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Etapas regionais são finalizadas com conferência em Roraima
As edições regionais da Iª Conferência Nacional de Política indigenista foram finalizadas, no último sábado (7), com a realização da Etapa de Roraima. As conferências regionais totalizaram 26 etapas, em 18 estados brasileiros, com a participação de delegados indígenas, governamentais e da sociedade civil, além de observadores.
Os números de participação são surpreendentes: 25 mil pessoas estiveram presentes nas 133 etapas locais e seis mil nas 26 regionais. Quanto às propostas, estas chegaram a um total de 2.300.
Enquanto as etapas locais se constituíram em espaços de discussão e elaboração de propostas em âmbito comunitário, as etapas regionais buscaram instituir canais de diálogo entre os povos indígenas, os representantes governamentais e não governamentais.
Os princípios orientadores das conferências regionais buscaram: 1) valorizar e fortalecer o processo de construção e consolidação da política indigenista; 2) reconhecer e valorizar a diversidade cultural como forma de descolonizar e qualificar a construção da política indigenista, garantindo o respeito aos povos indígenas; 3) ampliar e fortalecer o diálogo entre os povos indígenas, governos, servidores e ONGs como instrumento de construção e efetivação da política indigenista; e 4) valorizar o olhar crítico dos povos indígenas para a construção e qualificação da política indigenista.
Etapa de Roraima
O Lago do Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, foi palco para o encerramento do processo de conferências regionais, com a realização da Etapa de Roraima, entre os dias 5 e 7 de novembro.
Lá estiveram reunidos cerca de 300 delegados dos povos Wapichana, Macuxi, Yanomani, Wai-Wai, Taurepang, Patamona, Ingarikó e Ye'kuana, que discutiram os rumos da política indigenista a partir de suas realidades, juntamente com os represenantes governamentais e não governamentais. Antes da Conferência Regional foram realizadas oito etapas locais.
Em linhas gerais, as propostas apresentadas durante a plenária final incluíram políticas voltadas à segurança e fiscalização nas terras indígenas, apoio a projetos produtivos sustentáveis, maior presença do Estado nas áreas de fronteira, mais investimentos para as políticas públicas destinadas à saúde, educação e assistência social, valorização e o reconhecimento cultural, entre outras.
O presidente da Funai, João Pedro, esteve presente ao último dia do encontro. "Estamos aqui, na fronteira do Brasil com a Guiana Inglesa e a Venezuela, em Raposa Serra do Sol, uma terra indígena emblemática na história do indigenismo, da democracia e do Estado brasileiro, construindo um rico debate sobre a Iª Conferência Nacional de Política Indigenista. Temos a presença de diversos povos e uma conferência com muitas propostas, muita alegria, muitas manifestações culturais expressas nos trajes, nas falas e posturas. Saio daqui extremamente satisfeito porque esse debate vai fazer uma liga com os debates de todo o Brasil. Estamos na Amazônia, no extremo norte do nosso país, construindo sonhos, políticas públicas e encaminhamentos de políticas que possam fortalecer a luta das etnias, as línguas, as culturas dos povos indígenas do nosso país", afirmou.
Avaliação do processo
Pierlângela Cunha Nascimento, do povo Wapichana, integra a Comissão Nacional de Política Indigenista - instância que propôs a realização da Iª Conferência Indigenista à Presidência da República - e também a Comissão Organizadora da Conferência.
Em entrevista, ela falou sobre a importância do processo de diálogo e construção coletiva para a Conferência Nacional e sobre as expectativas e propostas elaboradas nesta última etapa regional.
Funai - Como você avalia esse processo de conferência?
Pierlângela - Esse processo de conferências locais e regionais, que vão culminar com a etapa nacional, foi importantíssimo porque foi o momento em que os povos indígenas puderam se reunir para avaliar, a partir da Constituição de 1988, a atuação do Estado e a relação do Estado com os povos indígenas. Isso nos possibilitou ter uma visão mais geral sobre os avanços e desafios para os próximos anos. Também nos possibilitou reformular algumas políticas e propor tanto avanços como novas políticas. Então, foi um momento ímpar para podermos avaliar a política indigenista e também discutir sobre esse contexto atual que estamos passando com a PEC 215 e fazer essa união para que possamos nos fortalecer enquanto povos.
Funai – Quais os marco e as expectativas que você destacaria na Etapa de Roraima?
Pierlângela - Nosso grande marco foi trabalhar a questão das terras. Aqui em Roraima, apesar de termos as 33 terras demarcadas, temos pouca fiscalização e ainda vivemos um processo de invasão. Então, a proteção desses territórios foi bastante discutida. O ponto alto da discussão foi: como vamos fazer para alcançar a fiscalização e gestão dos territórios? A outra questão é a revisão das terras demarcadas em ilhas porque a população indígena aumentou e as terras ficaram pequenas. Ainda, discutimos a questão da educação. Uma vez que o estado e os municípios não estão dando conta de promover a educação escolar indígena, estamos propondo a criação do sistema próprio para federalizar a educação. São questões que vamos levar para a Conferência Nacional a fim de propormos novas formas de construção da política e para que o Estado brasileiro mude sua estrutura e atenda realmente as necessidades dos povos indígenas. Se a gente continuar se adequando às estruturas e não o contrário, vamos continuar sem o atendimento que queremos.
Funai – E como você avalia a participação nessa etapa?
Pierlângela - A participação foi como a gente esperava com todos os povos indígenas da região. Vieram, por exemplo, mais de 60 Yanomami que estão contando com tradução simultânea, para que eles possam entender na língua deles o que a gente está discutindo. Os outros povos entendem a língua portuguesa, mas eles têm dificuldade. Então, aqui a gente viu a diversidade e outra forma de fazermos uma conferência. Estamos fazendo dentro da terra indígena e isso também favorece a discussão, a ambientação, a união. Tudo isso contribuiu para que, no debate, surgissem novas propostas e consideramos que essa, que é a última conferência regional, foi positiva porque conseguimos deixar todas as dificuldades para trás e pensamos em fazer uma conferência de onde pudessem sair propostas de referência para todo o Brasil, que possam modificar não só a legislação, a política, mas a própria estrutura do Estado.
A Iª Conferência Nacional de Política Indigenista acontecerá de 14 a 17 de dezembro de 2015, em Brasília-DF, e contará com a presença de 2.200 delegados eleitos em todo o país.
Texto e entrevista: Clarissa Tavares/Ascom