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Entrevista Especial: Ricardo Lopes Dias
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Nesta entrevista especial, o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai), Ricardo Lopes Dias, fala sobre as principais ações de combate à covid-19 para esses povos, além de abordar temas como a política de não contato e a proteção a essa população.
1. A Funai tomou uma série de medidas de combate à covid-19 desde o início da pandemia, entre elas, a entrega de alimentos e a suspensão de autorizações para ingresso em Terras Indígenas. Quanto aos povos isolados, o que vem sendo feito?
Da nossa perspectiva e atribuições institucionais, destacam-se as ações de manutenção da proteção territorial e monitoramento, como forma de evitar contatos que viabilizem contágios, e ações de acompanhamento dos casos nas populações do entorno. A Funai, mediante as Coordenações Regionais (CR) e Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE), mantém-se em uma postura atenta, vigilante e em cooperação com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) nas ações de combate à covid-19 nas áreas indígenas. Destaco que, até o presente, não temos registros de nenhum povo isolado contaminado.
2. De que forma o trabalho é realizado na ponta?
A Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) coordena mais de 100 servidores e colaboradores eventuais, além de auxiliares indígenas, que atuam em 11 FPEs por meio de 20 Bases de Proteção Etnoambiental (BAPE) em 22 Terras Indígenas na Amazônia Legal. Os servidores de campo nessas bases revezam-se em plantão, mantendo vigilância e ações finalísticas de combate a ilícitos e invasões em regime ininterrupto. Eles cumprem quarentena, usam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e foram devidamente orientados quanto aos cuidados e combate à pandemia. Recebemos do governo federal verbas extras para intensificação desses cuidados e temos empregado mais de R$ 2 milhões nessas ações de combate à pandemia. As BAPEs são os mecanismos mais eficazes para a proteção territorial por conta da presença de servidores, colaboradores e auxiliares indígenas em atividade de proteção e vigilância ininterrupta.
3. Quais são, atualmente, as principais necessidades dos povos isolados?
Basicamente, os povos indígenas em isolamento voluntário precisam de seus espaços, preservando assim o modo de vida tradicional em ambiente habitado mitológica e historicamente. A CGIIRC pretende manter-se em seu foco de "promover a implementação de políticas, programas e ações de proteção territorial e a promoção e proteção dos direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato", conforme regimento interno (Art. 198 a 205 do Anexo I da Portaria nº 666/PRES, de 17 de Julho de 2017), contribuindo, neste sentido, com a atribuição da Funai de "garantia aos povos indígenas isolados do exercício de sua liberdade e de suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los" (Estatuto da Funai - DECRETO nº 9.010, de 23 de Março de 2017).
4. Como o senhor avalia a política de não contato aos povos isolados?
À Funai compete a "garantia aos povos indígenas isolados do exercício de sua liberdade e de suas atividades tradicionais sem a obrigatoriedade de contatá-los" (Estatuto da Funai - DECRETO nº 9.010, de 23 de Março de 2017). Esta política da "não obrigatoriedade do contato" tratou-se de uma mudança paradigmática na abordagem do índio pelo Estado. Vejo-a como acertada porque possibilita ao índio a sua autodeterminação, a sua autonomia no que se refere ao contato, ou não, com as sociedades nacional e internacional. A CGIIRC não pretende mudar essa perspectiva, mas temos muito a aprimorar os nossos mecanismos de monitoramento e localização, por exemplo. Há 114 registros de povos isolados em nosso conhecimento, sendo 28 reconhecidos como confirmados, 26 registros em estudo e a grande maioria, 60, apenas em nível de informação. Muitos são os desafios para que consigamos desenvolver as etapas de investigação dessas informações. Também nisso a pandemia impacta, posto que desde declarada, cessamos os planejamentos de incursões evitando aproximações que pudessem resultar em contágio. Resta-nos, neste contexto, a proteção territorial para restringir acessos e contatos perigosos.
5. A sua nomeação para a CGIIRC foi alvo de inúmeras contestações, inclusive judiciais. Ao que o senhor atribui esses questionamentos?
A Funai tem esclarecido que minha nomeação se deve a minha capacitação profissional e acadêmica. Após a formação teológica, a experiência no campo me rendeu bom conhecimento da língua e da cultura de um povo indígena do Vale do Javari. Em seguida, obtive bacharelado em Antropologia, especialização em Antropologia Intercultural, mestrado em Ciências Sociais e doutorado em Ciências Humanas e Sociais, sempre abordando a temática indígena. Não resta dúvida que acadêmica e etnologicamente estou capacitado para a função e que a contestação, nunca ocorrida com coordenadores da CGIIRC que me antecederam, se deve, evidentemente, ao histórico de missionário evangélico, e, consequentemente, à minha confessionalidade, o que fere a Constituição brasileira (Art. 5º) e tratados como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artigo XVIII) no tocante à liberdade de crença em um Estado laico.
Assessoria de Comunicação / Funai