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Corresponsabilização e construção coletiva marcam a 1ª Oficina sobre o Papel da Funai na Saúde dos Povos Indígenas
Promoção de Saúde faz parte da gestão estratégica da Funai. Esse entendimento foi o fio condutor da 1ª Oficina sobre o Papel da Funai na Saúde dos Povos Indígenas. O evento encerrou na última sexta-feira (21), na Sede da Fundação, em Brasília, e teve como prioridade a elaboração de uma Instrução Normativa (IN) sobre o tema. (Na foto de capa, fala ao microfone Marcos Pádua, secretário executivo do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena - Foto: Mário Vilela/Funai) .
Promovida pela Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos Sociais (CGPDS), por meio da Coordenação de Acompanhamento de Saúde Indígena (COASI), e com a presença de servidores de algumas Coordenações-Gerais da sede, Coordenações Regionais, Coordenações Técnicas Locais e Frentes de Proteção Etnoambiental, a Oficina promoveu um amplo espaço de diálogo ao longo de toda a semana.
DIA 1
A manhã do primeiro dia foi marcada pela mesa de abertura e mesa com contextualização do processo de construção da Oficina. Representando a Procuradoria Federal Especializada (PFE) junto à Funai, Dra. Carolina Augusta de Mendonça afirmou que a PFE vai acompanhar todo o processo de construção da Instrução Normativa (IN). Segundo ela, apesar da IN visar à regulamentação da atuação da Funai, é importante o envolvimento de outros órgãos.
A procuradora Carolina Augusta fez também uma fala sobre a Constituição Federal de 1988, que superou o paradigma da integração, determinou a plena capacidade civil dos indígenas e atestou o direito à diferença e o direito à autodeterminação. Conforme expôs, O Estatuto do Índio, que ainda está vigente, reconhece o direito ao território independentemente da demarcação. Os indígenas não podem ficar reféns de uma demora do estado de reconhecimento territorial. Para além da proteção territorial, tanto o Estatuto do Índio quanto a Constituição Federal protegem a pessoa. Por isso, ao falar de saúde indígena, devemos considerar as pessoas que vivem em contextos urbanos ou em territórios não demarcados.
Ainda no dia 17, os técnicos de Saúde da Funai, Inês Nogueira e Otávio Carvalho, acompanhados de Fátima Silva, da Sesai, fizeram um breve histórico da Saúde dos Povos Indígenas na Funai, com os principais momentos e métodos de atuação da Funai na Atenção à Saúde dos Povos Indígenas.
Outro momento do dia foi a discussão e alinhamento conceitual sobre temas-chave da saúde, com as explicações do professor Armando Raggio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para balizar os trabalhos posteriores na 1ª Oficina.
(Dia 2 na próxima página)
DIA 2
O segundo dia foi marcado pela realização de três mesas redondas que proporcionaram debates com a presença de convidados indígenas, professores, representantes do controle social e instituições parceiras.
A primeira mesa, realizada no período da manhã, com o tema "Saúde Indígena: formas próprias de Promoção de Saúde, Cuidado e Bem-Viver", contou com a presença de Anastácio Peralta Kaiowá. O líder indígena frisou que "a saúde vem do modo de tratar a terra, alimentar a terra, tratar bem a terra. A gente é o que come, se come mal o corpo vai reagir mal, o que chamamos de tecnologia espiritual. Toda semente tem vida, tem reza na colheita, no plantio, no cuidado com o solo. Todas as plantas têm espírito, principalmente o milho. A doença é o enfraquecimento do espírito, da alma".
Também compondo a mesa, Silvia Guimarães, professora de antropologia da Universidade de Brasília (UnB) abordou que "a saúde é um conceito que vai além de ficar doente, vai além do corpo biológico (...). Para a saúde é preciso ter terra, e preciso plantar, é preciso não ter agrotóxicos, é preciso criar filhos em outro sentido de família, uma família extensa, de educação compartilhada".
