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Projeto Ibaorebu: criatividade e persistência na construção da educação diferenciada
Dando continuidade às atividades do Projeto Ibaorebu de Formação Integral Munduruku, foi realizada a alternância pedagógica da XIII Etapa Intensiva do "Tempo Escola", no período de 22 de julho a 22 de agosto de 2015. Cumprindo uma trajetória de formação nas áreas de educação, agroecologia e saúde, com abordagens que incentivam a produção de conhecimentos a partir da interdisciplinaridade, da interculturalidade e do protagonismo indígena, o Projeto Ibaorebu finalizará esse ano as primeiras formações em Magistério Intercultural, Técnico em Agroecologia e Técnico em Enfermagem.
Ao longo dos anos, as atividades do Ibaorebu estiveram coerentes com seu eixo articulador, denominado "cultura e direitos do Povo Munduruku", conforme definido durante as primeiras reuniões de construção do Projeto, que remonta a meados de 2008.
A Semana de Artes Munduruku
Os trabalhos da XIII Etapa iniciaram com a realização da Semana de Artes e Linguagens Munduruku, quando foram realizadas oficinas de cestaria, tecelagem de redes, pintura corporal, colares e ornamentos tradicionais, junto à oficina de xilogravura, às aulas de ortografia e gramática da língua Munduruku, bem como foram realizados registros em vídeo e fotografia.
Além da participação de cursistas do Ibaorebu como mestres e aprendizes, as atividades contaram com a participação de especialistas, como o jovem Joseneres Saw (da aldeia Morro do Korap) e alguns anciões, assim como tiveram, entre os aprendizes, jovens e crianças da comunidade de Sai-Cinza.
Entre os vários momentos significativos destacamos: o envolvimento dos cursistas na oficina de tecelagem de redes, arte que se encontra quase em desuso e cujas atividades atraíram vários homens – algo inusitado, já que tal prática era tida como uma atividade feminina; a confecção habilidosa da cestaria tradicional, composta de peças essenciais às tarefas cotidianas; a delicadeza dos colares tradicionais, tais como os zoomorfos (representando espécies animais), confeccionados por homens e mulheres; a beleza das pinturas corporais e a criação de uma obra coletiva em xilogravura, toda inspirada na cosmologia Munduruku.
As diferentes abordagens curriculares: diálogos interdisciplinares
Técnico em Enfermagem
Nas semanas seguintes, as atividades se concentraram em diferentes abordagens curriculares, desenvolvidas com os cursistas das três áreas de formação. No curso de Técnico em Enfermagem, as temáticas trabalhadas foram: Anatomia e Fisiologia, Microbiologia e Parasitologia, e encerrando a etapa, Etnohistória, Territórios e Sociedades, que dialogou com questões relativas à oralidade, à cosmologia e à territorialidade Munduruku face às pressões coloniais e neocoloniais.
Magistério Intercultural
Dando continuidade às reflexões sobre educação e escola, iniciadas em etapas anteriores, as duas turmas de Magistério Intercultural desenvolveram um trabalhado a partir da temática Currículo, Cultura e Cidadania, com o objetivo de construir propostas curriculares que atendam às especificidades do Povo Munduruku, em consonância com o direito à educação escolar indígena diferenciada, específica e de qualidade.
Os trabalhos da área de Linguagem Matemática estiveram concentrados no desenvolvimento de jogos que estimulam o raciocínio lógico, sempre partindo de uma abordagem concreta, palpável, de uma matemática que atenda às necessidades das escolas. Na ocasião, os cursistas foram estimulados a produzirem ábacos com materiais encontrados na aldeia, o que reforça o princípio de uma educação contextualizada.
Também foi trabalhada a temática Narrativas e Oralidade, quando cada turma de Magistério teve a oportunidade de desenvolver trabalhos sob duas perspectivas diferentes: a primeira pautou-se exclusivamente pela construção de narrativas orais sobre a organização social e política do Povo Munduruku, estimulando os cursistas a exercitarem a escuta e a fala, sem que fosse exigido qualquer trabalho escrito ao final do componente; e a segunda abordagem se concentrou na escuta e no registro escrito de histórias Munduruku. Em ambos os trabalhos ressaltou-se a importância da valorização dos conhecimentos próprios, que historicamente foram transmitidos de forma oral e que tendem a ser negligenciados nos processos de escolarização realizados nas comunidades.
