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Funai participa do treinamento de Al Gore sobre as Mudanças Climáticas
Entre os dias 4 e 6 de novembro a FUNAI participou, representada pelo Assistente Técnico da Assessoria da Presidência, do treinamento do ex-vice-presidente dos EUA Al Gore sobre as Mudanças Climáticas. O Climate Reality Project já formou 26 turmas de lideranças climáticas globais e teve seu primeiro evento na América Latina com 750 selecionados, entre 1700 inscritos.
O evento aconteceu no Rio de Janeiro e teve a participação de lideranças indígenas como Almir Suruí, Mayalú Waurá, filha do Megaron Txucarramãe, entre muitos outros especialistas do assunto, aprofundando detalhes atuais das negociações políticas e dos estudos científicos deste que é o maior desafio da humanidade, barrar o aumento da temperatura do planeta em 2 graus, como acordado entre os países da ONU.
O horizonte do aumento de 2 graus na média dos termómetros do planeta pode parecer algo fácil de ser evitado. Temos dificuldade de entender como este pequeno aumento interfere na nossa rotina e qualidade de vida. Hoje já vivemos em um aumento de quase 1 grau na média planetária. Com esta realidade aconteceram tufões inéditos como o Catarina em 2005 em Santa Catarina, secas na "terra da Garoa" como já foi conhecida a cidade de São Paulo, além de uma enormidade de casos semelhantes no mundo todo.
O maior talento do vice-presidente Al Gore e sua organização, The Climate Reality, é juntar estes dados e apresentar de forma inspiradora para promover a internalização deste desafio a ser vencido por nossas forças coletivas conscientes. Seu sucesso já foi auferido pela premiação no Oscar ao filme "Uma Verdade Inconveniente" e o Nobel da Paz que dividiu com os cientistas do IPCC, um conjunto global de análise do estado do clima criado pela ONU há cerca de 20 anos para orientar os países em suas decisões na Convenção Quadro sobre as Mudanças Climáticas que se reunirá em Lima, Peru, no próximo mês para mais uma rodada das negociações anuais.
Desafios coletivos
Mesmo esta força global premiada encontra dificuldades. Nas últimas Conferências das Partes, COP na sigla em inglês, como são chamadas as reuniões de negociação, o sentimento foi de frustração. Em Copenhague (COP 16) uma expectativa de novo acordo pós-Kyoto foi atropelada pelos sintomas da crise econômica global que ainda hoje são sentidas, deixando os países desenvolvidos pouco interessados em investir nas mudanças das suas matrizes energéticas viciadas em carbono, quanto mais em auxiliar os países em desenvolvimento a seguir sua trajetória reduzindo emissões de gases estufa.
Algumas definições avançaram neste tempo sombrio, como o REDD+ para povos indígenas e comunidades tradicionais e o consenso dos países de lutarem contra um aumento maior do que 2 graus na temperatura até 2100 simbolizados no limite de 450 PPM de CO2 equivalente na atmosfera. Alguns países em desenvolvimento como o Brasil apresentaram metas voluntárias de redução de emissões entre 36% e 38% em comparação com o ritmo normal de crescimento do país, estimulando os países e se comprometerem com a descarbonização das suas economias num acordo mais robusto que, infelizmente, não veio.
O prazo para que o acordo aconteça é em 2015 na COP de Paris, pois os cientistas mostram que após 2020 ficará muito mais difícil reverter o processo de aquecimento da terra para níveis aceitáveis, um acordo forte que comprometa todos os países em 2015 prepara para um novo acordo em 2020 que realmente reduzam as temperaturas.
O Brasil no jogo climático
O Brasil é muito importante neste jogo. É o quarto maior emissor de CO2 por conta dos desmatamentos que precedem a atividade agrícola na qual somos campeões em muitas modalidades como soja, carne, milho, açúcar. Reduzimos bastante nosso ritmo de desmatamento apenas cumprindo a lei ambiental e temos ainda uma boa área de floresta a ser preservada para se manter o ciclo climático da América Latina e talvez até do mundo segundo alguns cientistas.
Os mais de 280 povos indígenas daqui trabalham diariamente para preservar suas matas vivas, pois é delas que obtêm a qualidade de vida das suas comunidades, sendo terreno fértil para soluções de redução do carbono da atmosfera como o REDD+ e a PNGATI que já conta com experiências bem sucedidas no processo de construção de um plano de futuro de algumas etnias. O carbono Suruí é o primeiro projeto e REDD certificado e aprovado pelas leis brasileiras e a própria Redução de Emissões provocadas por Desmatamento e Degradação Florestal, significado da sigla, foi criada por um conjunto de ativistas brasileiros interessados em aumentar a importância dos países florestais nas negociações do Clima. É natural que sejamos priorizados pelo ex-presidente Al Gore em sua seara contra o aquecimento global.
