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No Parque do Xingu (MT), presidente da Funai participa do ritual do Kuarup na aldeia Yawalapiti
Fotos: Débora Schuch e David Ribas/Funai
Indígenas do Parque do Xingu realizaram, entre os dias 10 e 12 de setembro, na Aldeia Yawalapiti (MT), a maior edição do ritual fúnebre sagrado denominado Kuarup, que mantém viva a cultura e a tradição local. Uma comitiva da Fundação Nacional do Índio (Funai), liderada pelo presidente Marcelo Xavier, participou do evento, promovido por indígenas Yawalapiti, com a presença de diferentes etnias convidadas. Confira as fotos aqui .
Xavier foi recepcionado pelo cacique Tapi Yawalapiti, sucessor do cacique Amulaururu Aritana, grande homenageado do evento e falecido em 2020. O presidente assistiu a diversos rituais do Kuarup, acompanhado pelo coordenador de Fomento à Geração de Renda, Denis Soares; pelo assessor técnico da Presidência da Funai, André Luiz de Souza; e pelo coordenador da fundação no Xingu, Gleiky Magalhães. A esposa do presidente, Jucilene Rodrigues, apoiou os trabalhos de forma voluntária.
“É uma honra participar dessa grande festividade no Parque do Xingu, na qual fui muito bem recebido. É a Nova Funai, presente nas aldeias e mais próxima das comunidades”, destacou Xavier, reforçando o compromisso da Funai de levar dignidade às populações indígenas do Brasil. “A Nova Funai trata o indígena com respeito, dando voz às comunidades para que sejam protagonistas da própria história, sem intermediários”, ressaltou.
Na ocasião, o presidente da Funai foi presenteado com uma borduna, espécie de arma indígena típica da cultura de comunidades do Parque do Xingu usada para defesa e atividades de caça, e que simboliza ainda a força dos guerreiros indígenas. Confira o vídeo:
Os indígenas também agradeceram a carta de anuência da Funai para atividades de etnoturismo em Terras Indígenas do Xingu e parabenizaram o trabalho de Xavier à frente da fundação:
A Funai deu suporte ao Kuarup, fornecendo recursos para combustível, ornamentação e gêneros alimentícios. “O apoio da Funai foi muito importante para a realização da cerimônia, pois permitiu trazer as diversas etnias convidadas para o ritual, com o auxílio no transporte dos indígenas”, salientou Tapi Yawalapiti. “Nesse ritual, homenageamos meu pai Aritana, um momento muito especial que marca a passagem de sua alma para o outro mundo”, ressaltou o cacique.
O cacique kotok, da etnia Kamayurá, foi uma das lideranças indígenas presentes e destacou a participação das etnias convidadas. “Todo ano fazemos o Kuarup para finalizar o luto das famílias que perderam seus entes queridos. Como convidados, participamos da cerimônia e também damos suporte na organização do ritual, sobretudo para garantir a alimentação de todos os indígenas durante o Kuarup”, salientou Kotok.
Compareceram também ao evento a primeira-dama do Mato Grosso, Virginia Mendes; o superintendente de Assuntos Indígenas da Casa Civil estadual, Agnaldo Santos; e o prefeito do município de Querência, Fernando Gorgen. Ao lado de Virgínia Mendes, o presidente da Funai reforçou a importância da sinergia entre União, estados e municípios para levar dignidades às aldeias; confira a mensagem em vídeo:
O ritual
São diferentes os nomes que cada povo xinguano dá ao ritual, que possui cerca de mil anos de história. Para os Yawalapiti, o nome é Itsatchi. O Itsatchi/Kuarup é uma homenagem pós-morte a um chefe que descenda de uma linhagem de chefes e tenha exercido, em vida, uma liderança baseada em altos valores e prestígio social.
Os rituais preparatórios para o evento começaram há 10 meses. Dentre as etapas principais estão a fabricação da sepultura, a doação de pequi e de polvilho, a quebra da castanha e a grande pescaria. Durante o Kuarup, as almas dos homenageados entram nos troncos enfeitados. Para esta cerimônia são convidadas etnias de todo o Alto Xingu e, muitas vezes, comunidades de fora do Xingu, dada a importância do homenageado, como é o caso do cacique Aritana.
