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Faleceu ontem líder do povo Akuntsú, em Rondônia
É com tristeza que nos despedimos de Konibú, o mais velho dos sobreviventes do povo indígena Akuntsú, que foi quase dizimado nos anos 1980 durante a colonização do estado de Rondônia. Konibú, cacique e pajé do grupo, tinha cerca de 85 anos e faleceu ontem, 26/5, de causas naturais.
Junto com Ururu sua irmã falecida em 2009, liderou com sabedoria e força seu pequeno grupo familiar, durante as constantes fugas e perseguições. Sua grande força espiritual ainda era percebida nos longos rituais de pajelança do rapé. Sempre que sentia que algum "mal" podia abater sua aldeia, ou uma das mulheres adoecia, Konibú logo buscava seu rapé e passava longos períodos na pajelança.
O povo Akuntsú é remanescente de um genocídio ocorrido na última década do século passado organizado por fazendeiros da região do sudeste do estado de Rondônia. Atualmente, os remanescentes Akuntsú vivem alternadamente em duas aldeias, localizadas na Terra Indígena Rio Omerê, onde também vivem três remanescentes Kanoê, que foram contatados aproximadamente na mesma época em que foram contatados os Akuntsú.
Konibú vivia com sua esposa Aramíra, e as duas filhas desta, Nanúj e Enotéj, os quais compartilhavam uma mesma casa. Em outra casa vive Pupák, que era considerado por Ururu como seu filho. Na época do contato, o grupo Akuntsú era constituído de sete pessoas, que incluía, além das já mencionadas, uma menina que veio a falecer vítima da queda de uma árvore sobre a maloca em que dormia.
A língua Akuntsú pertence à família linguística Tuparí, do tronco Tupi, juntamente com as línguas Makuráp, Tuparí, Mekéns, Wayoró e Kepkiriwát (esta já sem falantes). Segundo a linguista Carolina Aragon, os Akuntsú incluem-se no grupo de línguas indígenas brasileiras faladas por menos de 20 pessoas e que são as que, presentemente, estão mais ameaçadas de extinção.
Aos Akuntsú que ficam e se mostram resilentes, esta é mais uma experiência de grande dor com a perda de Konibú. Com certeza será um longo período de luto e tristeza das mulheres. Para equipe da CGIIRC e da Frente de Proteção Guaporé, e em especial para Altair Algayer, que dedicou a maior parte de sua vida a esse grupo, fica um imenso vazio, mas a certeza de que o ensinamento maior que ele deixou deve ser seguido por todos nós.
Akuntsú, um histórico de genocídio
No século XVIII, o Rio Guaporé já era conhecido como importante via de ligação fluvial entre Vila Bela de Mato Grosso e Belém do Pará, utilizado como via de comércio, como zona de aprisionamento de indígenas pelas missões religiosas portuguesas e espanholas e também para a busca de minérios.
Os grupos indígenas habitantes da margem direita do Rio Guaporé que sobreviveram às primeiras tentativas de colonização, permaneceram em isolamento até o início do surto da borracha e a chegada da Comissão Rondon, quando levas de seringueiros deslocaram-se à bacia do Guaporé e afluentes. Alguns índios passaram a ser empregados no seringal São Luiz em troca de utensílios, enquanto indígenas de vários grupos foram transferidos pelo antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) para a região do Rio Pimenta Bueno, onde foi instalado o Posto Indígena de Atração (PIA) Pedro de Toledo e, posteriormente, de lá para o PIA Ricardo Franco.
A intensificação do contato e a implementação dos grandes projetos federais e particulares de colonização, especialmente na fase de atração empreendida pelos primeiros seringalistas que ocuparam a região dos rios Corumbiara e Guaporé durante o fim dos anos 40 e meados dos anos 1950, causou, além de uma diminuição demográfica brutal desses povos (em virtude das doenças trazidas com o contato e das inúmeras invasões madeireiras), uma trágica diminuição de suas terras tradicionalmente ocupadas.
Relatórios do SPI na década de 1940 já indicam a presença de índios do grupo Canoê e de outro grupo identificado como sendo da família linguística Tupari na região do Rio Omerê, além de informar da fuga de índios durante as viagens de transferência para os postos indígenas. De acordo com informações cedidas ao comandante da 8ª Região Militar com sede em Belém, em 1948 estimava-se uma população de 5 a 6 mil indígenas, sem contar os não contatados, totalizando 31 grupos de Rondônia, dos quais 15 etnias localizadas na margem direita do Rio Guaporé.
