Notícias
Um mês após assassinato de indígena, comunidades seguem intimidadas em áreas do MS
Hoje completa um mês do violento ataque ao tekoha Passo Toro, localizado no interior da Terra Indígena Dourados Amambaipeguá I, município de Caarapó, Mato Grosso do Sul. A Funai segue apoiando as autoridades policiais na condução do inquérito que visa identificar e punir os responsáveis pelo episódio que vitimou o agente de saúde indígena Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza e feriu gravemente cinco pessoas, dentre elas uma criança de 12 anos.
Na semana passada, representantes da Funai, da Casa Civil e do Governo do estado realizaram reuniões com os indígenas e com os representantes dos fazendeiros do município com o objetivo de buscar um acordo para o destensionamento do conflito estabelecido na região. Embora os indígenas tenham cumprido o estabelecido em sua parte do acordo, com a paralisação das retomadas das áreas identificadas como de ocupação tradicional segundo o Relatório de Identificação e Delimitação (RCID) publicado no mês de maio, e com o desbloqueio da estrada que dá acesso à aldeia Tey Kuê, na última segunda-feira (11) foram vítimas de um novo ataque, com três feridos a bala.
Segundo relatos dos indígenas que ocupam a área denominada como Guapoy Guasu, o ataque se deu por volta das 22 horas, quando a comunidade dançava o guaxiré e foi surpreendida por disparos oriundos de um trator e de ao menos duas caminhonetes que passavam na estrada ao lado da área retomada. Três indígenas, dentre eles dois menores, foram atingidos.
Um indígena de 15 anos foi alvejado no joelho esquerdo, outro de 17 anos levou um tiro no antebraço que se alojou no tórax e um adulto de 32 anos foi acertado no braço esquerdo. Os três feridos foram atendidos no Pólo base da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) em Caarapó e estão fora de perigo.
Na terça-feira (12), servidores da Funai acompanharam uma equipe formada por delegado e agente da Polícia Federal, procurador e perito em antropologia do Ministério Público Federal e agentes da Força Nacional de Segurança nas diligências junto aos indígenas de Guapoy. Na ocasião, sitiantes de propriedades próximas confirmaram os relatos de que um trator e duas caminhonetes haviam passado pela estrada na noite anterior. Na data de hoje (14), a Funai tem prestado acompanhamento aos três feridos e promovido o deslocamento até a cidade de Dourados, onde deverão ser ouvidos pelo Ministério Público Federal e fazer os exames de corpo de delito no Instituto Médico Legal.
Além de Guapoy, a Funai segue trabalhando no apoio às investigações sobre os ataques realizados na fazenda Yvu e também na defesa dos direitos territoriais das cerca de 80 famílias que ocupam a região. A autarquia foi notificada, na última segunda-feira (11), da decisão da Justiça do estado do Mato Grosso do Sul que acata pedido de reintegração de posse em favor da proprietária da área, e que, ainda, imputa a responsabilidade pela desocupação, dentro de um prazo de 20 dias, aos servidores da instituição, sob pena de multa. Nesse sentido, tem tomado as medidas administrativas e judiciais cabíveis para recorrer da sentença.
Intimidações em Caarapó
Não obstante os dois ataques que vitimaram e feriram os indígenas dos tekoha Passo Toro e Guapoy Guasu, o clima de ameaça física, psicológica e intimidação permanece na região. Na última terça-feira (12), dois servidores da Funai foram abordados por um homem que se identificou como produtor rural nas proximidades da aldeia Tey Kuê. Os servidores foram intimidados quando o senhor afirmou que não queria a presença de técnicos da Funai na área e passou a tirar fotografias do carro, da placa e dos próprios servidores.
No mesmo dia, indígenas do tekoha Jeroky Guasu entraram em contato com os servidores comunicando uma aglomeração de veículos de produtores rurais e de um trator com as mesmas características dos dois ataques anteriores. A Funai acionou de imediato os agentes da Força Nacional de Segurança, que realizaram rondas no local para a prevenção de novos ataques e identificação dos suspeitos.
A Força Nacional encontra-se com base operacional no município de Caarapó, realizando rondas frequentes nas áreas de retomada e nas estradas da região.
Kurusu Ambá
Além da situação de tensão vivenciada em Caarapó, os acampamentos Guarani e Kaiowá atualmente na jurisdição da Coordenação Regional de Ponta Porã também se encontram sob constante ameaça. Há relatos quanto ao crescimento de comportamentos ameaçadores de produtores rurais e de seus funcionários nas áreas de recente ocupação indígena, especialmente em Kurusu Ambá, Guayvyry e Pyelito Kue, localizadas respectivamente nos municípios de Coronel Sapucaia, Aral Moreira e Iguatemi.
Indígenas relatam som intenso de tiros e fogos de artifício nas imediações destes acampamentos, de forma frequente. Cabe salientar que não houve investida por parte dos indígenas, sequer tentativa de contra-ataque ou provocações. Os mesmos permanecem acuados ante a possibilidade iminente de ataque que, em Kurusu-Ambá, coloca em risco a vida de mais de 70 famílias.
Situação semelhante ocorreu e foi relatada às forças de segurança e ao Ministério Público Federal de Ponta Porã – MS em fevereiro do corrente ano, quando servidores desta Fundação presenciaram episódios de coação e ameaça velada por produtores rurais e seus funcionários, especialmente da fazenda Bom Retiro, onde a comunidade indígena foi fortemente ameaçada por tiros e teve suas moradias incendiadas. Essa situação foi relatada às forças de segurança alguns meses após o atentado ao acampamento Ñande Ru Marangatu, que culminou na morte do indígena Simeão Vilhalva, e 30 dias antes do atentado ao grupo de Gilmar Batista, em Kurusu Ambá, que deixou 30 famílias desabrigadas.
Servidores da Funai têm externado imensa preocupação ante aos episódios recorrentes de violência contra grupos de retomada, assim como à formação de milícias armadas pelos fazendeiros, somados ao crescente preconceito contra a população indígena no Mato Grosso do Sul e ao número de ameaças que a população indígena em Kurusu-Ambá vem sofrendo diariamente.
O último episódio relatado pelos indígenas expõe um novo ataque a tiros realizado na comunidade Kurussu Ambá III, na última terça-feira (12). Os disparos foram direcionados para o alto, com o intuito de ameaçar e aterrorizar os indígenas para que se retirem da área ocupada ante a situação intolerável de insegurança.
A Funai já notificou a Polícia Militar do município de Amambai solicitando que sejam realizadas rondas periódicas e constantes nas proximidades da área, e oficiou o Ministério Público Federal, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, a Delegacia de Polícia Federal de Ponta Porã e o Ministério da Justiça para que as forças policiais e os agentes de segurança pública sejam mobilizados na identificação e punição dos responsáveis pelas ações narradas.
Para além destas ações, a Funai presta apoio emergencial às áreas de retomada do povo indígena Guarani e Kaiowá por meio da distribuição de alimentação, lonas e outros materiais necessários à garantia da segurança alimentar e minimização da situação de extrema vulnerabilidade social a que estão submetidos no atual contexto de luta fundiária e de confinamento territorial no estado.
Outrossim, conforme já se manifestou por meio de nota , a Funai reconhece a legitimidade da luta dos povos Guarani Nhandeva e Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, por suas terras tradicionais, e, acreditando no diálogo, no respeito mútuo e na construção de um pacto governamental e social amplo para solucionar os problemas enfrentados por povos indígenas e produtores rurais no Cone Sul do estado, repudia toda e qualquer ação baseada em violência contra essas comunidades.
Texto: Mônica Carneiro/ASCOM Funai