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Funai comemora empoderamento das mulheres indígenas e inovação com coordenação específica de gênero
"Cada conquista das mulheres indígenas foi fruto de muita luta e lutaremos enquanto for preciso!". A declaração de Telma Taurepang ilustra com propriedade a tenacidade do movimento de mulheres indígenas no Brasil, cujos embriões de organização começaram a se formar a partir dos anos 70, deram os primeiros passos nos anos 80 (criação das primeiras associações) e se desenvolveram nas décadas posteriores.
Lideranças, cacicas e pajés, as mulheres indígenas têm conquistado representatividade nas lutas de seus povos e inspirado a participação umas das outras nos avanços pela ampliação e ocupação de seu espaço.
Enquanto as associações de mulheres promovem espaços de diálogo e ações de interação, compartilhamento de saberes, desenvolvimento profissional e empoderamento, as demais organizações indígenas, que lutam pela defesa dos direitos desses povos, e organizações governamentais ou não-governamentais são enriquecidas pela presença e atuação das mulheres indígenas, que trazem ao movimento pautas novas, mas intrínsecas às questões abordadas pelo todo da comunidade.
O presidente da Fundação Nacional do Índio, Franklimberg de Freitas, comemora o crescimento da atuação feminina indígena. Segundo ele, o número de mulheres que têm assumido funções mais importantes dentro de suas comunidades, como lideranças e cacicas, tem aumentado consideravelmente. "Nosso objetivo na Funai é fazer com que elas tenham cada vez mais voz. Para isso, criamos uma coordenação específica de gênero para as mulheres indígenas. Isso é uma inovação nos órgãos públicos. O que queremos é que cada vez mais tenhamos sua participação efetiva, na busca de melhores condições de vida para as populações indígenas do Brasil", ressaltou.
Guerreiras Indígenas
Telma Taurepang e Letícia Yawanawa são duas lideranças femininas influenciadoras e influenciadas pelo processo crescente de participação da mulher indígena nas causas de seu povo. Suas histórias estão ligadas às lutas pela demarcação e proteção de suas terras, pelo fim da violência às mulheres indígenas, contra a discriminação e pela ocupação de espaços de direito sem disputas ou competições.
Telma, do povo transfronteiriço Taurepang (Roraima e Venezuela), ocupou diversas posições de referência em organizações voltadas aos povos originários, como a Frente de Organização Indígena, a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, a Secretaria de Mulheres Indígenas do Conselho Indígena de Roraima e a Secretaria de Mulheres Indígenas da América Latina, essa de abrangência internacional.
Taurepang afirma que a partir do momento em que as mulheres indígenas saíram dos bastidores e passaram a alçar sua voz, começaram a ocupar seu espaço de protagonismo, relacionado à contribuição do olhar da mulher indígena que é capaz de estar onde quiser estar.
Apesar de reconhecer as dificuldades enfrentadas pelas mulheres indígenas em aspectos como profissionalização e inserção no mercado de trabalho, Telma reconhece os avanços conquistados e apresenta expectativas para o futuro de suas parentas. "Houve um avanço na vida das mulheres indígenas, ocuparam espaços, estão graduadas e se graduando, deixaram aquele lado de coitadas e avançaram junto com os desafios que a vida lhes impõe. Mesmo com seus filhos no colo, se fazem presentes dentro de uma sala de aula ou em uma universidade para ocuparem uma posição em suas aldeias. A minha grande expectativa hoje é ver uma mulher indígena ocupando um espaço Legislativo, e em todas as esferas governamentais", destacou.
Letícia Yawanawa, assim como Telma, ressalta o caráter colaborativo do movimento de mulheres indígenas. Coordenadora da Organização das Mulheres Indígenas do Acre, Sul da Amazônia e Noroeste de Rondônia – SITOAKORE, é enfática ao declarar: "A gente, como movimento de mulheres, não quer competir. A gente quer fazer parte em todos os sentidos em qualquer posição. A gente se capacita cada vez mais para ocupar o nosso espaço. Queremos estar junto e somando com nossa luta, com nossas ideias, não competindo com nossos líderes ou tomando seu espaço, mas estando junto com eles".
Ao falar sobre o desafio mais marcante que já enfrentou por ser mulher indígena, Yawanawa se lembra dos 500 anos de resistência dos povos indígenas, em Santa Cruz Cabrália/BA, no ano 2000. Junto às lideranças, de mãos dadas e cantando, ela, uma das poucas mulheres que estavam no local, diz se lembrar do grande número de policiais e saber que, naquela ocasião, poderiam ter que enfrentar alguma situação hostil. Mas a partir de então, ela começou a participar das mobilizações e retomadas em prol das causas indígenas.
