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Presença indígena enriquece primeiro dia de aula da Unicamp
Vencidos os múltiplos desafios que envolveram a realização do primeiro vestibular indígena da Universidade de Campinas (Unicamp), em dezembro de 2018, a melhor universidade da América Latina iniciou o semestre letivo, ontem (27), num ambiente mais rico e diverso com a presença de aproximadamente 70 alunos representantes de mais de 23 povos indígenas brasileiros.
Desde as audiências públicas de 2016, que deram início aos debates sobre a realização do vestibular, a universidade se preparou para a inclusão dessa população. Há meses a Unicamp organiza eventos e encontros entre servidores e secretários de graduação para alinhar o acolhimento dos estudantes indígenas que foram, primeiramente, recebidos em rcalourada exclusiva, entre os dias 20 e 22, e, depois, participaram dos eventos comuns aos demais estudantes. A estratégia foi definida coletivamente em reuniões entre lideranças dos movimentos indígenas e a universidade.
O histórico ingresso desses estudantes na Unicamp não representa apenas a realização de sonhos individuais dos jovens que, como vários brasileiros, almejam o acesso à universidade pública e gratuita, nem se restringe à satisfação da coletividade formada por povos tradicionais e apoiadores da causa indígena, que lutam pela ocupação de espaços de direito. A presença dos alunos na estadual de Campinas também simboliza uma conquista para a instituição que agora vê a concretização de um ousado projeto estudado para alcançar o maior número de jovens indígenas, com provas adequadas à realidade em que vivem e aplicadas em cidades estratégicas (Campinas/SP, São Gabriel da Cachoeira/AM, Manaus/AM, Dourados/MS e Recife/PE).
O Professor José Alves de Freitas Neto, coordenador executivo da Comissão Permanente para os Vestibulares Unicamp (Comvest), pontua que o primeiro certame voltado ao ingresso de indígenas na universidade propiciará à instituição a oportunidade do crescimento proveniente da fusão de saberes científicos e tradicionais. "Estamos muito otimistas esperando que os conhecimentos dos povos tradicionais possam ser bastante apropriados dentro da universidade, que o diálogo epistêmico possa se dar onde nós possamos aprender muito com eles, com seus saberes, e que possamos ter uma relação de parceria", declara Neto.
História de um, realização para todos
Yanapa Mehinaku Kuikuro descreve animado seu primeiro dia de aula numa universidade. "Eu achei tudo muito interessante. Como era a primeira vez, ainda fiquei um pouco perdido, mas estava tranquilo". Aos 31 anos, o indígena do alto Xingu, que sempre morou na aldeia Afukuri, no município de Querência/MT, nunca havia prestado vestibular, mas agarrou, logo na primeira tentativa, a chance de adentrar o universo acadêmico, conquistando uma das vagas da Unicamp.
A nova etapa na vida de Mehinaku traz grandes desafios. Não é só a primeira vez que ingressa na academia, mas também a primeira vez que vai morar na cidade e longe da família. Para ele, todo esforço é válido. Estudante de Letras, o rapaz quer se formar para lecionar na aldeia, onde a força da língua Kuikuro permanece entre os falantes, desde os mais jovens aos mais idosos.
Certo da responsabilidade que carrega pela chance de cursar o nível superior na cidade, Mehinaku enfatiza: "Eu vim para estudar na confiança da minha comunidade, depois que me formar, vou voltar para a aldeia para trabalhar lá e ajudá-la."
Assim como o jovem do povo Kuikuro, muitos estudantes indígenas sonham em contribuir tanto para as suas comunidades, com a formação acadêmica, quanto para a sociedade em geral, por meio da pesquisa e produção do conhecimento, a partir da ótica dos povos originários. A educação brasileira anseia pela transformação que pode surgir com a adoção de políticas afirmativas e de estratégias de permanência para esses alunos que, desenvolvidas em parceria, garantirão o sucesso não apenas de indivíduos e suas comunidades, mas de todo o país.
Kézia Abiorana
Assessoria de Comunicação/Funai
* Dados de 2018 da revista britânica Times Higher Education (THE)