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Os Filhos do Guaraná
O Projeto Guaraná dos Sateré-Mawé completou, em 2015, vinte e cinco anos de pleno sucesso.
O sucesso de projetos indígenas foi o foco da IX ABANNE – Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste, realizada em Manaus em 2005.
Nas discussões a "apropriação" dos projetos pela comunidade indígena gerou várias hipóteses como as "ruinas de projetos" decorrentes de falhas na implementação ou por características socioculturais. O sucesso se contrapõe às hipóteses do evento com o Consócio dos Produtores Sateré-Mawé, que tem 450 produtores indígenas cadastrados e 306 adequados para a comercialização do guaraná.
O fator sociocultural certamente é um componente fundamental de todo o sucesso do Consócio de Produtores Sateré-Mawé, mas a cosmovisão é o elemento que direciona a visão empresarial do Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé – CGTSM, responsável pela comercialização do guaraná. O Waraná é uma semente que se desenvolve em um cipó, e o Wará é o princípio espiritual do guaraná: início de todo conhecimento.
Nusokem é a marca dos produtos do Consórcio de Produtores Sateré-Mawé e tem um significado muito especial: "é o lugar onde antes do começo do mundo moravam os nossos antepassados e lá ficavam os moldes de pedra de todos os seres vivos da floresta; os animais assim como as plantas, junto com a Arte dos Mawé, que também é uma arte viva" esclarece Obadias Batista Garcia, 54 anos, coordenador Geral do CGTSM.
"Nusoken quer dizer lugar das pedras, e tudo o que é original e nativo vem de lá" conta Obadias e prossegue: "assim o Imperador conduziu nossos antepassados rumo à civilização, mas no caminho parou para comer frutas em uma bonita floresta cheia de fartura de espécies selvagens úteis aos homens, então entendeu que deveriam ficar e cuidar dessas riquezas, eles seriam os guardiões desse Jardim do Imperador. Foi ali que os Sateré-Mawé se formaram como Povo, espalhando o verdadeiro Guaraná, a Paulínea Cupana".
Bernardino Ferreira Trindade da Comunidade Simão da Terra Indígena Andirá Marau, faz parte do projeto há vinte anos e diz da sua importância por estar alertando o seu povo para plantar. "Antes, no tempo do "Regatão", às vezes nem compravam e não tinha garantia de preço. Hoje não, é trinta e trinta mesmo o quilo do guaraná em grão e muita gente voltou a plantar como antigamente".
Com a garantia da compra da produção Bernardino conseguiu custear os estudos do filho em Manaus, que hoje é Bioquímico em Barreirinha/AM. O benefício segundo ele, foi para toda família, conseguindo comprar umas cabeças de gado além de aumentar a produção de guaraná.
Esguio, pai de 10 filhos e não aparentando ter setenta anos de idade, Aristides Michiles, da Comunidade Nova Esperança, no município de Maués/AM, conta inicialmente dos benefícios do guaraná: "Fortifica, anima, dá vontade de trabalhar, faz acordar cedo e dá muita disposição. Minha esposa já sabe, todos os dias depois de levantar prepara o "Sapó" (o guaraná em bastão é ralado em uma pedra numa cuia com água, forma ritual de compartilhar o guaraná) e os parentes começam a chegar prá tomar o guaraná; reúne a família e a comunidade" e faz questão de lembrar de sua Tia Ninita, com mais de cem anos que também participa do ritual diário do Sapó.
Na sua avaliação como associado há 15 anos, o projeto incentivou a diversificação da produção e cita os 700 pés de Pau Rosa plantados e com assessoria de técnicos agrícolas indígenas. "Plantamos não só guaraná, mas tucumã, andiroba e cumaru, não usamos nada químico é só pau e folha podre; adubo orgânico. O guaraná só dá uma vez por ano e não podermos ficar deitados."
Veja abaixo a íntegra da entrevista do Coordenador Geral da Tribo Sateré-Mawé, Obadias Batista Garcia
Como começou o Projeto Guaraná?
Obadias: O projeto teve início em 1993, naquele momento tínhamos o usufruto da terra, mas como garantir nosso território, nossa cultura e nossa educação? Isso tinha que ser na prática. Antes da Constituinte toda associação era só pra reivindicar, então criamos o Consócio dos Produtores Sateré-Mawé com características empresariais, com fins sociais, mas sem fins lucrativos para poder comercializar o guaraná.
Como é feita a comercialização?