Ao definir o que é ser mulher indígena em posição de liderança, Letícia faz sua definição a partir de um olhar acolhedor e de responsabilidade com a comunidade e com os povos indígenas com os quais tem contato: "Ser mulher indígena em posição de liderança é estar lidando com várias situações. Aí você passa a conhecer um pouco a situação dos homens e das mulheres. A gente como mulher, quando vai para as aldeias, vê que muitas esperam pela gente, esperam pelo pouco que a gente faz. Tem tantos parentes, mesmo de outros povos, mas tem tanto carinho, tem tanto respeito, então aquilo faz com que a gente saia um pouco desse costume e tradição de mulher só cuidar de filho e tudo. Você quer cada vez mais ajudar, quer resolver. Então é isso: uma situação de liderança é você acolher um pouco de várias situações".
Letícia também levanta a característica inspiradora da mulher Yawanawa: a vontade de tomar posição em suas lutas e liderar. Ressalta que foi o primeiro povo a ter uma pajé (Raimunda Putani Yawanawá), uma mulher que pisou pela primeira vez em um terreno sagrado em que, anteriormente, não podia pisar. Ela aponta a importância de compartilhar esse caráter de liderança das Yawanawá com outras mulheres indígenas: "Isso a gente leva com muita humildade pra outras mulheres pra dizer: Eu sou mãe, eu sou vó, eu sou esposa, mas eu também estou aqui, junto com o homem. Então isso pra nós faz muita diferença: a gente mostrar isso para as outras mulheres".
Elas para Elas
As histórias de luta das mulheres indígenas também inspiram as indigenistas da Funai que trabalham com a pauta. O tempo de atuação na área é diferente para Maíra Ribeiro e Léia Rodrigues, mas as diferentes experiências levam as duas a uma só conclusão: é um privilégio trabalhar junto às mulheres indígenas.
Maíra Ribeiro, que atua há dois anos na coordenação das atividades que a Coordenação Regional Xavante desenvolve junto às mulheres desse povo, tem prazer ao mencionar os encontros que a Funai apoia junto à comunidade. Desde 2014, 10 encontros foram realizados nas terras indígenas promovendo um espaço de diálogo e interação com até 80 mulheres em cada um. A indigenista ressalta que as atividades para as mulheres Xavantes tem que ser dinâmicas, porque "elas são de ação", como se refere Maíra.
"Ao trabalhar com mulheres, é o nosso espaço e o espaço delas, no qual podemos ter a cumplicidade de trabalhar e nos entender. Tem sido muito bom ter contato com elas. Sendo mulher e tendo a oportunidade, diria até o privilégio, de trabalhar com mulheres, já é muito enriquecedor, porque você tem que pensar para o seu trabalho, a sua própria condição de mulher enquanto trabalhadora e pessoa", aponta a indigenista ao se referir ao seu trabalho com as Xavante.
A servidora carrega em sua memória momentos marcantes das experiências que vivenciou: "As mulheres são muito tímidas e, em geral, têm muita vergonha de falar. Mas elas encontram outras formas de se expressar, e isso é muito especial. Uma vez, no encerramento do Encontro na TI Pimentel Barbosa, enquanto entregava o certificado de participação para uma jovem, ela deixou na minha mão um colar de tiririca, virou e sentou-se no meio das demais. Não consegui nem agradecer e, na verdade, no meio de tantas pessoas, mal consegui ver quem foi que me deu, mas esses pequenos gestos, além de serem gratificantes para mim, considero como uma forma de avaliação positiva do evento por aquelas que não costumam falar muito".
Maíra ressalta, ainda, que a postura reservada das Xavante não pode ser confundida com passividade: "Elas se levantam para colocar sua posição quando é necessário e são trabalhadoras incansáveis", define a indigenista.
Léia Rodrigues, Coordenadora-Geral de Promoção da Cidadania na sede da Funai em Brasília, trabalha com a pauta das mulheres há 10 anos. Indígena Wapichana, ela conta que as características que mais admira nas mulheres indígenas é o fato de escutarem mais, terem paciência, firmeza, delicadeza, coragem e pensarem no coletivo.
"A Funai é uma universidade, através dela vivenciei experiências que arrisco dizer que jamais vou vivenciar por meio de outra instituição. Atuar junto aos diversos povos indígenas do Brasil é gratificante, me moldou no pessoal, profissional, na minha religiosidade; amadureci, aprimorei os meus conceitos e percepções, me tornei mais sensível e humana frente às diversas realidades, passei a escutar mais e falar menos, a me desdobrar para entender mais. Acessar o mundo de outras mulheres indígenas é um desafio gratificante, me sinto mais mulher indígena. Penso que para trabalhar com os povos indígenas precisa se despir por completo", declarou Léia.
