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Jovem do Povo Karapanã é promessa do wakeboard nacional
"O indígena é livre e tem espontânea vontade para fazer o que quiser." A frase do Karapanã, de apenas 13 anos, retrata com perfeição a inusitada vida que leva e o faz destaque na nossa página neste dia 19, Dia do Esportista.
Com 12 títulos, sete anos de carreira e habilidade que deixa qualquer adulto de queixo caído, Jair de Souza, o Jajá do Wake, do povo Karapanã, é a promessa do wakeboard nacional, modalidade em que, sobre uma prancha, o esportista realiza manobras nas ondas provocadas pelo movimento da lancha que o puxa.
Centrado e objetivo, Jajá se destaca não só por ser o único indígena no Brasil a praticar wakeboard profissionalmente, mas também por ser o atleta mais jovem a ter sucesso em campeonatos com o nível de manobras que executa. Segundo o garoto, a garra que coloca na prancha tem duas motivações: "O que me influencia é ver que os meus ancestrais foram fortes e a vontade de mostrar que índio não fica só dentro do mato, porque o branco olha para o indígena e pensa que ele tem que morar só dentro do mato, mas não. O indígena é livre e tem espontânea vontade para fazer o que quiser", enfatiza o adolescente.
Desde 2015, uma vez por ano, o esportista Karapanã sai da aldeia Yupirunga, numa região próxima a Manaus, e viaja cerca de três mil quilômetros até Bragança Paulista para treinar na clínica de Marcelo Giardi, o Marreco, expoente da modalidade no Brasil. As passagens, que agora são custeadas pela Prefeitura de Manaus, foram, muitas vezes, pagas a partir da colaboração dos conhecidos e incentivadores do menino que, ao verem suas habilidades, procuraram maneiras de ajudá-lo a captar recursos para que se aprimorasse com Marreco.
Jajá faz jus a tanto esforço. Nos dois últimos anos foi campeão paulista e nacional em sua categoria e, desde do dia 9, se prepara todas as manhãs e tardes na clínica em São Paulo para os desafios deste ano: o campeonato brasileiro, em maio, e o campeonato latino, em outubro, nos quais disputará com atletas de até 40 anos na categoria open. "O nível de manobras dele é alto. Comparado com os atletas brasileiros, ele está num nível bem acima dos outros da idade dele. Pensando em termos de América Latina, ele está no nível da molecada e tem um futuro gigante pela frente. Ele gosta de treinar e tenho certeza de que vai ter um bom futuro dentro do esporte", comenta Marreco.
O campeão indígena, que sonha em viajar, ser campeão mundial de wake, trabalhar com Marreco, ajudar a família, montar uma escola e viver do esporte, já ensina os colegas na aldeia, com quem até compartilhou pranchas, e outras pessoas que vêm da cidade só para aprender com ele, a maioria empresários. Jajá pontua, pela própria experiência, os benefícios que o esporte traz para a formação de uma pessoa: "Quando eu comecei a estudar, eu brigava muito. Todos os dias minha mãe tinha que ir na escola. Depois, eu comecei a praticar o wake, aí ficava bem mais quieto, na minha. Não brigava mais. Hoje eu sou uma pessoa bem mais objetiva, sou bem mais tranquilo. O esporte ajuda em várias coisas na vida de uma pessoa, como a saúde mental e corporal."
Como tudo começou
Jairo de Souza e Maria Alice Paulino, pais de Jajá, investem desde cedo no sonho do garoto, que subiu pela primeira vez numa prancha aos oito anos de idade, nas águas do rio Tarumã-açu, um dos afluentes do Rio Negro. O equipamento não era em nada indicado. À prancha de madeira, foi acrescentado um par de tênis pregado pelo próprio Jajá. "Era novo e o único que ele tinha para ir à escola", comenta a mãe.
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Mesmo tentando convencê-lo a desistir da ideia, devido o preço dos equipamentos incompatíveis às condições da família, os pais de Jajá não resistiram à alegria que ele mostrou ficando em pé logo na primeira tentativa. "Eu estava muito feliz porque eu estava realizando um sonho...eu sempre via os meninos andando. Eu senti bastante adrenalina. Eu gosto de adrenalina!", relembra o garoto sorrindo.
Os treinos no Tarumã-açu custam tempo e investimento dos pais, que até já abriram mão de construir uma casa melhor para a família de quatro filhos, que atualmente moram numa casa de madeira, para fazer com que Jajá treinasse numa lancha com potência adequada às manobras do seu nível. Mas Jairo e Maria Alice julgam terem feito as escolhas certas. "Valeu a pena porque a gente não tinha ideia que tudo isso iria alcançar uma dimensão tão grande. Ele está levando o nome do nosso Estado, da etnia Karapanã, do nosso povo indígena", destaca a mãe.
Diante da experiência, Jairo incentiva os pais a levarem os filhos a praticarem algum esporte e a investirem nos sonhos de suas crianças, considerando suas habilidades, como eles fizeram com Jajá. "O esporte melhorou bastante o comportamento dele. Ele era agressivo na escola e hoje está bem mais tranquilo. A gente vê nos filhos o talento que eles têm. Não adianta forçar na criança o que ela não quer. Os pais devem incentivar o esporte em que eles se adaptam", conclui o pai.
Kézia Abiorana
Assessoria de Comunicação/Funai