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I Encontro de troca de saberes das mulheres indígenas do Baixo Oiapoque e Assembleia anual da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM)
O I Encontro de troca de saberes das mulheres indígenas do Baixo Oiapoque e a Assembleia anual da Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM) aconteceram entre os dias 26 e 28 de janeiro de 2017, na aldeia Ariramba, TI Galibi, reunindo em torno de 300 mulheres das diferentes regiões do Oiapoque.
Após a mesa de abertura do evento, com autoridades indígenas e não-indígenas presentes, realizou-se uma mesa sobre a história da AMIM, em que as sócias fundadoras (Bernardete, Creuza, Elza, Oneide e Ariana) contaram como começou a associação em 2006, com apoio do CIMI. Relataram os diferentes processos, os altos e baixos, pelos quais a AMIM passou até chegar ao momento atual, em que está se fortalecendo institucionalmente e caminhando para a autonomia na gestão de projetos. Um momento de colher os frutos das sementes plantadas no passado.
Em seguida, o dia foi dedicado às trocas de saberes. Renata Lod, coordenadora administrativa da AMIM, apresentou o projeto Mulheres em mutirão semeando a arte do bem viver: encontro de trocas de saberes das mulheres indígenas do baixo Oiapoque, que a AMIM está realizando com o apoio da Embaixada da Noruega. Explicou que esse é o primeiro dos seis encontros que serão realizados nas diferentes regiões, com o objetivo de promover a troca de conhecimentos, sementes, mudas e manivas entre as mulheres indígenas no Oiapoque.
As participantes dividiram-se em rodas de conversa sobre diferentes temáticas: roça e alimentação; plantas medicinais e remédios caseiros; a produção do artesanato; e o trabalho das parteiras, nas quais trouxeram suas preocupações com o contexto atual e a forma de relação com a sociedade envolvente, a necessidade de um melhor diálogo entre as mulheres das diferentes gerações e a importância de valorizar os conhecimentos indígenas, observando as diferenças e especificidades dos povos Karipuna, Galibi Marworno, Palikur e Galibi Kali'nã.
As parteiras são nossas profissionais nas comunidades, a maioria das parteiras são benzedeiras, rezadoras, pajés. Elas são nossas médicas e trazem todo um conhecimento, transmitido de geração em geração, e sentimos que está sendo desvalorizado pelo sistema de saúde e pela juventude.
Atualmente, não tem sido permitido as parteiras acompanharem as mulheres grávidas no parto no hospital. Mas a gente vê que é necessário, pois a parteira tem a facilidade de informar para o médico o que a mulher está sentido, ela pode traduzir, pois ela conhece a mulher. Isso melhora a comunicação. Mas a gente vê que muitas vezes é dificultada essa parceria. O município não acolhe de uma maneira que deixe a mulher mais confortável. Falta apoio por parte do município. (Grupo do Rio Oiapoque)
Temos uma farmácia verde e nossa casa está bem no meio dela. Se tivéssemos mais vontade e interesse de fazer, nossos remédios sairiam até para fora das terras indígenas. Se, por exemplo, chega um dia que não tem remédio do governo, vamos morrer e esperar o governo mandar? Não, temos que valorizar o que a gente tem, que é melhor isso que tomar os remédios que vem de fora. Vamos começar a colocar na reunião, na escola, na sala de aula, que as mães façam em casa. (Grupo do Rio Uaçá)
Em seguida, as mulheres trouxeram as manivas, sementes, plantas medicinais e preparados de remédios caseiros para trocar com as outras mulheres. Cada uma apresentou o que trouxe, as características e propriedades de cada produto. Ofereceram, umas às outras, aquilo que haviam trazido e trocaram receitas sobre como prepará-las.
À noite foram exibidos vídeos com a experiência de outros povos indígenas, em diferentes lugares do Brasil, sobre pinturas corporais, formas de fazer artesanato, a relação com a cidade e a origem de frutos e suas histórias.
O segundo dia iniciou com os depoimentos da experiência e trajetória de diferentes mulheres indígenas no Brasil. Rosilene Tuxá (coordenadora do curso de Licenciatura Intercultural da UNIFAP) falou sobre a importância de pensar o desafio do bem viver dos povos indígenas hoje, na busca de autonomia. Relatou sua trajetória, desde a primeira saída da aldeia para estudar no curso de licenciatura intercultural, os anos de trabalho na secretaria de educação indígena da Bahia batalhando pela garantia de políticas diferenciadas, sua imersão no movimento indígena, até chegar como professora universitária no Oiapoque hoje.
Cada tempo que passa, vemos mais mulheres inseridas no contexto de políticas e tomadas de decisões, ocupando outros espaços que até pouco tempo atrás eram ocupados apenas pelos homens indígenas. E eles estão percebendo que isso está dando certo, e é dado o crédito a essas mulheres. Mas realmente as dificuldades são imensas, esse caminho não é fácil, mas a força de vontade tem que ser maior. A coragem de fazer pelo nosso povo, pela nossa comunidade é maior, e isso está no nosso sangue. (Rosilene Tuxá)
Em seguida, Aline Ngrejtabare falou sobre a importância da luta da mulher indígena, que não é uma luta de acerto de contas, mas de equilíbrio de poderes. Ressaltou a importância de se discutir de dentro para fora as adversidades pelas quais as mulheres indígenas passam em todo o Brasil. Falou no problema de criminalizar as práticas indígenas, através de uma imposição coercitiva do estado, e da necessidade de exigir a aplicabilidade (e não apenas a garantia legal) dos direitos indígenas como população diferenciada.
Simone Vidal falou sobre sua trajetória no movimento indígena, os desafios e preconceitos que passou por ser mulher indígena e a importância da mulher se empoderar. Relatou sua atuação na FUNAI, APIO, CNPI, até chegar ao cargo que está hoje, na Articulação dos Povos Indígenas do Amapá e Norte do Pará (APOIANP).
Eclemilda Macial (Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas) falou sobre a dificuldade de estar em um país machista, sua trajetória e o desafio de ser mulher e conciliar trabalho, família e a luta dos povos indígenas. Reforçou a importância das mulheres indígenas saírem para buscar uma melhor formação, na busca para uma vida melhor para os seus filhos.
Fatima Vidal lembrou o movimento indígena do Amapá, um momento de união dos povos do Oiapoque, momento de muita luta e muitas conquistas. Lembrou as fases pelo quais passou, a inserção no movimento nacional, os enfrentamentos com o governo e os desafios da divisão do movimento. Relembrou sua participação na criação da AMIM, com apoio principalmente do Padre Nello do CIMI.
À tarde, foram feitos grupos de trabalho sobre os temas: saúde; cultura e educação; território e proteção territorial, a partir dos quais foi elaborado um documento com os encaminhamentos da AMIM para a próxima assembleia de avaliação dos povos indígenas do Oiapoque que ocorrerá na Aldeia Ahumã.
O último dia foi dedicado à prestação de contas, apresentação dos projetos em andamento, admissão de novas sócias, mudança do estatuto e eleição dos novos cargos da diretoria da AMIM, compondo com a gestão anterior. As participantes relataram sua satisfação com os esclarecimentos e sua motivação para contribuir com a associação, e na expectativa dos encontros regionais de trocas de saberes.
A Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão (AMIM) é assessorada pelo Iepé e GESCON, conta com o apoio da Embaixada da Noruega e da The Nature Conservancy (TNC).
Fonte: Instituto Ipê