Seu treinamento, propriamente dito, repete a fórmula do filme "Uma Verdade Inconveniente", slides com dados científicos e imagens estonteantes de catástrofes em todo o mundo. Foram 3 horas impressionantes da apresentação que se seguiram de mais 5 horas em que cada slide era explicado em seus detalhes, algo cansativo para muitos dos presentes que já tentam imitar sua apresentação desde o lançamento do filme, usando sua própria forma e conteúdos mais próximos das realidades locais, como fazem a maioria dos 800 selecionados.
Especialistas em diálogo
Durante os dias anterior e posterior, importantes pesquisadores brasileiros fizeram uma atualização das informações sobre o tema. A ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira explicou como o Brasil reduziu suas emissões por desmatamento e antecipou alguns novos projetos para que o país siga liderando os esforços globais pelo clima, dando um amplo panorama das forças políticas em choque no Brasil atual que tornam nosso desafio ainda maior.
Os dados de aumento do desmatamento foram o ponto de conflito da ministra com a Jovem indígena Mayalú Waurá Txucarramãe que a precedeu no primeiro dia de apresentações. "Vocês puderam perceber como o governo brasileiro ainda nega que este aumento do desmatamento voltou a ocorrer, como faremos para reverter se nem assumimos que ele existe" questionou Mayalú tirando aplausos calorosos da plateia sempre atenta aos dados públicos do sistema do governo federal de detecção de desmatamento, o DETER, bem como os dados do INPE – Instituto de Pesquisas Espaciais. Eles indicam que em agosto e setembro deste ano o desmatamento aumentou 122% em comparação com o mesmo período de 2013. Perdemos 1.626 Km2 de florestas neste período.
O Deputado Federal Alfredo Sirkis aprofundou a análise sobre o Congresso Nacional onde preside a Comissão de Mudanças Climáticas. Contou bastidores da negociação em que o Brasil apresentou suas metas e a dificuldade de se aprovar leis mais robustas para descarbonizar nossa economia tendo uma bancada ruralista com uma ampla votação nas duas casas legislativas. Foi pessimista sobre um possível acordo em Paris-2015. "Vamos ter uma melhora incremental, como nos outros anos, mas acho difícil que saia um acordo como foi Kyoto", afirmou.
As mesas de apresentação pretendiam gerar confrontos amigáveis e inspiradores. Almir Suruí mostrou o esforço de seu Povo Paiter Suruí em estabelecer suas prioridades de futuro coletivo, criando estruturas administrativas próprias para atuar em temas diversos como o projeto Carbono Suruí de REDD+, a parceria premiada da etnia com a empresa Google e o enfrentamento do desmatamento ilegal, no qual conta com a ajuda da Funai e da Polícia Federal. Em contraste com o Fazendeiro Mauro Lúcio Costa, Presidente do Sindicato Rural de Paragominas – PA, que saiu da lista de municípios com maior taxa de desmatamento para um projeto de Agropecuária Verde, financiado pelo Fundo Vale, que concilia a produção agrícola com a preservação das florestas.
As ferramentas tecnológicas de comunicação tiveram participação relevante nos debates. O jornalista André Trigueiro abordou as percepções ideológicas dos proprietários dos veículos de mídia, mais interessados no catastrofismo imobilizante da atuação pública coletiva que rende apelos comerciais aos seus produtos impressos. Criticou a incoerência entre os departamentos comerciais e editoriais de muitos jornais que por um lado anunciam carros cada dia mais poluidores e nas páginas informativas demonstram a necessidade de se reduzir a produção automobilística, sem estabelecer ligações entre eles.
O site Infoamazônia foi apresentado pelo Gustavo Faleiros com uma série abrangente de mapas geo-referenciados construídos com informações diretas de moradores da Amazônia legal e dados de órgãos oficiais como IBGE, PRODES, Ministério do Trabalho e Funai entre outros, possibilitando vislumbrarmos que o desmatamento para a produção agrícola em grande parte acontece com ataques aos direitos indígenas e muito trabalho escravo, além de poluir severamente as águas na maior bacia hidrográfica do planeta.
