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As ameaças aos direitos indígenas e seus principais desafios foram temas discutidos na 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista
"Direitos indígenas – ameaças e desafios" e "Política indigenista hoje" foram os temas debatidos nas duas mesas magnas do primeiro dia da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista. Deborah Duprat, subprocuradora-geral da República e uma das debatedoras, ressaltou a capacidade de resistência e organização dos povos indígenas, que, segundo ela, vêm resistindo a uma série de ameaças dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A subprocuradora destacou como uma das principais ameaças a formação de jurisprudência que vêm tentando diminuir os direitos indígenas, principalmente com relação ao marco temporal (data da promulgação da Constituição Federal para definir a demarcação de terras ocupadas pelos povos indígenas).
Outra grande ameaça citada pela subprocuradora foi a tramitação da PEC 215 no Congresso Nacional, que propõe retirar do Executivo a prerrogativa de demarcar terras indígenas, transferindo essa responsabilidade para o Legislativo. Deborah Duprat afirmou a inconstitucionalidade da PEC, informando que, caso aprovada pelo Congresso, ela não passaria pelo Supremo Tribunal Federal (STF). "O STF diz que é preciso garantir toda a tramitação da PEC no Congresso Nacional para que eles (deputados e senadores) tenham a chance de discutir e rever a proposta, mas também diz que se o Congresso insistir e aprová-la, o STF vai declarar sua inconstitucionalidade".
O advogado indígena Luis Eloy Terena destacou que a Constituição Federal representou um "divisor de águas" para os povos indígenas, com o rompimento da tutela. Lembrou que, antes dela, os indígenas não podiam exercer seus direitos de cidadãos. "Até o cacique, para sair da aldeia, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e depois a Funai, tinha de dar autorização". Outro ponto importante conquistado para ele foi o reconhecimento do direito sagrado e originário às terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. "Se os direitos estão na Constituição Federal, é porque houve intensa mobilização das lideranças e luta pelo reconhecimento. Ela representa a resistência dos povos indígenas".
Eloy avaliou, no entanto, que, apesar dos avanços, ainda há práticas de tutela e apresentou algumas petições de juízes que ainda citam a tutela para solicitar que a Funai intervenha em determinadas ações protagonizadas pelos indígenas. Com relação ao marco histórico que o STF usa como argumento para anular demarcações de terras indígenas, ele lembrou: "não estávamos na terra (no momento da proclamação da Constituição de 1988) porque ainda éramos tutelados. O próprio Estado retirou os povos indígenas de seus territórios".
Antônio Carlos de Souza Lima, presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) participou da segunda mesa magna, que discutiu a política indigenista. Souza Lima falou sobre o desafio de se traçar diretrizes para a política indigenista, pois "não há uma política indigenista, mas várias políticas indigenistas: de educação, de saúde, de terras, de meio ambiente e sustentabilidade, de assistências sociais". Segundo ele, são políticas que não se falam, mas ele não vê sentido em querer juntar tudo novamente num órgão como a Funai. "Creio que é importante que cada vez mais espaços no Estado brasileiro tenham políticas para os povos indígenas". Para o antropólogo, as participações em instâncias, conselhos são importantes, mas é preciso garantir a execução do que for decidido. "Ao convocar essa Conferência, as autoridades estão assumindo um compromisso. É fundamental que as medidas propostas saiam do papel". E deixou um recado para os participantes: "o desafio é defender um conjunto de valores comuns a todos os povos indígenas, pois para certos poderes, dividir é uma estratégia.
Participaram ainda das mesas magnas, o secretário executivo do Ministério da Justiça, Marinaldo Pereira; o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, José Ribamar Bessa Freire; e a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara.
A Conferência segue até quinta-feira (17), no Centro Internacional de Convenções de Brasília (CICB).
Texto: Ana Heloísa D'Arcanchy