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Equipe da Funai participa de Aty Guassu em Dourados
Fotos: Mário Vilela / Funai
Durante todo o sábado, 27 de julho, os indígenas Guarani Kaiwa e Nhandeva do Mato Grosso do Sul, apoiados por outras etnias, puderam apresentar suas demandas à presidenta Maria Augusta Assirati, aos coordenadores regionais de Ponta Porã, de Dourados e de Campo Grande, e assessores da Funai, juntamente com o representante do Ministério Público Federal, Marco Antônio Delfino de Almeida.
O encontro foi durante a Aty Guassu, Grande Assembleia Guarani Kaiowá, na aldeia Jaguapiru, na Casa de Reza, próxima à casa do cacique Getúlio Juca de Oliveira.
Na pauta, a principal demanda apresentada foi a demarcação de terras, além de saúde, segurança pública e educação.
Para a presidenta da Funai, “existe uma situação histórica que precisa ser reparada”. Ainda segundo Maria Augusta, “é preciso que todos os órgãos públicos, sentem com os representantes indígenas e debatam, de forma harmônica, e propositiva, a pauta apresentada”.
Os índios dizem que não aguentam mais esperar pela demarcação das terras e prometem iniciar um processo de retomada a partir do dia 5 de agosto, caso o governo não apresente uma proposta de solução.
Segundo o representante dos Guarani Kaiowá, do tekoha guassu Mbrakay-Pyelito Kue, do município de Iguatemi-MS, eles hoje estão numa reserva de rio que é muito perigoso, “quando chove temos nossas casas arrastadas, por isso pedimos mais espaço para nossas crianças, adolescentes, adultos e idosos. Precisamos plantar e colher e fazer criações de animais”, falou o líder do grupo.
A data de 5 de agosto foi acordada pelo Governo, em reunião no último dia 20 de julho em Campo Grande, com representantes do governo estadual, dos poderes Legislativo e Judiciário, dos indígenas e produtores rurais, a fim de pactuar soluções para a regularização das terras indígenas no Mato Grosso do Sul.
Durante o encontro, o ministro Gilberto Carvalho anunciou a autorização da presidenta Dilma Rousseff para o pagamento de terras tituladas em áreas de conflito no estado.
Ficou acertado que até o dia 5 de agosto, deverá ser definido um calendário com as terras que serão objeto de encaminhamento e solução definitiva para os conflitos fundiários na região.
Esses esclarecimentos, quanto a questões de datas e definições, foram dados pelo procurador do Ministério Público Federal, Marco Antônio Delfino de Almeida, “não se trata de ter as terras já demarcadas no dia 5 de agosto, precisamos estar tranquilos para receber o calendário de trabalho”.
Na ocasião, os visitantes participaram de rezas e danças tradicionais dos Guarani Kaiowá. O evento foi marcado por fortes emoções. Muitos representantes indígenas lembraram a morte de parentes, que se foram lutando pelo direito à terra, a exemplo do terena Oziel Gabriel, morto em um confronto desencadeado durante a reintegração de posse da fazenda Buriti, município de Sidrolândia (a 70 quilômetros de Campo Grande).
Ainda durante o encontro, a presidenta da Funai recebeu cartas com pedidos de providências, dentre elas a dos Ñanderus e Ñadesys, rezadores e rezadoras Kaiowás.
A carta
Na carta os rezadores Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva dizem que não se chamam mais Ñanderu e Ñandesy, eles dizem que encontraram uma palavra antiga e agora são de novo Tekoa’ruvixa, aqueles que dão vida às crianças.
Os indígenas se dizem preocupados em não ver acontecer o sonho “de ao menos morrer na terra tradicional” deles. Segundo eles, para toda a cultura indígena continuar viva, é preciso garantir a posse plena das terras tradicionais, pois a vida do índio depende da terra.
