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Em São Paulo, Guarani-Mbya desenvolvem projetos de agricultura tradicional e recuperação do ecossistema
De grande relevância espiritual e cosmológica, a produção e consumo de alimentos tradicionais são fundamentais para a identidade Guarani-Mbya. Chamados de orerembiu , os componentes da alimentação adequada se fazem necessários à transcendência, à vida saudável no mundo físico e ao próprio existir Guarani no universo. Quando os usos e costumes não são seguidos e respeitados, provocam no mundo imaterial uma desordem cósmica que pode resultar em consequências no mundo material.
Variedades específicas de milho, batata-doce, amendoim, feijão, cana, erva-mate, palmito, tabaco e outras integram a lista de produtos agrícolas essenciais para manutenção das práticas culturais dos Mbya.
Há quase uma década, a Coordenação Regional (CR) Litoral Sudeste tem desenvolvido, junto às aldeias de São Paulo, projetos que promovem a agricultura nas comunidades Guarani-Mbya, de maneira a corroborar o fortalecimento cultural e garantir a recuperação ambiental de áreas degradadas. Cultivo do milho, reprodução de palmáceas, quintais agroflorestais, hortas, galinheiros e tanques de peixes são algumas das iniciativas que a CR implantou em apoio às aldeias nos últimos anos.
Na Baixada Santista, onde o foco dos projetos é a agricultura tradicional, é possível destacar como casos de sucesso o plantio do milho guarani, o cultivo do palmito de juçara e o desenvolvimento de sistemas agroflorestais.
Sérgio Popygua, cacique da aldeia Aguapeú, uma das quase 80 aldeias em que os projetos são desenvolvidos, comemora os resultados a partir do envolvimento das comunidades. "O pessoal, vendo o retorno, voltou a praticar mais o plantio. Estão plantando mais, o trabalho na roça voltou a ser feito. A gente está trabalhando forte nessa aspecto", declara o cacique.
Cristiano Hutter, coordenador regional, pontua a motivação e responsabilidade da CR no que diz respeito ao desenvolvimento dos projetos: "Nossa meta é sempre dar continuidade às iniciativas. A gente acredita muito que, por meio da agricultura, do manejo e da relação do povo Guarani com a terra, é possível desenvolver outras práticas culturais. Queremos atingir cada vez mais pessoas, mais comunidades, fazê-las referência e, de forma gradativa e responsável, vê-las se tornarem autossuficientes."
A implantação dos Sistemas Agroflorestais/SAF nas aldeias Gurani-Mbya objetiva recuperar espécies em escassez (principalmente o palmito juçara) e áreas degradadas da Mata Atlântica, a partir da plantação de árvores exóticas ou nativas consorciadas com culturas agrícolas, trepadeiras, forrageiras, arbustivas, de acordo com um arranjo espacial e temporal pré-estabelecido, com alta diversidade de espécies e interações entre elas.
Interessados em proteger o ecossistema do território em que habitam, os Mbya conseguiram apoio da Funai para implantação de sistemas agroflorestais desde 2009. A CR tem investido na compra de mudas, promoção de oficinas e intercâmbios entre agricultores. Hoje, a diversidade das técnicas agroflorestais adotadas na aldeia Aguapeú, por exemplo, é referência no estado de São Paulo, tornando-se atrativo para indígenas e não-indígenas que queiram aprender e
vivenciar a implantação de sistemas agroflorestais.
Popygua explica o quanto o sistema agroflorestal tem contribuído para o modo de cultivo guarani: "No formato que a gente trabalha (agrofloresta), a gente utiliza a mesma área em que, antes, era plantada uma coisa de cada vez. Agora, num mesmo local, plantamos mais e diferentes produtos ao mesmo tempo. Isso é de grande importância porque a gente não precisa derrubar ou fazer outras roças para fazer mais plantio. O resultado é fantástico!"
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O milho Guarani, produzido em 14 variedades, é usado na maior parte dos alimentos tradicionais dos Guarani-Mbya e se concretiza como uma das peças-chave do Avaxi Nhemongarai , ou Batismo do Milho, ritual de grande importância em que as crianças recebem os nomes revelados ao líder espiritual.
