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Série especial: Etnia Haliti-Paresi mantém viva a cultura tradicional indígena no Mato Grosso
Fotos: Guto Martins e Mário Vilela/Funai
Por meio dos rituais, das pinturas corporais e do uso das vestes padrão, indígenas Haliti-Paresi, da Terra Indígena Utiariti, no Mato Grosso, mostram que as tradições locais seguem vivas. Ao longo dos anos, eles encontraram alternativas para fortalecer os traços culturais. Entre elas, está a consolidação do etnoturismo, que contribui para a manutenção da identidade cultural da etnia. Nesta série especial, a Fundação Nacional do Índio (Funai) conta os detalhes dessa história.
O cacique da Aldeia Wazare, Rony Azoinayee, afirma que os projetos desenvolvidos pelos Paresi na região buscam divulgar aos não-indígenas um pouco das tradições repassadas a cada geração. “Temos diversos rituais, como o da pintura tradicional, o funeral indígena e o ritual de passagem da menina moça, que são importantes para preservar a nossa cultura e fortalecer as relações na comunidade”, conta.
O ritual de passagem da menina moça, por exemplo, é realizado pela família quando a jovem indígena tem a primeira menstruação. A menina fica reclusa para receber orientações e ser preparada para vida adulta. A casa tradicional ou hati, na língua Paresi, é ampla e compartilhada com todos os membros da família. Durante o ritual, é construído um quarto onde a menina fica reclusa por 30 dias. Nesse período, ela não pode ter contato com nenhum outro membro da família, a não ser a mãe e a avó.
O ritual conta também com um banquete com caça e os outros alimentos que são levados para dentro da hati e, em oferenda, o pajé entoa cânticos e orações para atrair bons espíritos e pedir proteção aos moradores da aldeia. Práticas que reafirmam a identidade cultural da etnia Paresi.
Casa tradicional reforça a cultura indígena
Na Aldeia Wazare, uma das formas escolhidas para divulgar uma parte importante da cultura foi a construção da casa tradicional. O cacique Rony explica que essa hati foi elaborada e construída artesanalmente, em estilo inovador, com 25 metros de comprimento, 10 metros de largura e 6,10 metros de altura.
“Todo mundo conhece a tradicional casa indígena, mas essa aqui se diferencia pela estrutura. Ela chama atenção dos turistas que vêm até a nossa aldeia para conhecer a nossa cultura. Essa é, hoje, a maior hati construída no país e, aqui, vivemos nossas tradições e a nossa religiosidade, sem perder a essência cultural da casa, que tem sua arquitetura tradicional repassada a cada geração”, afirma.
Para o cacique, a vida e a morte são opostos que podem ser tratados de diversas maneiras. O ciclo da vida é importante ao ponto de ser representado na construção das hatis, com cada parte pensada para representar um momento específico, como nascimento, adolescência, maturidade e morte.
“A casa representa tanto a identidade cultural como também o próprio ciclo da vida. Construída no sentido leste para o oeste, a hati é pensada para que o nascimento do sol represente o nascimento da vida, enquanto o pôr do sol é o fim deste ciclo. Então a porta simboliza a criança. Do meio em diante, até o início da casa, representa a sua adolescência. Dessa parte até o meio, representa a sua fase de jovem, onde você vai buscar a experiência e o conhecimento. A partir do meio da casa, até o lado contrário, onde o sol se põe, é a parte adulta em que você pratica o que aprendeu. Conforme o grau da casa é a nossa idade”, explica o cacique.
Pinturas corporais e vestes tradicionais se destacam
A colocação das vestes tradicionais por um cacique segue um ritual importante, sempre de baixo para cima e, quando for retirar, o processo é contrário, de cima para baixo. “Essa é uma regra repassada pelos nossos antepassados e simboliza a força e a inspiração espiritual”, afirma Rony. O uso do chocalho nos tornozelos simboliza o som da cobra cascavel, com dois significados: é uma forma de comunicar certa familiaridade à cobra, para evitar possíveis ataques; e também é usado para a sonorização dos cânticos indígenas durante os rituais. A tanga é usada para evitar a exposição das partes íntimas, enquanto o colete só é usado pelo grande chefe de uma aldeia.
