Notícias
Alimentação, território e soberania são discutidos durante Feira de Sementes e Saberes A’uwẽ
De 29 de setembro a 1º de outubro de 2017, a aldeia xavante Ripá reuniu cerca de 150 pessoas durante a Feira de Sementes e Saberes A'uwẽ. A Feira foi organizada pela Associação Indígena Ripá de Etnodesenvolvimento (AIRE), dentro do projeto aprovado no programa DGM Brasil, e contou com o apoio da Funai. Além dos participantes da aldeia Ripá, localizada na Terra Indígena (TI) Pimentel Barbosa, município de Canarana - MT, a Feira recebeu convidados Xavante de outras aldeias da mesma Terra Indígena, da TI Marãiwatsédé, da TI São Marcos e também convidados não indígenas.
A programação dos três dias de evento contou com espaços de trocas de experiências, palestras, produção da culinária tradicional, corrida de tora, competição de arco e flecha e muito canto tradicional xavante. A feira propriamente dita foi realizada no último dia do encontro, quando cada família apresentou suas sementes para trocar. Os organizadores contabilizaram mais de 30 variedades, entre milhos, feijões, cabaças, algodão, arbóreas e outras.
Simirihu, ancião da aldeia Ripá, falou sobre a importância do Cerrado para a saúde do seu povo: "Venho trabalhando há muito tempo com as plantas nativas, com o conhecimento da medicina natural que aprendi com meu avô, tratando mulheres grávidas e crianças. Hoje em dia, os mais jovens não se interessam muito pela medicina natural, pelo conhecimento das plantas do Cerrado". Simirihu era um dos anciões mais ativos no evento, dando conselhos para os jovens, e se destacando na competição de arco e flecha.
A comunidade da aldeia Ripá, assim como muitas aldeias xavante, produz anualmente parte de seus alimentos em roças de toco familiares, como explicou Carolina Rewaptu, cacica da Aldeia Madzabdzé, da TI Marãiwatsédé: "Na roça tradicional, a gente planta alimento saudável: milho, arroz, feijão, abóbora. Tudo isso é produto da terra que não tem veneno para a comunidade indígena e fortalece o nosso alimento, do povo A'uwẽ Xavante".
Um dos desafios discutidos ao longo do evento foi o fato de que o povo Xavante vem sofrendo há décadas a perda de sua soberania sobre as sementes, principalmente pela substituição da armazenagem e multiplicação dessas variedades pela compra anual de sementes comerciais. Além disso, o crescente consumo nos mercados, devido ao acesso à renda e à proximidade das cidades, tem aumentado a participação da comida industrializada na alimentação do povo Xavante. A limitação da terra, que dificulta o manejo tradicional de caça, pesca, coleta e plantio no território foi outro tema levantado.
Diante dessa realidade, a aldeia Ripá vem trabalhando nos últimos anos de forma mais sistemática para a conservação e multiplicação das sementes tradicionais, como as variedades de milho e de feijão xavante. Existe também um grupo coletor formado principalmente por mulheres da aldeia que participa da Rede de Sementes do Xingu (RSX). Elas coletam e beneficiam sementes nativas do Cerrado para venda principalmente para projetos de restauração florestal na região. José Guimarães Serenhomo Sumené Xavante, cacique da aldeia e presidente da associação, conta que a Feira de Troca de Sementes e Saberes A'uwẽ vem para fortalecer esse trabalho: "Agora, aqui na aldeia Ripá estamos organizando nosso trabalho de coleta de nativas do cerrado, de plantar nossas sementes tradicionais para alimentar a comunidade, nossas crianças. Nós estamos fazendo nossa Feira de Trocas de Sementes para não acabar com nossas sementes".
Alexandre Lemos, produtor do evento e participante da AIRE, avalia que o trabalho com as sementes também contribui para a gestão territorial da comunidade: "Uma coisa interessante é a partilha de conhecimento entre os caçadores, que conhecem muito bem a geografia do território, com a mulherada que é coletora e o cacique. Os caçadores passam a informação das regiões onde tem árvores frutificando em quantidade, com a aprovação da liderança, para que o trabalho de coleta das mulheres seja mais preciso, se apropriando cada vez mais do território".
Outro grupo coletor Xavante da RSX é da TI Marãiwatsédé, cujas coletoras estavam presentes no encontro. Na tarde de sábado, houve um momento para a troca de experiências das mulheres coletoras. Elas falaram não só da venda de sementes florestais, mas também do trabalho com as sementes nas suas roças. "A feira aqui foi importante para as coletoras de sementes de Marãiwatsédé para nós trocarmos feijão e outras sementes do Cerrado e trocar experiência. Aqui eles valorizam o conhecimento dos velhos, isso é muito importante" avaliou Carolina Rewaptu.
Mariano Wadzerepru Babati, da Aldeia Nossa Senhora das Graças, na TI São Marcos, e servidor da CR Xavante, sugeriu a realização de eventos como esses em outras terras xavante: "A gente precisa valorizar a semente, reproduzir, e através da reprodução vamos resgatar todo tipo de sementes. Para isso é muito importante levar essa experiência para outras aldeias xavante, como na TI São Marcos, para continuar tendo a semente e tendo a plantação também para não acabar a natureza do Cerrado."
A Feira de Sementes e Saberes A'uwe foi organizada pela AIRE, com apoio do programa DGM Brasil, da Coordenação Regional Xavante/Funai, da Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge – GO, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Socioambiental (ISA) e da Operação Amazônia Nativa (Opan). O projeto de fortalecimento do trabalho com sementes na aldeia aprovado pelo programa DGM Brasil prevê também a estruturação do grupo coletor da Rede e construção de uma casa de sementes. A AIRE foi formalizada em 2016 com 180 associados da aldeia e tem atuado na produção e comercialização de artesanatos tradicionais, intercâmbios culturais e na formação e produção audiovisual para que os próprios jovens da aldeia registrem as atividades desenvolvidas.
Colaboração: Maíra Ribeiro – CR Xavante/Funai e Guilherme Carrano – CGETNO/Funai