A realização do Kuarup vai muito além da despedida de um ente querido. É o fechamento de um ciclo. Um ritual de renovação e o início de uma nova etapa. Os novos líderes assumem suas funções após o ritual.
Os troncos de madeira representam cada homenageado falecido. Eles são colocados no centro do pátio da aldeia, ornamentados, como ponto principal de todo o ritual. Em torno deles, as famílias realizam uma homenagem aos mortos.
No primeiro dia de evento, os indígenas realizaram as tradicionais pinturas dos troncos e também dos familiares que estão de luto. Ainda na parte da manhã, ocorreu a dança dos guerreiros e a Dança Uruá, em que dois indígenas percorreram as casas da aldeia tocando a flauta uruá, que dá nome ao rito.
Durante a tarde e até o final do dia, foi entoado o canto sagrado Kuarup Maraka. Na ocasião, houve uma recepção solene das etnias convidadas e a condução dos enlutados para perto dos troncos Kuarup.
No segundo dia de evento, os convidados puderam apreciar a tradicional luta chamada Huka Huka. A preparação da modalidade iniciou-se na noite anterior, em que os guerreiros se prepararam, se arranhando com dente de um peixe da espécie "cachorro", passando ervas em toda pele e pintando seus corpos e cabelo com jenipapo e urucum. Tudo isso com um objetivo: enfrentar seus adversários e, assim, ganhar a luta.
Durante o Huka Huka, os guerreiros jovens se enfrentaram com o objetivo de tocar a coxa do adversário ou derrubá-lo, segurando a sua perna. Quem consegue isso primeiro, ganha. Ao final da luta, os ornamentos colocados nos troncos no dia anterior foram retirados e entregues às famílias dos mortos homenageados. Em seguida, os troncos foram atirados na Lagoa Ipavu, para que a alma deles seja liberta.
Após os combates, iniciou-se o cerimonial de meninas moças. Nessa parte da festa, meninas que, até então, estavam em reclusão pubertária pelo período de um ano, foram direcionadas aos chefes das aldeias convidadas e ofereceram a eles castanhas de pequi. As longas franjas de cabelo, que cobriam todo rosto, foram cortadas um pouco acima dos olhos. A partir daí, em comum acordo com os parentes e, caso se interessem, podem constituir matrimônio.
Ao final do evento, foram entregues peixes às etnias convidadas pelas famílias que estão de luto, de acordo com a tradição e como forma de agradecimento. O Kuarup é de suma importância para os indígenas do Xingu, pois ele promove e reforça as relações internas da comunidade; estabelece e fortalece as crenças com aqueles que se foram; e constrói uma imagem e reconhecimento externo, dando maior visibilidade à cultura indígena.
Homenagem ao cacique Amulaururu Aritana
No ano de 2021, o evento marcou a despedida do cacique Amulaururu Aritana, falecido em 5 de agosto de 2020, aos 75 anos. Filho de Tepori Kamayurá e Kanato “Paru” Yawalapiti, Aritana foi preparado desde muito cedo para ser o cacique dos Yawalapiti. Descendente de uma linhagem de grandes lutadores de huka huka, Aritana, que herdou o nome do avô paterno, ficou em reclusão por quatro anos, período em que aprendeu as particularidades de ser o “Amulaururu”, que significa “o cacique verdadeiro”.
Na década de 1970, aos 25 anos, tornou-se o cacique principal dos Yawalapiti no lugar de seu tio Sariruá, e passou a liderar a etnia em defesa dos seus direitos. Conhecido por sua postura diplomática e sempre respeitosa, Aritana foi anunciado o cacique geral do Xingu.
Durante sua vida, atuou pela preservação ambiental do Parque Indígena do Xingu onde, desde criança, aprendeu a importância dos lugares sagrados e ancestrais. Aos 75 anos, Aritana partiu para o mundo dos mortos deixando um legado de sabedoria, lealdade e respeito à natureza e aos homens.
“Meu pai foi um grande porta-voz das populações indígenas do Xingu. Como seu sucessor, continuarei sua luta na defesa dos direitos dos indígenas xinguanos e na proteção da floresta”, concluiu Tapi Yawalapiti.
Assessoria de Comunicação / Funai