“O cacique precisa incorporar o instinto de algum animal de força, que representa o poder, para conduzir a sua comunidade. Para seguir essa filosofia, eu uso o colete de onça. E em todo esse processo de vestimenta você vai incorporando essa espiritualidade”, destaca Rony.
Por último, a colocação do cocar na cabeça possui um significado simbólico. “A circunferência do cocar representa a centralidade para os homens, significa manter a mente aberta para novos conhecimentos e aprendizados. Mostra que o homem deve ser centrado, organizado, para assim trazer coisas boas a sua comunidade. A parte colorida da frente representa a proteção de todos os espíritos e más energias que vem contaminar a nossa mente, as cores nos protegem e afastam essas energias ruins. Além, é claro, de fortalecer a estética e fazer com que a gente se sinta mais bonito”, explica o cacique.
Sobre a pintura no corpo masculino, Rony ressalta que cada momento exige uma pintura diferente. “Nesse momento eu elaborei uma pintura que representa o instinto da cobra sucuri, que se associa ao que eu quero para minha rotina como cacique da aldeia: a sucuri possui uma habilidade incrível, eu também quero ter; ela só usa sua força quando necessário, e eu também só quero usar minha força física e verbal quando for necessário para buscar o bem da minha etnia. Sem contar que essa pintura da sucuri simboliza objetividade, isso é o que queremos, uma comunidade com autoestima fortalecida, buscando qualidade de vida com dignidade, com autonomia em seu território”, ressalta.
Apoio da Funai
Desde dezembro de 2021, a Aldeia Wazare possui a Carta de Anuência da Funai para a atividade de visitação com fins turísticos na modalidade de etnoturismo e turismo cultural indígena de vivência. A iniciativa promove a valorização da cultura tradicional, além de colaborar para a autonomia financeira dos indígenas.
O presidente da Funai, Marcelo Xavier, conheceu a estrutura da Wazare em dezembro e entregou pessoalmente a Carta de Anuência às lideranças da aldeia. Ele participou do evento de inauguração da hati. Ao visitar o espaço, Xavier ressaltou a importância de manter vivas as tradições indígenas, mas também de oferecer apoio para o desenvolvimento.
“A Funai entende que o indígena tem que ser o protagonista da sua própria história e ter autonomia para fazer suas escolhas, sendo que ele não deixa de ser indígena por buscar melhores condições de vida. Na atual gestão temos o compromisso de levar etnodesenvolvimento aos indígenas e isso tem potencializado projetos sustentáveis em aldeias de todo o Brasil. É o caso dos Paresi, por exemplo”, destaca o presidente da Funai. Xavier ressalta ainda que a experiência exitosa dos Paresi pode servir de modelo para outras aldeias, sempre com respeito à autonomia e vontade dos indígenas.
Medidas preventivas
Tendo em vista o avanço da vacinação dos indígenas contra a covid-19, as atividades turísticas em Terras Indígenas estão sendo retomadas gradativamente mediante protocolos sanitários específicos. Entre as exigências, está a realização de exame PCR e apresentação da carteirinha de vacinação.
As medidas foram estabelecidas após análise, pela Funai e pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), quanto à viabilidade da continuidade de projetos de turismo de pequeno porte nas TIs. Foi autorizado o prosseguimento dos projetos desde que observados os protocolos sanitários definidos pelas autoridades competentes em nível local, regional e/ou nacional, e também levando-se em consideração o respeito à autonomia dos indígenas.
Serviço:
A Aldeia Wazare disponibiliza pacotes de visitação aos turistas por meio de agências de viagem e, também, diretamente pelo contato com as lideranças da aldeia, pelas redes sociais como Facebook e Instagram, @aldeiawazare ou pelo telefone: (66) 99935-4727.
Confira as outras duas matérias da série especial:
Produção agrícola abre caminhos e oportunidades para indígenas do Mato Grosso
Etnia Haliti-Paresi aposta no turismo para fortalecer a tradição indígena
Assessoria de comunicação / Funai