(continuação Dia 2: páginas 3 e 4)
Para Rayanne Baré, enfermeira formada pela Universidade de Brasília (UnB), "há uma necessidade de sair do eurocentrismo no ensino de saúde em universidades para se discutir o conceito de interculturalidade, ou seja, de acordo com o modo de vida dos povos originários e como se organizam dentro e fora da comunidade".
Ainda com foco no conceito de interculturalidade, Luciane Ouriques, doutora em Antropologia Social com pós-doutorado em Saúde Pública, disse que os indígenas não são simples usuários da saúde, mas construtores e atores do processo. Ela afirmou que "os povos indígenas possuem o potencial para encontrar as soluções e caminhos para que a reprodução sociocultural possa acontecer. Os povos indígenas podem nos ensinar o que é saúde".
Na tarde do segundo dia, a mesa "Dialogando com o Controle Social, o Movimento Indígena e indigenista: Como a Funai deve acompanhar e monitorar a Saúde dos Povos Indígenas?" discutiu formas de atuação da Funai na Saúde dos Povos Indígenas.
Thiago Fiorott, Ouvidor da Funai, apontou a importância dos Comitês Regionais como "controle social das políticas indigenistas promovidas pela Funai e como espaço de reflexão sobre o monitoramento dos indicadores biomédicos, mas também outros indicadores que dialogam com os Determinantes Sociais da Saúde, a exemplo do acesso à terra, a geração de renda, e a violência ligada a conflitos fundiários e também urbanos".
Beto Marubo, indígena e ex-servidor da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari, abordou que "a Funai tem a responsabilidade de mediar a atuação com outras instituições (...).No contexto de índios isolados tudo se agrava mais, porque eles não fazem ideia do que são estes órgãos e quando há a necessidade de ação, ela precisa ser urgente".
O secretário executivo do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCONDISI), Marcos Pádua, apresentou a estrutura do Fórum, criado em 2006, e compartilhou a importância deste espaço de Controle Social da Saúde Indígena.
Cleber Buzatto, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), afirmou a importância da Funai na demarcação das terras indígenas para se ter uma saúde adequada e, ainda, que a Funai pode ter um papel decisivo na capacitação dos trabalhadores de saúde indígena, especialmente para os não indígenas.
O Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Dinaman Tuxá, disse ser pertinente a criação de uma instância em conjunto entre os dois órgãos: Funai e Sesai. "A saúde indígena perpassa o território, a educação. A Sesai pode contribuir com dados sobre saúde em terras não demarcadas e esses dados podem fortalecer a demarcação de terras pela Funai. É preciso unificar essas forças, tendo tantas coisas acontecendo violando os direitos dos Povos Indígenas", destacou.
A terceira mesa do dia, Saúde e Estado: Como deve ser a atuação do Estado na Saúde para os Povos Indígenas? contou com a presença de Jósimo Puyanawa, doutorando em antropologia; o antropólogo da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, Jorge Bruno Souza; e Luana Faria, Chefe de Divisão de Ações de Saúde Indígena, da Sesai.
Jósimo Puyanawa destacou o papel do Estado na promoção de projetos sociais dentro das comunidades indígenas. O Subprocurador-Geral da República comentou que há políticas públicas que são boas, mas não conseguem ser efetivas. A dificuldade do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) vem também das dificuldades do Sistema Único de Saúde (SUS), que precisa ser fortalecido. Souza destacou que "a saúde dos povos indígenas precisa contemplar a diversidade cultural, social, e de concepção de saúde e bem estar no sentido amplo. Quem tem a principal atribuição é a Sesai, mas a Funai tem um papel muito relevante, tanto pelo acompanhamento das ações de saúde, como na promoção de uma concepção mais ampla de saúde, que inclui também a questão do território". Por último, Luana Faria, da Sesai, falou do papel da Funai de monitoramento: "quando se pensa no monitoramento do projeto, ele deve ser feito desde o planejamento, até a execução e a avaliação. É preciso incluir a Funai em todos os momentos".
