já tenha declarado a inconstitucionalidade da tese jurídica do marco temporal por ampla maioria (9 votos contra 2), o Congresso Nacional, na noite de ontem (14), rejeitou os vetos do presidente Lula sobre o Projeto de Lei nº 2.903/2023, que objetiva incorporar o marco temporal ao ordenamento jurídico brasileiro, além de ameaçar outros direitos indígenas. Assim, os vetos rejeitados serão incluídos Lei nº 14.701/23.
A tese jurídica do marco temporal condiciona a demarcação das terras tradicionais dos povos indígenas à sua efetiva ocupação na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. Essa tese ignora o longo histórico de esbulho possessório e violência praticada contra os povos indígenas, acarretando a expulsão de seus territórios, além de violar os direitos indígenas previstos na própria Constituição Federal e em tratados internacionais dos quais o Estado brasileiro é signatário.
De acordo com a Constituição Federal, as terras indígenas são bens da União e de usufruto exclusivo dos povos indígenas. Elas são bens inalienáveis e indisponíveis, ou seja, não podem ser objeto de compra, venda, doação ou qualquer outro tipo de negócio, sendo nulos e extintos todos os atos que permitam sua ocupação, domínio ou posse por não indígenas. Outro ponto importante é o fato de que os direitos dos povos indígenas sobre suas terras são imprescritíveis. Desse modo, a Ordem Constitucional vigente reafirma o Princípio do Indigenato, que significa que os direitos dos povos originários sobre suas terras antecedem a própria formação do Estado brasileiro.
O diploma legal aprovado pelo Congresso Nacional traz ainda outros retrocessos para os direitos territoriais e ambientais indígenas, permitindo a instalação de bases, unidades e postos militares, bem como a instalação de obras de infraestrutura (estradas, ferrovias, exploração energética, linhas de transmissão, redes de comunicação, etc.) em terras indígenas, sem a consulta prévia e o consentimento das comunidades afetadas, e sem a manifestação técnica da Funai. Assim, a Lei nº 14.701/23 passa a infringir o art. 6º da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Estado brasileiro, que estatui que os povos indígenas devem ser consultados em relação a quaisquer decisões administrativas ou legislativas capazes de afetá-los.
A presidenta da Funai, Joenia Wapichana, pronunciou-se em relação à votação de ontem no Congresso Nacional:
“Primeiramente, é preciso dizer que houve um retrocesso, uma vez que os povos indígenas esperam do Estado brasileiro, tanto do executivo quanto do legislativo e do judiciário, a implementação, efetivação, exercício e proteção de seus direitos constitucionais, visto que são cláusulas pétreas. O marco temporal, juntamente com outros itens que o presidente Lula vetou a partir do projeto de lei aprovado, representou um retrocesso.
Em segundo lugar, essa ação gera uma série de inseguranças jurídicas nos processos em andamento e no reconhecimento das terras indígenas que ainda não foram efetivadas. Isso significa uma ameaça direta ao direito à vida dos povos indígenas.
Por fim, esperamos que o STF faça novamente justiça aos povos indígenas e assegure seus direitos, declarando a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei nº 14.701/23 que violam e restringem esses direitos, a fim de restabelecer a Ordem Constitucional”.
Assessoria de Comunicação/Funai