Esses grupos sobreviventes da região de Corumbiara, entre eles os Akuntsú, mantêm-se em isolamento até a década de 1970, quando tem inicio a implantação do Projeto de Assentamento Corumbiara do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e com isso vários registros da presença de grupos isolados na margem esquerda do Rio Pimenta Bueno, na direção do vale de Corumbiara.
Algumas expedições de localização foram realizadas nos anos seguintes, mas somente em 1984, a FUNAI passa ter uma atuação mais frequente e focada naquela região, tendo em vista as denúncias dos funcionários da Serraria Chupinguaia, sobre "ataques" realizados por indígenas, enquanto trabalhavam na Fazenda Yvypytã.
Em 1985, após denúncias de um massacre de índios às margens do Rio Omerê, Marcelo dos Santos foi novamente à região, acompanhado de índios Negarotê e Mamaindê, e também por um Delegado da Polícia Federal, e encontrou roças e malocas destruídas, além de diversos utensílios de uso indígena e relatos de trabalhadores das duas fazendas que confirmaram a presença indígena na margem do Rio Corumbiara. Na época, a equipe encontrou madeireiros fortemente armados e concluiu que os índios estariam sofrendo agressões sistemáticas desde 1983.
Em 1986, com objetivo de proteger os grupos indígenas isolados e remanescentes dos massacres, Sydney Possuelo, então Assessor da Presidência da Funai, encaminhou proposta de interdição da "Área Indígena Igarapé Omerê", que culminou na publicação da Portaria nº 2.030/E/1986, de 11 de abril de 1986, assinada pelo então Presidente da FUNAI José Apoena Soares de Meirelles.
Esse ato administrativo interditou uma área de cerca de 63.900 ha, incidente em terras ocupadas pelas fazendas Yvypytã e Guarajus, para fins de estudos, definição e atração dos índios, vedando o ingresso de não-indígenas na área interditada sem expressa autorização da FUNAI e determinando "a imediata retirada de pessoas não-índias e estranhas aos grupos indígenas, especialmente aquelas que exploram a área".
Entretanto, mesmo com a publicação da Portaria de Interdição a FUNAI continuou enfrentando sérios problemas para atuar na região, sendo impedida, inclusive, de entrar na área para realizar os estudos necessários de localização dos índios isolados e apurar as denúncias. A retirada de madeira foi intensificada e as ações para demarcação dos lotes do Incra só aumentavam o fluxo de pessoas na região. A inoperância do Estado na proteção dos isolados culminou na consolidação da ocupação de grandes fazendas e do avanço do desmatamento no território totalmente ocupados pelos índios isolados, reduzindo a pequenos trechos de mata nativa os refúgios dos grupos sobreviventes.
Apesar desse fato, os indigenistas Marcelo dos Santos e Altair Algayer, este hoje Coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé, e o primeiro aposentado, não desanimaram e mantiveram as expedições de localização dos isolados.
Após enfrentar diversos impedimentos impostos pelos fazendeiros, sem apoio político ou financeiro, a equipe da Frente de Contato Guaporé liderada por Marcelo, finalmente entrou em contato com dois grupos indígenas isolados na região do vale do Rio Omerê: em setembro de 1995, foram contatados quatro indígenas da etnia Canoê (duas mulheres e dois homens), falantes da língua Canoê, que não encontra parentesco genético com nenhuma outra. Em outubro do mesmo ano, a apenas 10 km do aldeamento Canoê, foi encontrado outro grupo indígena denominado Akuntsú, composto por sete indivíduos (dois homens e cinco mulheres) falantes de uma língua derivada da família Tupari.
O contato com os índios Akuntsú e Canoê, na região do Omerê, devastada por frentes de colonização nacional e a exploração desenfreada perpetuada por não-índios, demonstra a persistência desses grupos em sobreviver diante da opressão a eles imposta, sobretudo ao longo da década de 1980. De acordo com os dados levantados à época do contato, os índios se refugiavam entre manchas de florestas, que restavam do enorme desmatamento e da degradação ambiental empreendida pelos proprietários rurais e madeireiros em todo o vale do Corumbiara.
Colaboração: Leila Burger