Do texto de reivindicações Aty Guassu Ñanderu Mo Mbarete, dos Tekoa’ruvixa, lideranças, caciques, professores, agentes, representantes da saúde, jovens Guarani e Kaiwá, com participação de indígenas Terena e Kaingang, constam:
- A conclusão definitiva das demarcações de terras indígenas e indenização de benfeitorias para possuidores de boa-fé, desapropriação de áreas por interesse social, aquisição direta de terras; assentamento de pequenos proprietários rurais, transação judicial e indenização por ato ilícito do estado decorrente da titulação considerada posteriormente ilegítima;
- justiça nos casos de assassinatos de lideranças, professores e jovens indígenas no contexto dos conflitos e da falta de terra;
- garantia de medicamentos, médicos, veículos, combustível e todo equipamento necessário para que o atendimento à saúde, dado pela Sesai, possa acontecer nas aldeias e acampamentos Guarani e Kaiowá, e que todos os tekoha tenham um agente de saúde indígena;
- uma educação que respeite a organização indígena escolar, bem como a criação de núcleos de educação indígena ligados às secretarias municipais de educação, para que os indígenas estejam diretamente envolvidos na gestão da política de educação do município;
- segurança em todas as terras tradicionais.
Ao final do encontro a presidenta Maria Augusta agradeceu a acolhida carinhosa dos indígenas e reiterou o compromisso da Funai, “temos sempre em mente o compromisso da Funai, que é a promoção e a proteção dos direitos dos povos indígenas”.
Entenda o processo de demarcação de terras indígenas:
A Constituição Federal de 1988 reconhece aos povos indígenas os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As terras indígenas são propriedade da União e aos povos indígenas são assegurados a posse permanente e o usufruto exclusivo dos recursos naturais e demais riquezas existentes em seus limites.
Os estudos de identificação e delimitação de terras indígenas conduzidos pela Funai são fundamentados em estudos técnicos de caráter multidisciplinar, coordenados por antropólogo de qualificação reconhecida.
O processo está definido no
Decreto nº 1.775, de 8 de janeiro de 1996
e na
Portaria 14/96/MJ
, em conformidade com o
art. 231
da Constituição Federal; prevê a participação indígena e obedece aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, possibilitando que os interessados tenham acesso aos autos e apresentem contestações, bem como que os órgãos públicos prestem informações no âmbito de suas competências. Os entes federados (Municípios e Estados) também são intimados a conhecerem o processo e a participarem com informações fundiárias, nos termos da Portaria n.2498, de 31 de outubro de 2011.
As contestações dos interessados podem ser interpostas desde a constituição do Grupo Técnico responsável pelos estudos até 90 dias após a publicação do resumo do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do Estado em que se situa a terra indígena. Após análise técnico-administrativa e jurídica de todas as contestações, os estudos são encaminhados ao Ministério da Justiça, a quem cabe expedir a Portaria Declaratória dos limites da terra indígena.
As ações da Funai baseiam-se na legislação indigenista nacional, que está em consonância com leis e protocolos internacionais relativos a direitos humanos e direitos dos povos indígenas e reconhecem que, para além de uma questão fundiária, as terras indígenas são a base da sobrevivência física e cultural desses povos. A Constituição Federal determina à União o dever de demarcar e proteger as terras indígenas e reconhece as organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas (art.231). Além disso, traz como valor expresso a construção de uma sociedade democrática, justa, solidária e livre de discriminação racial (art.3).
O processo administrativo de demarcação de terras indígenas é composto pelas etapas de identificação e delimitação, declaração, demarcação física, homologação e registro, conforme especificado abaixo:
Entenda os termos:
Em estudo
– Fase de realização de estudos multidisciplinares de natureza antropológica, etno-histórica, ambiental, documental, fundiária e cartográfica, conduzidos pela Funai, cujos resultados fundamentam a identificação dos limites da terra indígena;
Delimitadas
– Terras cujos resultados dos estudos multidisciplinares foram publicados no Diário Oficial da União mediante despacho do Presidente da Funai.
Declaradas –
Terras com Portaria Declaratória expedida pelo Ministro da Justiça, que serão demarcadas fisicamente sob coordenação da Funai.
Homologadas
– Terras demarcadas cujo procedimento foi ratificado pelo Presidente da República.
Regularizadas
– Terras registradas em cartório em nome da União e também na Secretaria de Patrimônio da União.
Em alguns casos extraordinários, como de conflito interno ao grupo com cisões irreversíveis ou impactos diretos de grandes empreendimentos, mediante consentimento das comunidades, pode-se empregar o procedimento de eleição de área para desapropriação ou aquisição, a fim de se constituir uma
reserva indígena
, nos termos dos artigos 26 e 27 da
Lei nº 6.001
, de 19 de dezembro de 1973 (“Estatuto do Índio”).