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Presidente da Funai recebe Relatora Especial da ONU
Na tarde de ontem (07), a Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, reuniu-se com o Presidente, a Diretoria e a Procuradoria Especializada da Funai, para tratar dos principais desafios que envolvem a questão indígena no país.
Na ocasião, o presidente João Pedro da Costa solicitou apoio para combater a pressão que os povos indígenas têm sofrido por setores conservadores da sociedade que objetivam desconstruir seus direitos: "Os povos indígenas continuam vigilantes, porque o Congresso Nacional quer provocar um retrocesso histórico. Quero reforçar a importância da sua vinda aqui. Para que possamos mostrar para fora do Brasil esse momento que os povos indígenas estão enfrentando por causa dessa pressão dentro do Congresso Nacional".
No mesmo sentido, o presidente destacou, ainda, as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas no que se refere ao reconhecimento do direito à plena ocupação de seus territórios tradicionais, tendo em vista que o Poder Judiciário tem fixado entendimento limitador a esse direito. "O Poder Judiciário também tem tomado decisões contrárias aos povos indígenas; muitos trabalhos da Funai hoje estão paralisados por conta da nossa Justiça. A Funai continua sendo extremamente relevante para o Estado brasileiro, importante para os povos indígenas, mas precisamos de apoio. A instituição precisa ser fortalecida", afirmou.
A Relatora demonstrou preocupação com as situações apontadas, e declarou seu apoio ao fortalecimento do papel da autarquia e à manutenção do atual fluxo do procedimento de demarcação de terras indígenas. "Eu acredito que o papel da Funai é realmente o de fornecer a argumentação de que os povos indígenas podem ajudar a resolver grande parte dos problemas que temos no mundo hoje. Nos países onde os direitos dos povos indígenas estão sendo destruídos, há muito desmatamento e muita violência. Quero discutir com vocês como fortalecer a Funai e quais os desafios mais graves que a instituição enfrenta", declarou.
Direito à consulta, PEC 215 e CPI da Funai
Tauli-Corpuz também mencionou a necessidade de a instituição indigenista trabalhar pelo fortalecimento do direito à consulta prévia, livre e informada relativa a quaisquer projetos de lei, ações estatais e construção de obras e empreendimentos que afetem povos e terras indígenas. Nesse sentido, o presidente da Funai esclareceu que, muito embora o Estado brasileiro reconheça esse direito, presente em normativa internacional da qual o Brasil é signatário (Convenção 169 da OIT), a rapidez com que os processos de licenciamento de empreendimentos considerados estratégicos avança tem dificultado, em grande medida, o pleno respeito a esse direito.
A Proposta de Emenda Constitucional 215 também tem por objetivo a supressão de diversos direitos dos povos indígenas, o que, na prática, constitui-se como uma paralisação indeterminada de todo e qualquer procedimento de reconhecimento da ocupação indígena no território nacional e, ainda, na abertura de amplas possibilidades para que esses territórios possam ser invadidos e explorados por não indígenas.
A CPI da Funai e do Incra, que tem por objetivo investigar os procedimentos adotados pelas duas instituições na regularização fundiária de territórios indígenas e quilombolas, também foi mencionada como parte de uma ofensiva desigual, violenta e inconstitucional sobre os direitos indígenas. Sem fato determinado que justifique sua instalação, constitui-se como mais uma estratégia empreendida por parlamentares contrários a esses direitos, e que buscam avançar sobre os territórios indígenas motivados pelas intensões econômicas dos grupos que representam.
Sobre as medidas, o presidente da Funai novamente ressaltou posicionamento institucional contrário à PEC e à CPI, destacando, ainda, a força do movimento indígena que tem, desde o início do ano passado, resistido em constante vigília em defesa de seus direitos constitucionais: "A Funai e o governo brasileiro são contra a PEC 215. O movimento indígena tem tido muito mérito nessa questão, e já tem no Senado uma manifestação escrita de maioria. Estamos vigilantes e acompanhando esse processo, e queremos acreditar que os senadores vão cumprir com esse acordo. Hoje já há manifestação de procuradores, juristas e do MPF que caracterizam a PEC como inconstitucional. A CPI também nos preocupa muito, e é uma estratégia política desses parlamentares que são contrários aos povos indígenas".