Obadias: Vendemos no mercado internacional, no Comércio Justo, surgido em 1960 com dez estudantes da Holanda após um estudo sobre as consequências de adubos químicos utilizados na industrialização da agricultura na Europa. Várias doenças desconhecidas pelos cientistas foram dadas como resultado do desmatamento, envenenamento da terra e sumiço da biodiversidade. Isso fez mudar a filosofia do mercado e a política. Foi um alerta, passaram a ter critérios como produção só orgânica, biológica, investimento na recuperação de áreas degradadas, e o mais importante não usar químicos, tanto em animais como em vegetais.
Então o comércio do guaraná dos Sateré-Mawé é especial?
Obadias: Negociamos no Comércio Justo que tem seus princípios, é como se fosse lei. Cento e setenta países praticam esse tipo de comércio que hoje conta com mais de cem mil associados e, nós somos um deles. É um comercio diferenciado, temos a Terra Madre que divulga em todo mundo a importância de produzir alimento saudável desde 2004 quando foi criada, ela não comercializa. Na Europa 60 por cento das lojas praticam o Comércio Justo.
Foi difícil entrar nesse mercado?
Obadias: Nós contamos desde o início com a assessoria da Associação de Consultoria e Pesquisa Indianista da Amazônia – ACOPIAMA nos orientou sobre o controle de qualidade e tivemos que nos adequar. Antes não havia controle de qualidade a comercialização era de qualquer jeito.
Como atua o CPSM – Consórcio de Produtores Sateré-Mawé?
Obadias: o CPSM auxilia, orienta e regulamenta a atividade de cultivo e manejo, beneficia e comercializada a produção. O faturado do Consórcio também financia a administração autônoma da Terra Indígena, pois o Consócio não é só uma associação de produtores, mas o braço econômico da Nação Sateré-Mawé articulada e organizada no Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé.
O projeto Guaraná é responsável pela autonomia e sustentabilidade do povo Sateré-Mawé?
Obadias: O guaraná tem um valor cultural, mitologicamente somos filhos do Guaraná, contam os antigos que a mãe Yogurana foi morta pelo tio e plantou o olho esquerdo, nascendo o guaraná falso que significa briga, desavença. Quando plantou o direito nasceu o verdadeiro guaraná - o principio do conhecimento, ele é Deus e nosso Tuxaua. A Mãe Yogurana profetizou: serás grande, vais ser autoridade, vais ser Tuxaua vais curar moléstia, emancipar teu povo fazendo o mito na realidade.
E na cultura qual o projeto da CPSM?
Obadias: Dez por cento do Consórcio e para CGTSM criar projetos coletivos, projeto político para Nação com educação de fato e de direito nossa. O projeto é de uma educação tradicional. Temos a Universidade Livre Academia aprovada pela Universidade Federal do Amazonas em 2011, hoje temos cinquenta alunos fazendo curso de licenciatura para formar líderes para expandir o conhecimento, o verdadeiro etnodesenvolvimento do povo Sateré-Mawé. A proposta é a produção de material didático para valorizar as crianças a aprender e valorizar a nossa cultura, sermos o autogestor do nosso território, os velhos já garantiram a demarcação, agora temos que garantir para nossos filhos e netos.
Como esta a produção e a comercialização para o mercado nacional?
Obadias: A produção em 1993 era de vinte quilos por família, em 2015 chegamos entre 8 a 10 toneladas. Com o mercado nacional negociamos em pequena escala, pois temos que aprender toda a burocracia dos não índios. Como é um projeto novo temos que prepara os consumidores para o Comercio Justo e também nossos parentes para uma economia diferenciada da capitalista.
E o projeto de futuro para o Consórcio?
Obadias : O projeto de futuro é colocar no comércio outros produtos não só o guaraná. Não podemos plantar como os ruralistas que só plantam, soja, milho, o sistema de monocultura. Não queremos transformar a Terra Indígena em guaranazais. Nós queremos que cada produtor tenha seu guaranazal, culturalmente como se fazia antigamente. Cada família produzindo um pouquinho, juntos teremos uma produção grande. Gerar recursos para projetos políticos e educacionais. Produzir outros produtos temos que dar valor a essas riquezas naturais, a biodiversidade dar esse valor as riquezas naturais para suprir as nossas necessidades.
O que falta para o Consórcio se solidificar ainda mais?
Obadias: Precisamos do apoio das instituições governamentais, principalmente da FUNAI para que possamos juntos fazer essa parceria para fortalecimento institucional e viabilizar mais rápido essa Educação com uma Universidade Sateré-Mawé com um currículo pós feito, estudos e pesquisa com a valorização das lideranças. Isso sim vai trazer uma nova política, mostrar para outros povos a nossa experiência, lutar pela verdadeira defesa do seu povo.