DIA 3
No terceiro dia de evento, propôs-se a divisão dos participantes em grupos de trabalho, para aprofundar os debates sobre temas específicos, além da escrita de textos que irão compor a IN. Pela manhã, os grupos foram divididos por eixos de atuação que estão sendo propostos, como ponto de partida, para a atuação da Funai na Saúde dos Povos Indígenas: 1) Acompanhamento de ações e serviços de saúde; 2) Monitoramento dos Determinantes Sociais da Saúde; 3) Controle social e participação social; 4) Promoção de direitos e autonomia de decisão; e 5) Formas próprias de dos Povos Indígenas de Promoção de Saúde.
Antes do trabalho, foi explicado o conceito dos Determinantes Sociais da Saúde como as condições socioeconômicas, culturais e ambientais de um grupo ou um indivíduo que influenciarão a sua saúde, com apresentação de um vídeo sobre o tema, com fala do professor Alberto Pellegrini Filho, da FioCruz.
Acesse o vídeo Determinantes Sociais de Saúde
Na tarde, novos grupos de trabalho discutiram pontos críticos na atuação da Funai, selecionados por sua relevância e presença no dia-a-dia da instituição: 1) Contextos: indígenas em contexto urbano e em terras não demarcadas; 2) Promoção de atendimento diferenciado e atendimento de assistência em saúde por estados e municípios; 3) Povos indígenas isolados e de recente contato; e 4) Saúde mental e uso prejudicial de álcool e outras drogas.
Os conteúdos apresentados pelos grupos foram incorporados no texto preliminar da IN com intuito de serem discutidos e trabalhados nos dois dias seguintes.
(Dias 4 e 5 na próxima página)
DIA 4
No quarto dia, foram realizadas a leitura e a qualificação do texto produzido com os conteúdos dos trabalhos em grupo do dia anterior, proporcionando um amplo debate com a contribuições dos participantes para o resultado da Instrução Normativa.
No final da tarde, iniciou-se a Mesa sobre a 6ª Conferência Nacional de Saúde Indígena (CNSI): Atenção Diferenciada, Vida e Saúde nas comunidades indígenas, com apresentação de Eva Lopes, da Assessoria de Controle Social da Sesai, que explicou que a Conferência vai tratar da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Também compondo a mesa, Lucio Flores, da Assessoria de Controle Social da Sesai, falou sobre o fortalecimento do Controle Social na Saúde Indígena e a autonomia do Fórum de Presidentes de CONDISIs para a realização da Conferência.
DIA 5
No último dia, representantes das instituições parceiras foram convidados para a socialização do texto produzido até então e para as contribuições. O Procurador da República e integrante do Grupo de Trabalho Saúde Indígena na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão/MPF, Dr. Gustavo Kenner, ressaltou a importância dessa iniciativa da Funai comentando que "a Funai é o órgão detentor da política indigenista, ainda que não seja o executor da saúde. É o agente estatal responsável por gerir toda a política indigenista".
No encerramento do evento, foi feito um agradecimento coletivo e um retrospecto daquilo que foi discutido e dos encaminhamentos acerca da IN, que já possui um texto provisório. Compondo a mesa de encerramento, Rodrigo Faleiro, Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, falou da necessidade da Funai estabelecer espaços para se ter segurança na atuação "temos que ter uma atuação amparada em normas para que não haja uma fragilidade. Ao discutirmos essas partes em conjunto, estamos pactuando um compromisso para que a sede tenha uma clareza desse papel e as pontas tenham um amparo. A IN é um passo importante e espero que, com ela, a Funai fique mais fortalecida".
Acesse o resumo do relatório da Oficina
Ana Carolina Vilela
Assessoria de Comunicação Social/Funai
com informações da CGPDS