Cogen: apoiando o protagonismo das mulheres indígenas
Atenta ao crescimento da participação feminina no movimento indígena, a Funai apresenta inovação em políticas públicas para mulheres ao ser o primeiro órgão a criar uma coordenação específica voltada aos assuntos de gênero dentro de um recorte, o indígena. Após a Oficina de Capacitação e Discussão sobre Direitos Humanos, Gênero e Políticas Públicas, em 2002, com a participação de 41 mulheres de diferentes povos, a pauta de gênero se intensificou na Funai.
A Coordenação de Gênero, Assuntos Geracionais e Participação Social (Cogen) surgiu primeiramente como Coordenação das Mulheres Indígenas vinculada à presidência da Funai, em 2007, e hoje se trata de uma divisão da Coordenação-Geral de Promoção à Cidadania – CGPC. Fortalecer as organizações de mulheres indígenas, apoiar a participação de lideranças indígenas femininas em instâncias de decisão do governo federal acerca de políticas públicas, apoiar eventos de mulheres sobre troca de saberes e o papel da mulher indígena na vida de sua comunidade, com enfoque intergeracional, estão no escopo de atuação da Coordenação.
A Cogen tem em seu histórico diversas atuações em eventos de suma importância às questões da mulher indígena ao longo desses anos, entre eles os 13 Seminários participativos sobre a Lei Maria da Penha, envolvendo 457 mulheres indígenas, de 2008 a 2010, que gerou como resultado a elaboração de documento com as propostas das mulheres para serem incluídas no Estatuto dos Povos Indígenas e a realização de seminários com os homens indígenas sobre as leis estatais e principalmente a Lei Maria da Penha.
Para o alcance dos objetivos e metas da Coordenação foi necessária a construção de conceitos de gênero e geracional com os povos indígenas, que são úteis para nortear de forma geral a atuação da Funai, mas não suficientes para a realização do trabalho com as mulheres, crianças, jovens e anciões indígenas, pois não contemplam as especificidades, as diferenças e a diversidade desses segmentos. Deste modo, a Funai tem atuado sob a perspectiva de gênero a partir das experiências adquiridas junto às mulheres indígenas, através de diversas atividades desenvolvidas ao longo dos anos.
O trabalho da Funai passou a considerar que gênero pode ser identificado no conjunto de relações, atitudes, papéis, ações e representações que envolvem homens e mulheres; dizem respeito a como o feminino e o masculino são construídos, como organizam, classificam e se fazem presentes nas relações sociais, envolvendo pessoas, grupos e sociedade de modos diversos. Gênero é construído social e culturalmente, portanto, o gênero é variável segundo diferentes sociedades, grupos, tempos históricos; seus sentidos podem variar e se transformar.
Apoiando financeira e tecnicamente as iniciativas e eventos de mulheres indígenas, a Cogen tem fortalecido essas organizações e dado visibilidade e voz às mulheres indígenas para lutarem pelos seus direitos, promovendo encontros de formação e informação, com o objetivo de capacitá-las para tal.
Em 2018: II Encontro do Espaço Nacional de Diálogo das Mulheres Indígenas – ENDMI
Entre os eventos realizados pela Cogen está o II Encontro Nacional de Diálogo das Mulheres Indígenas, uma parceria com a ONU Mulheres, Secretaria de Políticas para Mulheres - SPM e Embaixada da Noruega.
Este ano, o evento acontecerá entre os dias 2 e 6 de abril, em Lábrea-AM, e estarão reunidas representantes de diversos organizações indígenas, algumas compostas somente por mulheres.
A I Oficina de Formação e Informação de Mulheres Indígenas do Espaço Nacional de Diálogo de Mulheres Indígenas foi realizada em 2014, em Brasília e tinha como intuito formar e informar as mulheres, que integram a Comissão Articuladora do Espaço Nacional de Diálogo de Mulheres Indígenas, contribuindo na articulação e qualificação da participação das mulheres e das suas organizações em espaços de formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas.
À época, participaram mulheres indígenas dos povos Tenharim, Wapichana, Arapasso, Guarani Kaiowá, Rikbatsa, Kaingang, Fulni-ô e Pitaguary. Agora, a Cogen retoma o espaço no intuito ampliar o diálogo e refletir sobre questões voltadas às causas indígenas e dar prosseguimento às decisões tomadas no encontro anterior.
Kézia Abiorana
Ascom/Funai
Contribuição: Cogen/Funai