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Empresa deve pagar R$ 5 mi em multa por uso indevido do conhecimento tradicional do povo Ashaninka
O Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) deu ganho de causa ao povo Ashaninka no julgamento de um ato de infração da empresa Tawaya por usar indevidamente o conhecimento tradicional dos indígenas na fabricação do sabonete de murumuru e não repartir os benefícios com as comunidades.
O processo histórico corre também na esfera judicial e teve início com o Procedimento Administrativo instaurado pelo Ministério Público Federal no Estado do Acre, em 2006, para apurar o uso indevido do conhecimento associado de recursos genéticos provenientes da comunidade indígena pela empresa que protocolizou, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual - INPI, pedido nacional de patente relativo à formulação de sabonete de murumuru.
Os Ashaninka usam o murumuru como hidratante e remédio e a empresa, cujo fundador teve acesso aos conhecimentos do povo indígena, se beneficiou das informações para desenvolver o sabonete sem contrapartida justa e equitativa à comunidade.
A decisão do Conselho, no último dia 2 de outubro em Brasília, ocorreu em julgamento em terceira instância. Por 13 votos favoráveis e uma abstenção, foi mantida a multa de R$ 5 mi à empresa Tawaya.
Francisco Piyãko, liderança Ashaninka, pontua que o resultado é mais do que uma mera condenação que garantirá o retorno por meio de uma multa. "É uma garantia de direito, é respeito, reconhecimento. Essa vitória abre uma outra fase, que é a da confiança na justiça, no Estado Brasileiro. As empresas e pesquisadores que são sérios vão poder se relacionar com os povos tradicionais. As que não trabalham com transparência e seriedade vão perder cada dia mais o seu espaço porque não vamos permitir que faltem com respeito aos nossos direitos", assegurou.
Atualmente, a Lei 13.123/2015 garante que quem explora os conhecimentos tradicionais e o patrimônio genético deve compartilhar os benefícios desse acesso com as comunidades que os detêm. A legislação foi criada como estratégia de conservação da biodiversidade e reconhecimento dos povos indígenas e populações tradicionais como agentes de produção do saber.
Entenda o caso
Desde a década de 90, a comunidade Ashaninka do Rio Amônia, do Vale do Juruá, no Estado do Acre, passou a se envolver em projetos de desenvolvimento sustentável para diminuir os danos da exploração madeireira por terceiros na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia.
Uma parceria entre a associação Ashaninka Apiwtxa e o Centro de Pesquisa Indígena (CPI) possibilitou o desenvolvimento do projeto idealizado pelos indígenas de levantamento das espécies nativas da região para elaboração de produtos que oferecessem alternativas econômicas e ambientalmente sustentáveis para a comunidade, tendo em vista o potencial da biodiversidade e dos conhecimentos do povo Ashaninka relacionados a ela.
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Ao final do projeto, momento em que os indígenas começariam uma nova etapa visando à elaboração de produtos com base nos resultados dos dados levantados, o pesquisador anteriormente contratado fundou a empresa Tawaya, em 1996, sem participação indígena e desenvolveu o sabonete de murmuru, além de outros produtos com registro na Anvisa até 2005.
Os Ashaninka consideram que o sabonete é resultado direto da pesquisa iniciada em 1992 com o convênio Apiwtxa/CPI. Nesse caso, além da apropriação indevida do conhecimento tradicional Ashaninka, o pesquisador também teria se apropriado de resultados de pesquisa realizados por meio do convênio entre as duas entidades.
Trabalho em equipe
De acordo com Francisco Piyãko, o apoio de todos os envolvidos na defesa da comunidade foi primordial para a vitória. Para ele, a relatora do processo e representante de povos e comunidades tradicionais, Cláudia de Pinho, teve contribuição significativa para o resultado positivo para os Ashaninka.
"A relatoria foi fundamental para que as pessoas que votaram, fizessem isso com muita segurança e consciência. Essa vitória importante deve-se muito a todo cuidado de mostrar com muita clareza o que aconteceu com nosso povo Ashaninka. Numa linha de um processo sério e responsável com as informações a gente tem êxito como esse", declarou Piyako.
Apoiaram também os Ashaninka o antropólogo José Pimenta que desenvolve trabalho com esse povo há mais de 20 anos, a advogada Bianca Araújo de Morais e a Coordenação-Geral de Gestão Ambiental (CGGAM) da Funai, que articulou o deslocamento dos indígenas à Brasília.
Coordenação-Geral de Gestão Ambiental (Funai)
Assessoria de Comunicação (Funai)