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Indígena e pedagoga, Delmira Peres orgulha povo Avá-Gurani ao entrar para a pós-graduação na UNILA
No Tekoha Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, o povo Avá-Guarani tem mais um motivo para se orgulhar: Delmira de Almeida Peres, pedagoga e diretora auxiliar no Colégio Estadual Indígena Teko Ñemoingo, é uma das primeiras discentes indígenas da pós-graduação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).
Criada em 2010, a Universidade federal envolve professores e alunos provenientes do Brasil e demais países da América Latina, principalmente do Mercosul, visando o intercâmbio acadêmico e cultural por meio da cooperação solidária.
Delmira faz parte do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos Latino-Americanos e sua dissertação "Os saberes indígenas e os processos de ensino/aprendizagem no Colégio Indigena Estadual Teko Ñemoingo, da Aldeia Indigena Tekoha Ocoy", apesar de ainda estar em processo de escrita, já simboliza uma grande conquista, que alegra muito a comunidade, inclusive o cacique Celso Japoty Alves.
Em entrevista à equipe da Assessoria de Comunicação da Funai, ao mencionar a conquista de Delmira, o cacique se diz feliz pela pedagoga ter escolhido estudar algo pensando na comunidade indígena de Ocoy.
Ressaltou, ainda, seu exemplo como forma de incentivar os demais jovens da Terra Indígena e destacou a importância do estudo acadêmico para o seu povo diante das lutas que tem enfrentado.
A mestranda também ressaltou suas motivações e desafios. Leia a entrevista:
ASCOM: Quais aspectos da realidade vivida em Ocoy foram determinantes para a escolha da sua linha de pesquisa?
A vida na comunidade indígena Ava-guarani de Ocoy propicia inúmeras experiências tanto na educação indígena tradicional, junto às famílias, aos sábios, mais velhos e rezadores, onde se aprende pela experiência e oralidade, quanto junto à escola da terra indígena na qual sou pedagoga e vice-diretora.
Pelas falas dos Chamôis e Charrýs (rezadores e rezadoras) e pelas vivências na aldeia, é possível perceber que os povos indígenas têm passado por sérios problemas, uma vez que a natureza vem sendo destruída pelos brancos há muito tempo, com a diminuição das matas, poluição dos rios, redução drástica dos territórios e falta de apoio do governo. Os indígenas sofrem com a discriminação e principalmente com a falta de terra para que todos possam fazer suas roças familiares e dela prover seu sustento.
A cultura tradicional que ocorre grandemente na casa de reza tem sido mantida, a língua indígena também tem sido mantida pelo esforço das famílias em ensinar aos seus filhos. Há terras indígenas Guarani que não contam mais com a presença de Chamôis e Charrýs e isto é muito triste.
Em relação à escola, mesmo com uma ampla legislação que garante uma educação escolar especifica, diferenciada, intercultural, interdisciplinar e bilíngue, ainda há, infelizmente, escolas nas terras indígenas que não atingiram esses objetivos.
Eu penso que estudando poderei ajudar meu povo a ter maiores informações sobre o funcionamento da sociedade envolvente e a lutar por nossos direitos, diminuindo assim o preconceito, a violência e outras situações vividas pelos povos indígenas.
ASCOM: Como você acredita que sua pesquisa pode beneficiar a comunidade de Ocoy e contribuir para os estudos brasileiros na área da Educação?
Tenho plena certeza que poderá ser de grande contribuição para os estudos brasileiros na área de Educação e, especialmente, na área de Educação Escolar Indígena. Há poucos professores e pesquisadores indígenas no Brasil cursando a pós-graduação em nível de Mestrado e Doutorado e eu avalio que isto se faz muito importante para que possamos, nós mesmos, que conhecemos nossas culturas e vivemos de acordo com os ensinamentos de nossos Chamôis e Charrýs (rezadores e rezadoras), articular, assim, os saberes tradicionais e os novos conhecimentos.
O curso de Mestrado está me proporcionando muitas aprendizagens que serão úteis tanto para mim, como professora e pedagoga, como para meu povo, pois em cada oportunidade eu transmito o que aprendo fora da aldeia.
Também pretendo fazer com que outros indígenas jovens vejam, a partir de meu exemplo e meu esforço, que é possível para um indígena fazer mestrado, fazer doutorado, ser pesquisador, ser escritor, sem deixar de ser indígena e sem desrespeitar os mais velhos, nossos saberes ancestrais e nossas autoridades.
Delmira acrescentou, ainda, que é preciso uma política específica de apoio para pós-graduação indígena, tendo em vista que ela e os demais colegas de profissão são contratados de forma temporária pelo estado, enfrentando períodos de entraves financeiros à permanência na universidade e à continuidade de suas pesquisas.
A mestranda guarani é uma entre os diversos jovens indígenas que têm mostrado a todo o país que a universidade é um importante espaço de ocupação e compartilhamento dos saberes dos povos originários e que veem na combinação entre o aprendizado acadêmico e o aprendizado advindo da tradição e ancestralidade de seu povo uma poderosa fórmula a ser usada nas lutas que enfrentam pela garantia dos direitos previstos na legislação.
Kézia Abiorana
Ascom/Funai