Desde 2013, tem sido desenvolvido projeto de apoio à plantação do milho guarani usado para consumo e difusão das espécies entre as comunidades. A partir de 2017, o produto passou a ser comercializado para inclusão na merenda escolar das aldeias Rio Branco e Tangará por meio do Banco de Alimentos de Itanhaém – SP.
O projeto passou por várias etapas, desde a identificação do número de agricultores que ainda produziam as diferentes espécies do milho Guarani, passando por estratégias para transporte e armazenamento, até o apoio à produção propriamente dita, a partir da aquisição e transporte de insumos, ferramentas, uso de maquinário em algumas áreas ou aplicação de determinadas técnicas que favorecessem a saúde e nutrição das plantas.
Para os Guarani-Mbya, o
jejy
, ou palmito de juçara, é um dos tradicionais alimentos que propiciam o fortalecimento da alma sagrada no corpo. É consumido cru, puro ou com mel de jataí, assado ou cozido (também como sopa com frango). Recentemente, algumas aldeias passaram a consumir a polpa do fruto.
A fim de promover a regeneração do palmito de juçara, que se encontrava extremamente reduzido devido à extração e venda por fábricas clandestinas na década de 90, os Guarani-Mbya da Baixada Santista passaram a plantar palmeiras e reproduzi-las em viveiro. O processo de recuperação ambiental das áreas degradadas já acontece há 10 anos. Em 2015, com recursos do Projeto de Gestão Ambiental das Terras Indígenas - GATI, a aquisição de mudas chegou ao auge, alcançando o número de 150 mil mudas.
Desafios e conquistas
Rodrigo Thurler Nacif, antropólgo do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial (Segat) da CR Litoral Sudeste, acompanha a implantação e desenvolvimento dos projetos nas aldeias Mbya.Ele aponta que, a princípio, questões logísticas, barreiras orçamentárias e limite de pessoal foram aspectos desafiadores, mas o envolvimento dos indígenas se mostrou preponderante para o sucesso das iniciativas. "Os agricultores indígenas são os verdadeiros donos dos projetos. É por conta deles que nós temos tido bons resultados em todas as regiões nas quais atuamos, que são o sudoeste, centro-oeste e litoral paulistas, o Vale do Ribeira, Baixada Santista, Região Metropolitana de São Paulo, Litoral Norte paulista e a Costa Verde do Rio de Janeiro", ressalta o indigenista.
O acesso a programas governamentais e parcerias com as prefeituras são algumas das conquistas indígenas na região. Há, atualmente, aldeias que
fornecem alimentos ao governo municipal
para compor merendas nas escolas por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Popygua explica a participação da aldeia Aguapeú no programa e como a produção retorna à comunidade indígena, incentivando o consumo de alimentos tradicionais e saudáveis: "Uma parte da banana que a gente fornece para a prefeitura retorna para a escola da aldeia. Então, o consumo aumentou bastante. A gente está com demanda para fornecer outros produtos, mas, por enquanto, a gente não tem os produtos todos que as crianças necessitam para suprir a alimentação. Mas o nosso objetivo é fornecer todos os produtos direto da aldeia para a escola indígena e assim as crianças consumirem os alimentos da cultura, como batata-doce, mandioca, que ainda não conseguimos inserir. Mas, por enquanto, palmito pupunha e banana a gente conseguiu colocar na lista da prefeitura."
Algumas aldeias Mbya de sete terras indígenas do litoral norte, sul e da capital de São Paulo também foram contempladas pelo projeto Microbacias II, uma ação do governo do Estado de São Paulo que tem ampliado a competitividade e proporcionado o acesso ao mercado por parte dos agricultores indígenas. Ao total, foram repassados mais de RS 1 milhão de reais às comunidades para fortalecimento das atividades desenvolvidas.
Kézia Abiorana
Ascom/Funai, com informações de Rodrigo Nacif Thurler (CR Litoral Sudeste)