Povos Isolados e Impactos de empreendimentos a terras e povos indígenas
O Diretor de Proteção Territorial da Funai, Walter Coutinho, apresentou à Relatora a política de proteção dos povos isolados e de recente contato da Funai, destacando a metodologia de respeito à autodeterminação desses povos a se manter na condição de isolamento voluntário.
Atualmente, há 110 registros de isolados no Brasil. O Diretor destacou que a Funai realiza a demarcação das Terras Indígenas e, no que diz respeito a registros que se localizam fora de territórios já regularizados, atua dentro da sistemática de restrição de uso, o que assegura a essas populações os direitos territoriais enquanto são coletadas as informações suficientes para dar seguimento ao procedimento de identificação e delimitação de terras indígenas preconizado pela Constituição Federal de 1988.
Vários desses povos compartilham territórios com povos indígenas já contatados, o que estabelece, ainda, no escopo das atribuições da autarquia, as questões relativas ao relacionamento entre esses povos e, também, tratativas visando ao estabelecimento de acordos internacionais para a proteção de povos isolados em regiões de fronteira.
A Funai possui hoje 12 Frentes de Proteção Etnoambientais, unidades descentralizadas especializadas na proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato, que possuem por obrigação garantir a essas populações o pleno exercício de sua liberdade e das suas atividades tradicionais sem a necessária obrigatoriedade de contatá-los. Nesse sentido, cabe ainda ao Órgão Indigenista Oficial disciplinar o ingresso e o trânsito de terceiros em áreas em que se constate a presença de índios isolados, bem como tomar as providências necessárias à proteção desses grupos, por meio da restrição de ingresso de terceiros nessas áreas.
No que se refere ao papel da Funai na condução do componente indígena dos processos de licenciamento ambiental de obras e empreendimentos que afetam, direta ou indiretamente, terras e povos indígenas, o Diretor de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, Artur Nobre Mendes, destacou a competência da Funai de atuar na análise desses procedimentos, sem contudo responder pela emissão das licenças: "Em primeiro lugar, é importante deixar claro que não há empreendimento isento de impacto com relação aos povos indígenas. Há sempre um prejuízo que pode ser maior ou menor de acordo com as medidas de mitigação que serão implementadas. O Licenciamento Ambiental no Brasil não se dá de forma múltipla; por vários órgãos. O órgão licenciador consulta os demais e emite licença única ao empreendedor".
A Relatora da ONU realizará visita a áreas e terras indígenas impactadas pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Sobre o empreendimento, foi destacado que a conclusão e a manifestação da Funai encontra-se expressa em relatório técnico datado do final de 2015, que reforça a existência de medidas de mitigação não implementadas e impactos adicionais aos anteriormente previstos. Nesse sentido, a autarquia repassou ao Ibama tais conclusões, para que fossem consideradas no ato de emissão da Licença de Operação, e também estabeleceu dois ajustes com o empreendedor, atualmente em vigor e com o estabelecimento de multas e penalidades, para garantir o cumprimento qualificado das condicionantes impostas ao empreendimento.
Victoria Tauli-Corpuz voltará a se reunir com a equipe técnica da Funai no dia 16 de março, após uma série de encontros com representantes do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, de organizações indígenas e indigenistas e visitas a terras indígenas localizadas nos estados do Mato Grosso do Sul, Bahia e Pará. A Relatora produzirá um relatório com suas conclusões e recomendações ao governo brasileiro e ao Conselho de Direitos Humanos.
Texto: Mônica Carneiro/ASCOM Funai