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Série especial: Produção agrícola abre caminhos e oportunidades para indígenas do Mato Grosso
Indígenas transformaram a realidade das suas aldeias com o trabalho nas lavouras mecanizadas. Foto: Guto Martins/Funai
Indígenas das etnias Haliti-Paresi, Nambikwara e Manoki, das Terras Indígenas Utiariti e Paresi, no Mato Grosso, transformaram a realidade das suas aldeias com um novo formato de trabalho: as lavouras mecanizadas. A partir do plantio, colheita e comercialização de produtos como soja, milho e feijão, eles criaram possibilidades de mudança e prosperidade para os indígenas da região. Assim, avançaram não apenas na geração de renda, mas também no aumento de vagas de trabalho, no acesso à educação e, principalmente, no fortalecimento cultural. Na segunda matéria da série especial sobre a região, a Fundação Nacional do Índio (Funai) conta um pouco dessa história.
Localizadas em áreas próximas dos municípios de Campo Novo do Parecis e Sapezal, as lavouras cultivadas pelos indígenas ocupam quase 20 mil hectares de um total de 1,3 milhão de hectares – ou seja, apenas 1,7% da terra indígena é usada na atividade agrícola. “Preservamos 98% da nossa área. Isso mostra que é possível trabalhar com lavouras sem causar desmatamento, invasões ou danos às terras indígenas. Mantemos nossa cultura e tradição e, ainda assim, desenvolvemos um trabalho que traz geração de renda e oportunidades para nossa comunidade”, afirma Genilson Kezomae, liderança da região e diretor financeiro da Cooperativa Agropecuária do Povo Indígena Haliti-Paresi (Coopiparesi), uma das quatro cooperativas que atuam na área. Ele explica que há um compromisso firmado de, nos próximos 50 anos, não ultrapassar o uso de 5% da área total com o projeto das lavouras.
Atualmente, 14 aldeias fazem parte da Coopiparesi e atuam conjuntamente no cultivo de cerca de 4 mil hectares na safra 2021/2022. O plantio de soja 100% convencional começou com atraso no mês de outubro, por conta das chuvas na região, e a previsão é de que a colheita seja concluída na primeira quinzena de março. “Começamos a colheita da soja com uma grande estrutura de trabalho. São seis colheitadeiras e 14 carretas para transporte, ambas terceirizadas, além de centenas de pessoas envolvidas. Junto com a colheita nós iniciamos, simultaneamente, o plantio de milho-pipoca para a safrinha”, explica o engenheiro agrônomo Lúcio Avelino Ozanazokaese, diretor da Coopiparesi.
A produção de soja na safra deste ano foi de 3.600 toneladas por hectare, o que corresponde a 60 sacas por hectare, em média - mais de 1 milhão de sacas de soja de 60 quilos cada uma. “Por trabalharmos com materiais não transgênicos, temos uma desvantagem em relação a produtividade, então tentamos tirar ao máximo das quantidades que a gente trabalha”, ressalta Ozanazokaese.
O engenheiro de produção Vilmar Nezokemaese, da Aldeia Katyola-Winã, trabalha há 3 anos na lavoura e, hoje, é um dos responsáveis pela coordenação de cada etapa do plantio e da colheita. Ele afirma que as cooperativas estão se atualizando gradativamente para melhorar o formato de trabalho.
“Nós incentivamos toda a comunidade a trazer experiências externas, de outras lavouras, pensando sempre em adotar novos meios tecnológicos que facilitem nosso dia a dia. Por exemplo, nós utilizamos um aparelho que mede a umidade do grão. Se a umidade passar do teor ideal, o armazém oferta um valor abaixo do que seria pago originalmente. Então, estamos sempre monitorando para não causar prejuízos na comercialização do produto”, detalha.
À frente da Cooperativa Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti-Paresi, Nambikwara e Manoki (Coopihanama), a presidente Eliane Zoizocaeroce destaca a relevância do trabalho em números. “São cerca de 1.950 indígenas dos três povos envolvidos na nossa cooperativa, 34 aldeias cooperadas, temos também a procura das etnias Bakairi e Umutina para novas associações à Coopihanama. Nossa rotina é corrida e não paramos nunca, graças a esse projeto agrícola que foi a nossa alternativa de sobrevivência e que vem dando certo, com muito esforço de todos”, salienta a gestora.
Na atual gestão da Funai, sob liderança do presidente Marcelo Xavier, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) visando regularizar a produção agrícola, por meio de lavouras mecanizadas, nas Terras Indígenas Rio Formoso, Paresi, Utiariti, Tirecatinga e Irantxe, em Mato Grosso. Com o TAC, os indígenas puderam retomar a utilização da área designada para a produção agrícola mecanizada, a fim de viabilizar o comércio no exterior. O documento foi assinado pela Funai, Ministério Público Federal, Ibama e cooperativas dos indígenas Haliti, Nambikwara e Manoki.
Quatro cooperativas atuam conjuntamente nas lavouras
A partir das Associações Waymaré e Halitinã, organizações que representam os indígenas da região, foram formadas quatro cooperativas para atuação no projeto das lavouras: além da Coopiparesi e da Coopihanama, existem ainda a Cooperativa dos Produtores Rurais da Cultura Mecanizada da Etnia Paresi (Coopermatsene) e a Cooperativa Agropecuária Indígena Rio Verde (Coopirio).
Juntas, movimentam a renda local a partir do cultivo de grãos pelas etnias Haliti-Paresi, Nambikwara e Manoki, em lavouras distribuídas em cinco Terras Indígenas: Paresi, Rio Formoso e Utiariti (etnia Paresi), Irantxe (etnia Manoki); e Tirecatinga (etnia Nambikwara). Aproximadamente 3 mil indígenas são diretamente beneficiados com o trabalho.
Produção transforma a realidade das aldeias
A produção de grãos está diretamente ligada à promoção da educação nas aldeias. O assunto, inclusive, é unanimidade entre eles: o dia a dia do cultivo virou incentivo para que os jovens concluam o ensino superior, sendo que muitos deles voltam, depois de formados, para trabalhar nas lavouras.
“São mais de 300 indígenas formados na nossa região e muitos buscaram cursos de ensino superior de acordo com as necessidades do trabalho local. Hoje temos engenheiros agrônomos, administradores, contabilistas, engenheiros de produção, que se formaram e voltaram para as suas aldeias para trabalhar. Quando foi iniciado esse projeto agrícola nas terras indígenas, muitos índios que haviam saído anos antes para buscar a sua sobrevivência decidiram voltar para trabalhar conosco. Isso foi o nosso maior ganho: poder promover a dignidade do nosso povo, gerar emprego e renda”, pontua Genilson Kezomae.
Produção em Números
O cultivo de grãos como soja, milho e feijão pelas etnias Haliti-Paresi, Nambikwara e Manoki vai movimentar nessa temporada cerca de R$ 140 milhões. A plantação ocupa menos de 2% da área indígena total e ocorre em locais já antropizados, sendo um exemplo bem-sucedido de etnodesenvolvimento na Região Centro Oeste. A Funai vem apoiando em todo o país iniciativas como essa, que promovem a autonomia das comunidades indígenas, por meio da geração de renda, de forma responsável.
Leia também a primeira matéria da série especial:
Etnia Haliti-Paresi aposta no turismo para fortalecer a tradição indígena.
Assessoria de Comunicação / Funai