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Aldeia Yawalapiti encerra ritual de homenagem aos mortos
Sete indígenas foram homenageados no encerramento do Kuarup da aldeia Yawalapiti no último final de semana (13). O ritual fúnebre é realizado anualmente pelos povos do Alto Xingu, com o objetivo de reunir amigos e convidados de familiares que perderam seus entes queridos, para prestar-lhes as últimas homenagens e encerrar um longo período de luto.
O Kuarup é a designação, na língua Kamaiurá, destinada aos troncos de madeira de cerca de dois metros que, representando os homenageados, são fixados e ornamentados em frente à Casa das Flautas, local sagrado e restrito aos homens localizado no centro da aldeia.
A cerimônia reverencia os mortos ilustres e remonta à narrativa mitológica fundadora da vida humana, segundo a qual "a fabricação primordial dos humanos foi obra de um demiurgo que deu vida a toras de madeira dispostas em um gabinete de reclusão, ao soprar-lhes fumaça de tabaco. Assim foram criadas as primeiras mulheres, entre elas a mãe dos gêmeos Sol e Lua, arquétipos e autores da humanidade atual. Em homenagem a essa mulher foi celebrada a primeira festa dos mortos, que é a mais importante do Alto Xingu e que consiste, portanto, em uma reencenação da criação primordial, sendo também o momento privilegiado de apresentação pública dos jovens recém-saídos da reclusão pubertária. Assim, é um ritual que enreda a morte e a vida; as moças que saem da reclusão são como as primeiras humanas, mães dos homens" [1].
A partir de sexta-feira (12), guerreiros tocaram grandes flautas de madeira, denominadas Wüpü, acompanhados por moças em final de reclusão pubertária que dançaram, com as mãos em seus ombros, percorrendo todas as casas da aldeia. A reclusão das meninas representa um longo e significativo período de aprendizagem, em que as adolescentes permanecem em suas casas recebendo orientações das mulheres mais velhas de seus núcleos familiares.
No sábado deu-se início à preparação dos troncos, cada um deles representando uma pessoa falecida na aldeia Yawalapiti no último ano. Após serem cuidadosamente pintados e ornamentados, os familiares dos mortos cantaram e choraram de maneira ininterrupta durante períodos do dia e da noite aos pés de cada um deles. Ao mesmo tempo, dois guerreiros permaneceram cantando nas proximidades dos troncos e, já à noite, os convidados das aldeias vizinhas do Alto Xingu foram recepcionados no centro da aldeia Yawalapiti. Estiveram presentes representantes dos povos Mehináko, Matipuhy, Kuikuro, Kalapalo, Kamayurá, Waurá, Aweti e Nafukuá.
O final da cerimônia foi marcado pela tradicional luta Huka Huka, na manhã de domingo (14). Em um primeiro momento, lutadores considerados experientes e de grupos distintos se enfrentaram, seguidos pelas lutas dos jovens, que ocorreram de maneira simultânea. O final do luto foi, por fim, representado pela retirada dos troncos de madeira do centro da aldeia, seguida de sua transferência ao Rio Xingu.
Valorização do patrimônio cultural indígena e iniciativas de educação comunitária
A Funai possui, no bojo de suas atribuições institucionais, a de fomentar e apoiar os processos educativos comunitários indígenas. Partindo do pressuposto de que a educação não se restringe à escolarização ou aos demais processos tidos como formais, mas também abrange processos diversos de ensino e aprendizagem e socialização de conhecimentos que são fundamentais para a reprodução das culturas, para a gestão territorial, a autonomia e a sustentabilidade dos povos indígenas, a Funai considera que é papel do Estado conhecer os diferentes processos educativos, apoiá-los e fortalecê-los, respeitando-se as formas próprias de organização social e as diferentes visões de mundo dessas populações.
Nesse contexto, o Kuarup vem recebendo amplo apoio institucional da autarquia, tendo contado, esse ano, com o apoio técnico e logístico de servidores das Coordenações Regionais e Locais da Funai que atuam no Parque Indígena do Xingu, da Funai/Sede e com a presença do presidente substituto da Funai, Arthur Nobre Mendes, no encerramento da cerimônia na aldeia Yawalapiti.
A Funai também apoiou o ritual por meio de destaque orçamentário advindo do Ministério da Cultura, que possibilitou ampliar a logística de deslocamento e alimentação dos convidados indígenas e não indígenas presentes nas cerimônias das aldeias Waurá, Yawalapiti e Nafukuá.
Por fim, há, ainda, para este exercício, a previsão de apoio institucional a outras iniciativas culturais na região do Parque Indígena do Xingu, no âmbito das ações de apoio às iniciativas de educação comunitária dos povos indígenas, além do fomento a iniciativas relacionadas à sustentabilidade e à gestão territorial e ambiental da Terra Indígena.
[1] CASTRO, E. V. Esboço de cosmologia yawalapití. In: CASTRO, E. V. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac & Naif, 2002.
Texto: Mônica Carneiro/ASCOM Funai