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Iniciativa de médicos voluntários leva atendimento especializado a indígenas em regiões remotas do país
Guardarei o máximo respeito pela vida humana . Em 2002, o trecho que abre este texto ainda não constava no Juramento de Hipócrates - tradicionalmente ecoado por médicos recém-formados e que foi alterado em 2017, pela Associação Médica Mundial -, mas já se fazia valer. Naquele ano, um grupo cuja maioria era formada por médicos teve a oportunidade de conhecer uma aldeia Yanomami durante uma expedição turística. Ao confrontar-se com a realidade daquela população, resolveram mudar o foco de suas viagens, no sentido de realizar um serviço especializado para populações indígenas. Nasceu dessa forma, em 2003, a iniciativa Expedicionários da Saúde - EdS .
Antes de iniciar as atividades, o grupo procurou as instituições responsáveis pelo atendimento à saúde indígena, para entender as especificidades desses povos e assim planejar suas ações. Desse modo, desde 2004, o programa Operando na Amazônia mobiliza mais de 300 voluntários, que já realizaram ações numa área que corresponde a 500 mil km², equivalente ao território da França. Foram 8003 cirurgias e 56.604 atendimentos executados no período, com cerca de 4 mil exames efetuados a cada expedição.
O Expedicionários da Saúde, por meio de um Complexo Hospitalar Móvel, organiza três atividades anuais com tecnologia de ponta e médicos voluntários para realização de cirurgias e orientação pré e pós-operatório, além de atendimento clínico, pediátrico, ginecológico, oftalmológico, ortopédico, odontológico e treinamento dos profissionais de saúde local. O Estado colabora de forma decisiva e colaborativa para o êxito das ações. O Exército e Força Aérea apoiam nas áreas de logística e montagem da estrutura. Os Distritos Sanitários Especiais Indígenas – DSEI colaboram com técnicos de saúde no suporte aos especialistas. E a Funai, desde 2006, atua na articulação com os povos e auxilia na alimentação.
"Há muito ainda a ser feito e estamos certos de podermos continuar contando com o importante apoio de nossos parceiros e voluntários, para que possamos juntos dar continuidade ao projeto de levar saúde e qualidade de vida para a população indígena da Amazônia Legal brasileira", pontuou Ricardo Affonso Ferreira, médico que idealizou o programa e presidente do Expedicionários da Saúde. A próxima ação será em São Gabriel da Cachoeira, na região do Alto Rio Negro, no estado do Amazonas, entre os dias 12 e 20 de abril. Setenta voluntários profissionais de saúde estarão na expedição, que pretende realizar 400 cirurgias, 3500 atendimentos e 5 mil exames. Além de São Gabriel da Cachoeira, estão em andamento para 2019 expedições em Oiapoque-AP e em Ilha do Bananal-TO.
Para chegar ao número correspondente às demandas de cada localidade, há todo um trabalho de triagem feito pelos DSEIs. Antes da montagem do hospital, cada operação leva cerca de quatro meses para ser organizada. "Para fazer uma expedição são necessárias várias etapas. Há um primeiro contato com as instituições locais, no sentido de saber o apoio que pode ser realizado, depois pedimos permissão às lideranças indígenas, para posteriormente começarmos o planejamento logístico. Em média, a estrutura dos hospitais é composta por cerca de R$ 2,5 milhões em equipamentos e medicamentos, cedidos por grandes empresas que apoiam nosso projeto", afirmou a coordenadora geral do EDS, Márcia Abdala.
Em alguns casos esporádicos, faz-se necessário acompanhamento integral de pacientes em procedimentos mais complexos. Quando isso ocorre, os indígenas são encaminhados para procedimentos específicos no estado de São Paulo. "Há cerca de dois anos, um cacique entrou em contato conosco durante uma expedição, desesperado pelo fato de seu filho estar convalescendo. Conseguimos um táxi aéreo, que trouxe esse jovem, diagnosticado com leucemia. Ele passou por tratamento em um centro especializado de câncer para crianças aqui em Campinas, e poderá voltar curado para sua casa ainda neste semestre. O pai o acompanhou durante esses dois anos, o que não é nada fácil, tendo em vista que é muito complicado abandonar as próprias obrigações em suas comunidades", relata Márcia.
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Última ação bateu recorde de atendimentos
Ao todo, foram realizadas 41 expedições pelo grupo de voluntários desde o começo das atividades. A última aconteceu no município de Montes Altos, no Maranhão, entre agosto e setembro. Foram realizadas 546 cirurgias, 4.857 consultas médicas e odontológicas e 11.776 exames e procedimentos, um recorde para a iniciativa. Foi contemplada uma população de aproximadamente 34 mil indígenas, distribuída em 328 aldeias localizadas em 20 municípios. Oito povos foram atendidos: Guajajara, Gavião, Awáguajá, Guajá, Urubuka'apor, Krikati, Kanela e Timbira.
"Foi uma grande honra participar dessa operação. Nosso batalhão cuida de uma região em que há um número enorme de indígenas que precisam desse tipo de assistência médica. A adesão foi maciça. O trabalho realizado na operação foi primoroso", afirmou o Coronel Lautier, do 50º Batalhão de Infantaria de Selva (50º BIS). Ao todo, a tropa transportou 21 toneladas de materiais e equipamentos. Para as expedições deste ano, a Funai já garantiu recursos para auxiliar na alimentação dos pacientes e seus acompanhantes indígenas.
"A ação do Maranhão foi muito especial, porque a população a ser atendida era muito grande. Nós ficamos com um dilema, pois não conseguiríamos atender a todos. Ao mesmo tempo, seria muito difícil e custoso ter que voltar a essa região. Nós tivemos que inovar. Ao invés de sete dias cirúrgicos, que é o padrão, fizemos 12 dias com equipes de revezamento. Como todos são voluntários, não é possível mantê-los por mais do que sete dias. Então mandamos equipes particionadas, que foram trocadas em períodos de seis dias. Nós acabamos com nossos médicos (risos), mas não podíamos deixar as pessoas sem atendimento. O revezamento deu certo. Foi incrível", finaliza a coordenadora geral do EdS.
Vagner Campos
Assessoria de Comunicação/Funai