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Cores, histórias e tradições enriquecem Altamira-PA na III Feira dos Povos do Médio Xingu
Dourado, o cair do sol iluminou milhares de miçangas, marcando o início da III Feira dos Povos do Médio Xingu, em Altamira-PA. Tucum, babaçu, jenipapo e muitos outros produtos da floresta, transformados pelo conhecimento tradicional de indígenas e extrativistas da região, chegaram a milhares de moradores da área urbana, no último fim de semana (3 e 4 de agosto).
O evento bienal reconhece, valoriza e divulga tradições e histórias de tenacidade e persistência permeadas em cada peça. Diferenças se tornam matéria-prima para o interesse, a partir da interação de indígenas com não-indígenas, com outras etnias e até consigo mesmos. A feira oportuniza a cada artesão deparar-se com a própria narrativa de vida, que se relaciona de forma intrínseca à de sua comunidade.
"Quem me ensinou foi minha mãe, quando eu ainda era criança", conta Talém Arara, da Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca, enquanto mostra três colares feitos por ela. "Lá na aldeia, muitas meninas fazem. Todas aprendem assim com a mãe."
A indígena de 25 anos trouxe, junto com outras mulheres, diversas peças entre colares, pulseiras, cabaças e vassouras. "Fui escolhida pela comunidade para vir. Trouxemos os produtos que são feitos por eles também. A feira é uma oportunidade para a gente vender e mostrar como é nosso trabalho que muitas pessoas não conhecem. É bom para trocar experiências", comenta.
Aos 29 anos, Wenatoa Parakanã foi incumbida de representar as mulheres da Terra Indígena Apyterewa. Ao descrever como se produz uma das peças, mostra o valor inerente ao trabalho artesanal: a vida nele empregada. "Isso é uma pezra. Essa é pequena, mas a grande a gente usa para carregar farinha ou outros mantimentos. A gente colhe o tucum no mato. É muito difícil trabalhar com ele, por causa dos espinhos, tem que ter um jeito especial. A gente deixa pra secar por uma semana e depois vai tecendo", explica Wenatoa.
Assim como o fazer artesanal, as idosas mostram às mais jovens a importância de ocupar o espaço promovido pela feira. Maria Xipaya é umas das indígenas mais antigas e conhecidas de Altamira. De pais Xipaya e Kuruaya, Maria representa, nas peças que expõe, a miscigenação comum entre esses dois povos. Mesmo com mais de 80 anos, ficou na feira até o último minuto. "Eu venho porque temos que aproveitar sempre as chances de mostrar quem a gente é. É bom participar, estar no movimento. Hoje faço menos artesanato porque já quase não enxergo. Mas já fiz muito. A gente aprende é observando as mulheres na aldeia. Ninguém diz é assim que tem que ser. É olhando que a gente vai aprendendo", explica.
Os homens indígenas, apesar de menos recorrentes na prática artesanal do Médio Xingu, também compareceram de forma significativa ao evento. No caso de alguns povos, há peças fabricadas só por homens e outras só por mulheres. Os Assurini, por exemplo, constroem bordunas, bancos, e outros objetos feitos com madeira, mas não fazem jarros nem pintam os grafismos, tarefas exclusivas das mulheres.
Além dos Xipaya, Kuruaya, Assurini, Parakanã e Arara, estiveram presentes Xikrin, Arawete, Juruna e Kayapó, completando, assim, os nove povos indígenas do Médio Xingu. Participaram, também, os moradores das Reservas Extrativistas Xingu, Iriri e Riozinho do Anfrísio, vendendo produtos alimentícios feitos com as riquezas das florestas.
A Funai, por meio da Coordenação Regional Centro-Leste do Pará, da Frente de Proteção Etnoambiental Médio Xingu e da Coordenação-Geral de Etnodesenvolvimento (CGETNO), prestou apoio estratégico, orçamentário e logístico do evento, cuja idealização parte do órgão indigenista desde 2015.
Para Renata Valente, servidora responsável pela organização da feira neste ano, apesar de a Funai ter buscado, desde o princípio, construir um projeto fortemente participativo, a ideia é que o evento comece a mudar nos próximos anos. "Nosso objetivo é incentivar o protagonismo indígena, de forma que a feira seja planejada por eles, que a levem para frente e que a Funai preste todo apoio necessário, mas apenas como parceira. Nossa intenção é valorizar essa cultura indígena e que eles se sintam valorizados e possam se enxergar", enfatiza Valente.
Diferencial
A feira contou com apresentações de dança, pinturas corporais, executadas de acordo com os grafismos de cada povo, e venda de produtos naturais, como óleo de babaçu e batata produzidos pelas Menire (mulheres Xikrin), farinha, bolos e outro produtos advindos do trabalho dos extrativistas. A edição deste ano trouxe, ainda, discussões sobre aspectos importantes para os expositores: a valorização dos produtos tradicionais por meio de certificação e a gestão de resíduos sólidos nas terras indígenas e unidades de conservação da região do Médio Xingu.
Além dos expositores, estiveram presentes nas discussões o coordenador da CGETNO, Juan Scalia, e representantes locais do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Secretaria Municipal da Gestão do Meio Ambiente e Turismo (Semat) e Secretaria de Estado de Educação (Seduc). Reunir diferentes órgãos, simultaneamente, para discutir questões de interesse de indígenas, ribeirinhos e extrativistas mostrou-se um diferencial do evento.
Recepção
Tanto moradores quanto visitantes da cidade prestigiaram o evento e se mostraram satisfeitos pelo aprendizado. Mais do que produtos, puderam levar para casa experiências únicas.
Heitor de Carvalho Costa, de 12 anos, passava por Altamira, trecho de uma viagem que tem feito junto ao pai, Edwin, cruzando, de carro, o norte do Estado do Pará. Os stands já haviam sido recolhidos e, com pinturas Xikrins nos braços e nas pernas, pai e filho pareciam querer aproveitar cada segundo da atmosfera criada pela feira. "Tivemos a alegria de acontecer essa feira justamente quando passamos por Altamira. Achei belíssima e foi um presente ter essa oportunidade de conhecer outros povos", aponta Edwin.
Entusiasmado, Heitor completou a fala do pai: "É importante para as pessoas saberem que os povos indígenas continuam preservando sua cultura, a língua, os costumes. É bacana saber que muitas coisas ainda foram guardadas."
Estima-se que mais de quatro mil pessoas tenham visitado os
stands
durante os dois dias, mais de cinco mil peças tenham sido expostas e o valor arrecadado por famílias que venderam mais ultrapasse os três mil reais.
Kézia Abiorana
Assessoria de Comunicação/Funai