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Presidente da Funai cumpre agenda no Vale do Javari (AM)
O presidente da Funai, João Pedro da Costa, esteve no Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas, entre os dias 3 e 5, cumprindo uma agenda de visitas e diálogos com os povos da região.
A ida do presidente deu-se em cumprimento a um compromisso firmado com lideranças, que estiveram em Brasília em dezembro do ano passado e, posteriormente, ocuparam a sede regional da Funai em Atalaia do Norte. A ocupação durou cerca de um mês e inviabilizou o atendimento às aldeias durante esse período.
A reunião entre as lideranças e o presidente ocorreu na Câmara Municipal de Atalaia, na sexta-feira (4), e contou com a presença de representantes dos povos Marubo, Matis, Mayoruna e Kanamari. O evento foi marcado por um clima tenso e pelo impedimento, por parte dos indígenas, da presença de servidores da Funai, alguns dos quais foram ameaçados publicamente.
A principal reivindicação dos indígenas referiu-se à mudança do titular da Coordenação Regional Vale do Javari, exercida pelo servidor Bruno Pereira. Os indígenas também entregaram uma carta com outras 16 reivindicações que incluem questões relativas ao apoio a atividades produtivas, ao fortalecimento de políticas de etnodesenvolvimento, às atividades de fiscalização e monitoramento, à reestruturação da Funai na região, entre outras.
Após uma longa e dura discussão, João Pedro respondeu que irá promover a mudança na coordenação até o fim do mês de março e também propôs a realização de uma agenda de trabalho, a ser realizada na região e em Brasília, entre diversos setores da Funai e os representantes indígenas, a fim de discutir a gestão e os trabalhos da Coordenação Regional.
Afirmou que deverá instalar o Comitê Regional no Vale do Javari, que contará com a participação de representantes indígenas e de servidores da Funai, com o objetivo de acompanhar e avaliar os resultados da política indigenista. Os comitês constituem-se em uma instância regional de planejamento, articulação, gestão compartilhada e controle social da Funai.
"Não temos que brigar entre nós. A Funai e os povos indígenas precisam estar fortalecidos, têm que trabalhar em parceria. Precisamos reestabelecer uma relação de confiança entre nós para enfrentarmos a PEC 215, a CPI da Funai e outros mecanismos que são contra os direitos dos povos indígenas. Por mais que tenhamos algumas divergências, precisamos ter respeito entre nós", destacou João Pedro.
Ao final da reunião, ele pediu aos indígenas que dessem condições para que os servidores da Funai pudessem desenvolver suas atividades, uma vez que o clima na região permanece tenso, mesmo após a desocupação da sede regional da Funai.
No dia anterior à reunião, o presidente esteve reunido com os servidores da CR Vale do Javari, que apresentaram os resultados dos trabalhos desenvolvidos ao longo dos últimos cinco anos. João Pedro ouviu as reivindicações dos servidores de que qualquer mudança na gestão da coordenação não venha a prejudicar a continuidade do trabalho realizado até o momento. O presidente reconheceu o comprometimento da equipe e os avanços alcançados, afirmando que irá priorizar o caráter técnico na gestão.
Visita ao povo Korubo
Após a reunião com os representantes do movimento indígena em Atalaia, o presidente seguiu para a Base de Proteção Etnoambiental, localizada na confluência dos rios Ituí e Itaquaí, com o objetivo de estender o diálogo junto ao povo Korubo, que é um povo de recente contato. Foram ao encontro do presidente representantes dos três grupos contatados em períodos diferentes: 1996, 2014 e 2015.
O contato com o terceiro grupo Korubo ocorreu no fim do mês de setembro de 2015, no rio Branco, interior da Terra Indígena Vale do Javari. Um total de 21 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, foi contatado de forma forçada por indígenas Matis. A Funai publicou matéria sobre o caso.
No encontro na Base, os Korubo relataram ao presidente as violências que sofreram por parte dos Matis. Contaram que foram atacados com o uso de armas de fogo por indígenas Matis, que dispararam contra eles causando inúmeras mortes. Disseram que há entre eles sobreviventes que ainda carregam marcas de chumbo e sentem muita dor.
Segundo os Korubo, os "Matis teriam agido como os brancos, com armas de fogo e com covardia, matando mulheres, velhos e crianças que não conseguiram se defender".
Os Korubo relataram, ainda, já terem vivenciado muitos outros conflitos com pescadores e invasores da terra indígena, mas que não têm memória de nenhum outro confronto com tantas mortes. "Mataram meu filho, minha mãe, minha irmã e meu tio", relatou um deles.
Eles disseram ao presidente da Funai que não queriam ficar na área próxima à aldeia dos Matis, local onde foram acomodados após os contatados em setembro. Expressaram ao presidente a vontade de viverem junto aos outros grupos Korubo (contatados em 1996 e 2014), que os reconhecem como parentes. "Os Matis ficam na área deles e nós, Korubo, na nossa área", disse um deles.
Também pediram uma equipe de saúde para atendê-los de forma exclusiva, uma presença mais efetiva da Funai junto a eles e que a instituição fortaleça o trabalho de proteção e monitoramento territorial. As falas dos Korubo foram traduzidas por um intérprete do grupo contatado em 1996, que entende e fala português.
Ameaças
Mesmo após o compromisso firmado pelo presidente João Pedro na reunião em Atalaia do Norte, indígenas Matis prosseguiram com ameaças contra servidores da Funai e da Sesai, que trabalham na Base de Proteção Ituí/Itaquaí, e contra o grupo Korubo recém-contatado.
Sobre isso, a Funai se manifestou por nota, repudiando tal atitude.
Histórico do contato
Atualmente, há três grupos ou subgrupos Korubo contatados pela Funai.
O último contatado foi o de setembro de 2015. O contato foi estabelecido após indígenas do povo Matis coagirem o grupo Korubo, enquanto este atravessava o rio Branco, em área próxima às aldeias Matis, na Terra Indígena Vale do Javari.
Os Korubo foram levados para uma área próxima à aldeia dos Matis, onde começaram a receber os primeiros acompanhamentos por equipes da Sesai e da Funai. Naquele primeiro momento, os Matis serviram de intérpretes e queriam que os Korubo permanecessem ali, junto a eles. No entanto, com a chegada de intérpretes do povo Korubo, os recém-contatados começaram a contar sua versão dos acontecimentos, assim como do ataque que tinham sofrido dos Matis um ano antes. Os Korubo pediram para sair do local onde se encontravam, próximo aos Matis, por temerem novos atos contra eles.
Apesar da oposição dos Matis, a equipe da Funai avaliou que o grupo recém-contatado sentia-se vulnerável junto àquele povo. Os Korubo estavam extremamente debilitados física e psicologicamente em função dos conflitos ocorridos com os Matis e, em respeito à autonomia e à vontade expressa por eles, decidiu deslocá-los para outro ponto dentro do território Korubo, onde havia mais condições de garantir a salvaguarda física, uma barreira epidemiológica mais eficiente e maior atenção indigenista. Tal ação provocou o descontentamento de parte dos Matis.
Atualmente eles estão bem de saúde e a Funai avalia que houve um aprimoramento metodológico dos procedimentos e protocolos adotados no Plano de Contingência, em comparação às ações de pós-contato ocorridas com o segundo grupo Korubo em 2014.