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Protagonismo indígena é destaque na reinstalação do Comitê Regional em Humaitá
As yreru'ias, flautas de taboca confeccionadas pelos Tenharim, soaram unânimes para marcar o início do evento de reinstalação do Comitê Regional do Madeira, na manhã de terça-feira (18), em Humaitá-AM. Aproximadamente 200 participantes entre povos Tenharim, Parintintin, Torá, Mura, Juma, Munduruku, Pirahã, Jiahui, Miranha, Satere Mawe e Apurinã, servidores da coordenação regional e instituições parceiras se reuniram durante três dias (18, 19 e 20) para reestabelecer a instância paritária, exemplo de controle social, que promove a gestão compartilhada das ações da Funai na região. O protagonismo dos povos indígenas foi destaque na condução dos trabalhos.
Compuseram a mesa de abertura representantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Organização dos Povos Indígenas do Alto Madeira (OPIAM), Associação do Povo Indígena Tenharim-Morogita (APITEM), Associação do Povo Indígena Jiahui (APIJ), Associação dos Povos Indígenas do Baixo Marmelos (APIBAM), Associação dos Povos Indígenas Tenharim do Igarapé Preto (APITIPRE), Organização do Povo Indígena Parintintin do Amazonas (OPIPAM), Associação do Povo Indígena Pirahã do Amazonas (APIHAM) e Organização dos Povos Indígenas Resistentes em Área Urbana de Humaitá (OPIRAHUM) além do coordenador regional, Domingos Sávio dos Santos, e do representante da sede da Funai na ocasião, Wagner Sena.
Em fala inicial, Domingos manifestou a importância e significado do evento no contexto da relação entre indígenas e servidores: "fico muito contente quando vejo os povos indígenas juntos e que, apesar das diferenças culturais, estão todos lutando pelo mesmo objetivo. Quero dizer que a Funai está do lado de vocês e vai ficar até o último momento."
Apesar da participação massiva dos representantes à frente do movimento indígena da região, garantir o envolvimento dos caciques que atuam nas aldeias mais distantes foi prioridade para Angélisson Tenharim, jovem liderança responsável pela logística do evento. "Nossa preocupação foi para que pudéssemos ouvir um pouco nossas comunidades de base ao invés de falar por elas. Chegou o momento em que elas têm que ser protagonistas de novas ideias, novas políticas públicas para a nossa região. Fazer com que esses caciques que estão nas bases e não costumam ter uma participação mais direta nas discussões externas da política indigenista estivessem ali para ouvir e entender como funciona todo o processo foi muito importante, pois são eles que vão, de fato, disseminar isso nas aldeias."
O Comitê Regional do Madeira, cuja última reunião foi em abril de 2014, conta agora com nova formação: 12 servidores e 12 indígenas compuseram o grupo de titulares junto ao presidente do Comitê, o coordenador regional Domingos Sávio dos Santos. Está previsto no regimento interno da instância vagas de suplentes que podem ser ocupadas paritariamente por indígenas e servidores e um núcleo diretivo formado por 10 membros, sendo cinco titulares e cinco suplentes.
Representatividade
A participação da cacica Mandeí Juma como uma das suplentes escolhidas pelos indígenas prova que a representatividade se mostrou imprescindível no processo de votação dos membros.
Além de liderança feminina, Mandeí representa uma comunidade vítima de genocídio e massacre em disputas que duraram mais de 70 anos entre a sociedade envolvente e os Juma, que não aceitavam submissão e buscavam isolamento. Agora, esse povo indígena se resume a uma única família formada por um senhor de 70 anos, suas três filhas e algumas crianças e adolescentes que nasceram dos laços matrimoniais entre os Juma e os Uru-eu-wau-wau.
Ao retornarem recentemente para as terras que tradicionalmente habitavam antes de serem removidos de maneira controversa por volta de 1998, os Juma lidam com uma série de dificuldades que vão desde as condições de comunicação à acessibilidade dos habitantes da aldeia à cidade.
"A gente está lutando por melhorias para o povo. Agora nós estamos falando por nós mesmos e eu me sinto muito bem com isso.", comentou Mandeí sobre a participação no Comitê Regional do Madeira.
Parcerias, Planejamento e Expectativa
Em conjunto, servidores e lideranças indígenas definiram que a proposta das ações de 2019 a ser apresentada pelo comitê vai ser amplamente debatida dentro das comunidades e submetida à aprovação na próxima reunião, que será realizada nos dias 4 e 5 de abril.
Ao garantir a formação dos membros do comitê por meio do curso Formar Participação, o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) reiterou o apoio aos povos indígenas da região com ações em prol do fortalecimento das instâncias de governança em parceria com a Funai e a Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ).
Angélisson Tenharim não esconde a expectativa de que a reinstalação do comitê promova, de fato, a articulação dos indígenas na luta pela melhoria da qualidade de vida nas aldeias: " Estou ansioso para ver as reuniões acontecerem nas bases. Quem vai fazer o planejamento vai ser a própria comunidade. Tudo vai ser construído junto com eles porque quando colocam suas necessidades a chance de sair um planejamento consistente e que, de fato, vai atender a perspectiva das comunidades é maior. Estou feliz com o evento. Estamos mostrando que o movimento indígena do alto madeira está firme e forte (...) aqui estamos e aqui vamos ficar. Estamos prontos para dialogar democraticamente sem atingir os direitos dos outros atores sociais, mas também sem abrir mão dos nossos."
No último dia do evento, após reunião com entidades parceiras como o Ministério Público Federal no Amazonas e outras instituições governamentais locais, para as quais os indígenas apresentaram suas demandas, os 10 povos do sul do Amazonas redigiram documento a ser entregue ao futuro presidente da República reivindicando respeito aos direitos dos povos originários.
Kézia Abiorana
Assessoria de Comunicação/Funai