Povos Originários pela Descolonização
Após cinco anos se dedicando às reflexões propiciadas pelo componente de Antropologia, que nessa etapa foi trabalhado em diálogo com a Geografia, as turmas de Magistério Intercultural tiveram a oportunidade de conhecer um pouco sobre o contexto da América Latina, sobre as teorias de povoamento do continente, sobre os povos nativos, suas migrações e movimentos políticos, a partir de mapas, fotografias e, em especial, documentários produzidos em outros países.
O que mais chamou a atenção dos cursistas foi a luta dos chamados "povos indígenas" pelo reconhecimento enquanto Povos Originários e, atrelado a isso, o movimento pela descolonização, o que inclui a valorização dos saberes próprios, o respeito à "mãe terra", o reconhecimento dos territórios ancestrais, a luta contra a dominação capitalista e a busca de soluções sustentáveis para o bem viver das comunidades, com mais protagonismo e autonomia.
Técnico em Agroecologia
Durante a etapa foi realizada uma importante Oficina de Etnoarqueologia, que contou com a participação da turma de Técnico em Agroecologia e que se desdobrou em debates sobre o patrimônio material histórico e cultural do Povo Munduruku, que possui sítios arqueológicos identificados como lugares sagrados e existentes não apenas dentro da terra juridicamente demarcada.
Também foram desenvolvidas abordagens a partir das temáticas da Economia Comunitária e Agroextrativismo, Instalações e Construções Rurais, bem como foi dada a continuidade às práticas agroecológicas de manejo, recuperação de quintais agroflorestais e contenção das erosões na aldeia Sai-Cinza.
Ibaorebu: fórum permanente de discussão e reflexão
Como se sabe, o Ibaorebu tem se constituído como um fórum permanente de reflexão e discussão acerca de temas de interesse do Povo Munduruku, o que pode ser verificado durante os seminários interdisciplinares realizados a cada semana, com a presença de todas as turmas e de membros da comunidade, e em reuniões demandadas pelos cursistas e professores Munduruku. Fiel a esse princípio, uma das atividades extracurriculares incluídas na programação da última etapa foi a apresentação e debate sobre os trabalhos realizados pela Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados, que ocorreu no dia 03 de agosto, em decorrência das evidências de existência de indígenas "isolados" na bacia do Rio Tapajós.
Mensagem do Povo Munduruku para o Combate ao Preconceito e à Discriminação
Durante a etapa foi concluída a edição do primeiro documentário produzido no Ibaorebu, intitulado "Mensagem do Povo Munduruku para o Combate ao Preconceito e à Discriminação". O vídeo foi todo concebido pelos cursistas e professores Munduruku, a partir de um processo de reflexão e discussão acerca das situações de preconceito e opressão vivenciadas cotidianamente e, principalmente, sobre a importância da valorização da cultura e da afirmação da identidade na luta em defesa dos direitos.
A maioria das imagens mostradas no vídeo foi feita pelos Munduruku durante as atividades do Ibaorebu. Foram eles que decidiram o que, quando e como filmar, de modo que atuaram como roteiristas, diretores, cinegrafistas e atores, resultando num vídeo Munduruku, feito para eles e por eles mesmos.
A reta final...fechando um ciclo
Finalmente chegamos à última etapa intensiva do Ibaorebu, o que resulta do esforço e do compromisso de cada um e cada uma que integra o Projeto: cursistas e professores Munduruku, professores colaboradores, equipe técnica da FUNAI e comunidade de Sai-Cinza. Os próximos passos necessários à concretização são: realização da última etapa de acompanhamento, para orientação e conclusão das pesquisas desenvolvidas pelos cursistas; realização dos estágios supervisionados; realização do Encontro Munduruku de Educação e formatura dos cursistas, que deverá se configurar como um momento de apresentação dos trabalhos finais e ritual de encerramento.
Acreditamos que o encerramento desse primeiro ciclo de formações não é o fim do Projeto Ibaorebu, mas uma oportunidade de recomeço e continuidade, com propostas de criação de novas turmas de ensino médio, licenciaturas interculturais e, até mesmo, de uma universidade que atenda às especificidades do Povo Munduruku.
Assista ao vídeo produzido pelos alunos.
Texto: Izabel Gobbi e André Ramos (COPE/CGPC)