Cenário para COP em Paris 2015 e Lima 2014
A última palestra do evento uniu o Economista da USP Zé Eli da Veiga, o professor de Relações Internacionais da UNB Eduardo Viola e o Deputado Federal Alfredo Sirkis do PV-RJ para traçar prognósticos da negociação sobre um novo tratado global que substituirá o Protocolo de Kyoto que deu metas de redução de emissões apenas para os países desenvolvidos. Hoje a maior quantidade de emissões já vem dos países em desenvolvimento, que devem ser incluídos em metas menos ambiciosas mas igualmente vinculantes internacionalmente, para que não ultrapassemos o teto de 450 PPM de CO2 equivalente na atmosfera.
Alfredo Sirkis fez uma análise política profunda para sustentar sua tese de que a precificação do carbono no mercado mundial, seja por taxas comerciais nas transações entre países ou pela criação de um fundo global com uma espécie de moeda de carbono, poderia resolver uma boa parte dos problemas que hoje inviabilizam o acordo. Mas não acredita que o acordo aconteça tão cedo. Para ele deve se avançar em Lima no Peru o consenso sobre a precificação e o Brasil deveria assumir a dianteira desta proposição. Ele afirmou que vai solicitar a Presidente Dilma que, além disto, apresente metas de redução de emissões que vá além da mera redução da trajetória de desenvolvimento para uma efetiva proposta de descarbonização de economia brasileira no longo prazo, atrelando nossa contagem de carbono aos mesmos parâmetros dos países desenvolvidos para que nossa liderança se amplie para influenciar os grandes emissores como EUA e China. Prevendo o acordo que estes dois países assinaram esta semana, Sirkis propôs que acordos bilaterais sejam feito no âmbito do G20 para se completar o que falta para a meta de 2 graus ou 450 PPM.
Eduardo Viola avançou no pessimismo com forma de nos proteger da frustração. Ele salienta o perigo de se alimentar ilusões sobre o resultado em Paris que possa resultar no mesmo sentimento que se seguiu à Copenhague, reduzindo a atenção dos lideres globais ao tema nos próximos anos. Afirmou que as forças sociais comprometidas com a redução das emissões é mais importante do que um acordo forte pois a sociedade global pode pressionar para uma mudança de postura dos seus governantes que analisa serem predominantemente conservadoras neste tema. Das oito potências emissoras - Japão, Rússia, China, União Européia, EUA, Índia, Brasil e Koréia do Sul – apenas Índia e Rússia seguem ampliando suas emissões de forma descontrolada. Previu também a união entre China e EUA pela crescente interdependência das duas economias e pediu que o Brasil de retire dos G77 (países em desenvolvimento que abarca 132 nações) por serem dependentes do carbono, oposto do Brasil que pode avançar ainda mais em cadeias de transmissão de energia inteligente que reduziriam a necessidade de novas hidroelétricas na Amazônia e termoelétricas movidas à carvão.
Apesar de seguir no pessimismo sobre as condições do acordo em Paris, Zé Eli da Veiga vislumbra uma hipótese na observação histórica desde a Declaração de Estocolmo em 1972 e até bem antes disto. Ele analisa que não há nenhum interesse das economias desenvolvidas em reduzir suas emissões e que os objetivos comerciais sempre imperaram na abordagem dos acordos. Foi apenas na RIO 92 em que se inaugurou o debate sobre as responsabilidade comuns sobre o futuro o planeta que devem ser compartilhadas por todas as nações, abrindo espaço para que em Kyoto as metas de redução fossem traçadas apenas para as nações desenvolvidas e ainda assim engolidas pelos mecanismos de desenvolvimento limpo que não resolveram a questão. Este fato travou a discussão que segundo ele segue assim até o próximo ano. Para ele o G20 inclui todos os emissores e é nesse âmbito que devem ser articulados os acordos, acredita que o G77 deve ser poupado de metas mas defende que o Brasil saia do grupo para assumir a liderança como fez em Copenhague apresentando metas por pressão da sociedade civil organizada.
Esperança de mudança planetária
Eli da Veiga acredita que o líder político, como Al Gore, precisa ser um otimista, sob a pena de cair na depressão e imobilizar suas forças de ação, mas o analista deve sempre desconfiar do otimismo com fatos científicos para alertar a sociedade. Mas aponta uma fresta de esperança com uma analogia bem mais antiga do que os tratados na ONU. "A escravidão é um exemplo que devemos estudar profundamente, pois foi uma questão tão complexa quanto o desafio climático. Não foi por questões econômicas que ela acabou, mas chegou-se à um tempo em que foi inaceitável a prática da escravidão, apesar dos casos mostrado na Amazônia ainda hoje, e ela pode nos dar algum otimismo para lidar com este desafio climático. Se pudemos acabar com a escravidão, globalmente, poderemos resolver o desafio e manter o clima."
Por Gustavo Cruz