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Indígenas ocupam Congresso Nacional contra PEC 215, presidente da Câmara e paralisação de demarcações
Na manhã desta quarta-feira (16), centenas de representantes indígenas de todas as regiões do Brasil ocuparam, em protesto, a parte externa do Congresso Nacional. Aliadas ao som dos maracás, as palavras de ordem deixaram clara a posição do movimento indígena contra a Proposta de Emenda à Constituição PEC 215, inciativa parlamentar que ataca frontalmente seus direitos constitucionais.
Se aprovada, a proposta resultará em uma paralisação indeterminada de todo e qualquer procedimento de reconhecimento da ocupação indígena no território nacional, além de abrir amplas possibilidades para que esses territórios possam ser invadidos e explorados.
Na rampa, no gramado e nas proximidades das cúpulas do edifício, onde estiveram reunidos caciques, lideranças, mulheres, crianças, rezadores e rezadoras, as palavras de ordem "Fora Cunha!", "Não à PEC 215!" e "Demarcação já!" se misturaram aos cantos, danças e rituais, por meio dos quais os indígenas deram seu recado de força e resistência.
Segundo Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o movimento indígena encontra-se mobilizado desde o início do ano de 2015: "nós passamos o ano de 2015 fazendo revezamento de delegações aqui toda semana, todo mês, protestando contra a PEC 215, contra o projeto de lei da mineração, protestando contra as outras medidas que estão aqui e que a qualquer hora eles podem votar". Além disso, marcou posição contrária à atuação do atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha, afirmando que "o presidente da Câmara é totalmente articulado com todos os ruralistas que estão aí para poder aprovar todas essas medidas anti-indígenas. (...) Então é 'Fora Cunha', mas pela demarcação das terras indígenas. Nós sabemos que ele é um empecilho aqui dentro para que isso avance".
A liderança Neguinho Truká acrescentou que "a Câmara tem sido a grande ameaça dos povos indígenas do Brasil". Segundo sua avaliação, o que se vê hoje é "um parlamento onde a maioria dos membros sufocam toda a sociedade brasileira, inclusive os povos indígenas".
O cacique Babau representa o povo indígena Tupinambá de Olivença, que possui território delimitado nos municípios de Buerama, Ilhéus e Una, no estado da Bahia, região marcada por intensos conflitos fundiários com fazendeiros. Presente na manifestação, Babau afirmou que, mais uma vez, os povos indígenas precisam cobrar seus direitos em Brasília, "pois o Congresso Nacional, que deveria defender os direitos da nação brasileira, defende somente direitos próprios, legisla em causa própria". Babau demonstrou também sua insatisfação com a bancada ruralista, defendendo a regularização fundiária dos territórios de comunidades tradicionais. "Chega de concentração de terra nas mãos desses poderosos. Devolvam a terra a quem é de direito e a quem dela vai viver, vai prosperar", cobrou.
Os indígenas que vivem no bioma Cerrado também se manifestaram contra o Plano de Desenvolvimento do Matopiba, expressão utilizada para designar uma extensão geográfica que recobre parcialmente os territórios dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Elza, representante do povo indígena Xerente, reforçou que o seu povo não aceita o Plano: "Nós estamos aqui para eles verem que a gente existe e que nós não aceitamos o Matopiba, que destrói muito a natureza, a nossa água. Nossos povos indígenas vivem das frutas que dão no cerrado".
A cacique Nega Kanela, que reside no município de Araguacema-TO, em terra ainda não regularizada, explicou, ainda, que a defesa do Cerrado não deve ser bandeira somente dos povos indígenas e comunidades tradicionais, mas de todo o povo brasileiro. "O Matobipa, para nós, é como se fosse o gafanhoto no fim da época. Vai destruir todas as matas. Hoje os nossos rios já estão secos, por causa da bancada ruralista. É muita soja, é muita cana, agora tá vindo o eucalipto também pra destruir o restante que nós temos. Então, nós, povos indígenas defendemos o Cerrado. (...) Não estamos protegendo só nós não, mas toda a população. Porque tá aí o aquecimento global. E o Matopiba é o que vai acabar com o restante de Cerrado que está sobrando para nós", concluiu.
Ao final do manifesto, os povos indígenas foram recebidos pelo deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ), homenageado com um cocar e pintura de urucum, por suas ações em defesa dos direitos dos povos indígenas. O deputado reforçou a defesa de que os povos indígenas possuem pleno direito às suas terras originárias e a viver conforme os seus usos, costumes e tradições: "O que acontece em Brasília nesse 16/12/2015 é uma aula que vocês dão para os deputados e senadores dizendo que é preciso respeitar a nossa história, é preciso respeitar as nossas origens, é preciso valorizar as culturas dos povos nativos. Então, vários projetos aqui que podem ser resumidos nessa nefasta, sombria, errada, venal PEC-215 revelam o seguinte: tem um Brasil do poder, do dinheiro, um Brasil muito branquinho, muito europeu, muito norte americano, muito anti-Brasil. Um Brasil com "z" que não conhece o Brasil com "s" que tá aqui no entorno do Congresso Nacional. Esse Brasil com "z", esse Brasil das elites, quer destruir o que há de mais genuíno e bonito no Brasil real. Então é muito bom que vocês venham aqui".
Expectativas
Ao mencionar a presença da presidenta Dilma Rousseff ontem (15), na 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista, Sonia Guajajara explicitou, mais uma vez, a expectativa do movimento indígena por atitudes concretas: "O movimento indígena recebeu o discurso da presidenta Dilma de forma esperançosa. Ela ficou de anunciar os atos concretos de demarcação de terras. Então, para nós, continua a expectativa, e a gente espera que ela tenha atitude para ir além do discurso".
Neguinho Truká explicou, ainda, que o movimento indígena é contrário à ação de impeachment contra a presidenta Dilma. A avaliação é a de que, apesar dos poucos avanços obtidos nos procedimentos de demarcação em curso, "o Estado democrático brasileiro deve ser respeitado".
A construção de um novo pacto entre os povos indígenas, o Estado e a sociedade nacional pautado em propostas concretas elaboradas pelos povos indígenas de todas as regiões do Brasil continua até amanhã (17), quando será realizada a plenária final da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista.
Texto: Mônica Carneiro/ASCOM
Colaboração: Matheus Alencastro/ASCOM