Notícias
A união dos povos indígenas é destaque durante a Etapa de Manaus
Na semana seguinte à aprovação da PEC 215/00 pela Comissão Especial na Câmara dos Deputados, os representantes indígenas presentes à Etapa Regional de Manaus da I Conferência Nacional de Política Indigenista foram unânimes em apontar um caminho para o futuro: a união entre todos os povos a fim de superar os desafios que se colocam aos direitos indígenas, diante da atual conjuntura no país.
"A PEC 215 vem para nos massacrar e, nesse momento, sabemos que nossa resistência é árdua e, por isso, precisamos nos unir. Unidos temos mais força e precisamos ter força para que as futuras gerações possam viver como nós. Está na hora de o Estado brasileiro nos ver e nos ouvir", destacou Nara Baré, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
"Se há 500 anos falavam que os índios não tinham alma, hoje estão dizendo que eles não têm direitos. Estamos vivendo uma conjuntura muito grave, onde não há espaço para divergências entre nós. Esse é o momento da união. A Conferência Nacional vem para reivindicarmos nossos direitos e é um momento para o Estado brasileiro dizer ao mundo que esse é um país multicultural e plural e não mais integracionista e genocida", complementou Paulino Montejo, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Mesa de abertura
A Etapa de Manaus foi aberta, na manhã desta terça-feira (3), com uma demonstração do ritual da tucandeira pelo povo Sateré-Mawé. Em seguida, representantes indígenas das etnias Sateré-Mawé, Hexkaryana, Tukano, Munduruku, Apurinã, Kambeba, Mura e Tikuna deram as boas-vindas aos participantes em suas línguas maternas.
A mesa de abertura foi composta por representantes de organizações indígenas, do governo, do Ministério Público Federal, e pelo presidente da Funai, João Pedro. "Passamos, no Brasil, por uma grande manifestação de preconceito contra os quilombolas e os povos indígenas. Essa PEC, que é contra os índios, a terra, as línguas, as culturas, não passará por conta da mobilização dos povos indígenas, dos seus parceiros, apoiadores. A PEC 215 é antidemocrática e revela esse momento duro que estamos vivendo. Por isso, vamos finalizar esse processo de conferências, em dezembro, dando um grito muito forte ao Poder Executivo, ao Judiciário, mas, especialmente, contra o Congresso Nacional", disse o presidente.
Para Crisanto Xavante, representante da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), a Conferência Nacional representa "um momento importante, em que nós, lideranças e comunidades indígenas, vamos conferir o que o Estado brasileiro fez de bom, a partir da Constituição de 1988 que garantiu nossos direitos através dos artigos dos índios 231 e 232, e o que ainda não foi feito. Apesar do que estamos vivendo no momento atual, da busca incessante dos ruralistas de tentar desfazer o que está na Constituição Federal, vamos saber separar o que nos foi feito, não como favor, mas como direitos, e o que ainda tem de ser feito".
Avanços e desafios
Ainda pela manhã, o tema "Avanços e desafios da política indigenista" foi discutido pelo coordenador do Conselho Indigenista Missionário na região Norte, Francisco Loebens, e pelo professor da Universidade Federal do Amazonas, Gersem José dos Santos Luciano, indígena do povo Baniwa.
Loebens apresentou um panorama dos projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional e são contrários aos direitos indígenas, assim como relembrou momentos relevantes para os povos da Amazônia, como lutas, massacres e conquistas. Também abordou os ataques do Legislativo às entidades que trabalham para a garantia dois direitos indígenas. Exemplificou citando a instalação da CPI do Cimi, pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, e a CPI sobre a Funai e o Incra, pela Câmara Federal: "esse é uma clara tentativa de enfraquecer os critérios constitucionais que determinam a demarcação das terras indígenas e quilombolas", citou.
Gersem Baniwa resgatou as conquistas advindas com a promulgação da Constituição de 1988, tais como o reconhecimento da capacidade civil dos indígenas, o fim da tutela e a participação indígena em espaços de controle social, o que levou a avanços como a ampliação das políticas públicas para os povos indígenas e conquistas territoriais. No entanto, reconheceu que "ainda há um abismo entre o que determinam as leis e as realidades indígenas" e que, atualmente, "há um enfraquecimento das instituições e políticas voltadas para os povos indígenas".
Para Baniwa, a Conferência é o momento para repensar e reorganizar a macro política indigenista do Estado Brasileiro, mas também de avaliar a atuação do movimento indígena no país. "A autonomia ninguém nunca vai nos dar, nós temos que a exercer, temos que fazer valer [esse direito], mas, para isso, temos que nos organizar, nos mobilizar, nos formar e lutar sempre", finalizou.
Esta é a quinta conferência regional realizada no estado do Amazonas. Já ocorreram conferências no Rio Negro, Tabatinga, Atalaia do Norte e Lábrea. A Etapa de Manaus ocorre de 3 a 5 de novembro e reúne cerca de 200 delegados indígenas, governamentais e da sociedade civil.
Texto: Clarissa Tavares/ASCOM