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Justiça por Bruno, Dom e Maxciel
“Mataram o mensageiro, não matarão a mensagem” – Funai participa de sessão solene na Câmara dos Deputados que pede justiça por Bruno e Dom
Uma sessão solene em homenagem ao indigenista Bruno Pereira e ao jornalista britânico Dom Phillips ocorreu nesta segunda-feira (19), na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). O evento contou com a presença da diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, Lucia Alberta Andrade, representando a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
De autoria da deputada federal Juliana Cardoso (PT/SP), a sessão marca a data de um ano do assassinato do indigenista e do jornalista, que desapareceram em 5 de junho de 2022, quando navegavam em uma região próxima ao Vale do Javari, no Amazonas.
Além de homenagear, a sessão tem como objetivo somar àqueles que cobram das autoridades públicas nacionais e chamar atenção para os desdobramentos internacionais do caso, em busca de maior êxito nas investigações e em medidas de proteção para os comunicadores, indígenas e defensores de direitos humanos que atuam na região.
Para Lucia Alberta Andrade, a sessão é também uma reflexão para todos os presentes, para os parlamentares e para a sociedade brasileira. “É muito triste chegarmos aqui para fazer uma fala e lembrarmos que, hoje, defender os povos indígenas, a Amazônia e nossos biomas é sinal de que você está marcado para morrer. Nós temos que atuar para mudar esse quadro. Nós temos que atuar para que aqueles que defendem seus territórios possam viver livremente”.
Lucia também destacou os motivos que levaram Bruno, à época, a se licenciar da Funai para exercer seu trabalho como indigenista, e pediu desculpas pelos erros da gestão passada. “O Bruno foi obrigado a sair da Funai porque o trabalho que ele desenvolvia representava, para a gestão anterior, uma ameaça. A Funai já pediu desculpas oficialmente por essa atitude da gestão passada. Nós somos, hoje, uma nova gestão, que valoriza os servidores e que atua para o bem-viver dos povos indígenas. Nós não queremos que tenham mais Dons e Brunos sendo assassinados pela sua atuação em defesa dos povos indígenas. Queremos justiça”.
De acordo com o requerimento da deputada Juliana Cardoso, Bruno e Dom “morreram por tentar nos informar sobre os crimes daqueles que estão sufocando o ‘pulmão’ do mundo. No entanto, os assassinos de Bruno e Dom não impedirão ou apagarão a luta e o legado deles, pois continuam a reverberar e ecoar mais alto na Amazônia e na voz e pauta daqueles que lutam pela garantia dos direitos e da proteção territorial dos Povos Indígenas”.
Durante a solenidade, foi discutido o motivo de, mesmo com a grande repercussão do caso e com a mobilização para mudar as estratégias de segurança na região, a Terra Indígena Vale do Javari ainda estar ameaçada. De acordo com Juliana Cardoso, “as mortes brutais do Bruno Pereira e de Dom Philips não podem ser esquecidas ou naturalizadas, ou tratadas com indiferença. É necessária a continuidade do trabalho de fiscalização pelo Estado brasileiro e pelas autoridades competentes, na garantia dos direitos e da proteção territorial dos povos indígenas do Vale do Javari, bem como de todo o território nacional”.
Para a deputada, é necessário que o Congresso Nacional dê atenção ao caso e, considerando o legado que Bruno e Dom deixaram, não aprove propostas incompatíveis como a do Marco Temporal, em tramitação na casa. “Dizer não a esse projeto de lei que representa um crime não só contra os povos indígenas, mas a toda humanidade, é também dizer que mataram o mensageiro, mas não matarão a mensagem. Hoje vivemos uma época de reconstrução em nosso país, e casos estes aqui tratados não podem continuar figurando nas listas das impunidades praticadas contra nós, povos indígenas que, em nosso país, já fomos historicamente e vergonhosamente explorados, escravizados, massacrados e assassinados, desde a invasão de 1500”, completou.
A sessão também contou com a presença do presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Pires, que destacou a importância do evento. “Essa homenagem é necessária para reconhecer a importância que eles têm, a vida que eles tiveram e a importância dessa causa, que deve ser de todo o Brasil”, destacou.
A secretária de Articulação e Promoção dos Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Juma Xipaya, relembrou que Dom e Bruno são mais dois nomes que se acrescentam à lista de ativistas, ambientalistas e defensores dos direitos humanos que defendem a vida. “Nos foram tirados dois grandes guerreiros, que não só lutavam pela defesa da Amazônia, pela preservação do meio ambiente, e pelos povos indígenas. Eles lutavam e defendiam o bem-viver, não somente dos indígenas mas da humanidade”.
Eliésio Marubo, membro da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), falou sobre a falta de segurança enfrentada por aqueles que trabalham em prol da proteção ambiental de áreas como o Vale do Javari, e afirmou que há uma necessidade de que haja regras de proteção para quem atua na pauta dos direitos humanos. O indígena mostrou aos presentes seu colete a prova de balas e afirmou “Eu não quero acreditar que, num estado democrático de direito, isso aqui seja normal. Andar com segurança ao lado não é normal, A vida que temos colocado em risco pelo território não é algo normal, mas temos que fazer porque, se não fizermos, pessoas ligadas a nossa família e ao nosso território vão cair. Nós não podemos aceitar a forma como isso tem sido conduzido”.
O evento também contou com a presença do deputado federal Bohn Gass (PT/RS), da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL/MG) e da deputada federal Erika Kokay (PT/DF), dentre outras autoridades presentes.
Entenda o caso
Bruno Pereira, indigenista da Funai, e Dom Phillips, jornalista britânico do veículo The Guardian, desapareceram em cinco de junho de 2022, quando navegavam em uma região próxima ao Vale do Javari. Os restos mortais dos dois foram encontrados 10 dias depois, na Floresta Amazônica, e os assassinos confessos foram identificados e outros suspeitos seguem sendo investigados.
O município de Atalaia do Norte, que seria o destino de Bruno e Dom, está localizado em uma região de tríplice fronteira, que liga o Brasil aos países vizinhos Peru e Colômbia. O Vale do Javari, onde fica a cidade, também é o local com maior concentração de povos indígenas isolados do mundo. Por se tratar de uma localidade de difícil acesso, acaba sendo alvo de vários crimes ligados ao meio ambiente e aos povos indígenas, como o narcotráfico.
A região é rota de entrada de tráfico de drogas, sofre com pesca e caça ilegais, além do garimpo proibido em terras indígenas e a ação ilegal de missionários internacionais que invadem comunidades locais com o objetivo de catequizá-los. Em um vídeo gravado em 2020 e divulgado após seu desaparecimento, Bruno Pereira denunciou a presença de invasores na região e os riscos à segurança dos povos indígenas do Vale do Javari que isso representava.
Bruno pediu licença da Funai, em janeiro do mesmo ano, logo após ter sido exonerado do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato, em 2019, durante a gestão do ex-presidente do órgão, Marcelo Xavier, recentemente indiciado pela Polícia Federal por omissão no caso junto ao ex-coordenador de Monitoramento Territorial do órgão, Alcir Amaral Teixeira.
Assessoria de Comunicação/Funai