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Representantes indígenas destacam experiências de gestão ambiental e territorial no Nordeste, Amazônia e Cerrado
As discussões promovidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) na Rio+20 destacaram, na tarde da última quinta-feira, 14, a gestão ambiental e territorial na visão dos povos indígenas. Foram discutidos planos de gestão que buscam orientar o uso do território e recursos naturais com o objetivo de atender às necessidades sociais, culturais e econômicas dos povos indígenas, assim como buscar soluções para conservar o meio ambiente possibilitando seu uso pelas gerações futuras. A apresentação contou com o relato de quatro experiências desenvolvidas conjuntamente pelas comunidades indígenas, Funai e entidades parceiras, que se encontram em diferentes fases de execução.
A povo Potiguara apresentou resultados do diagnóstico etnoambiental, desenvolvido a partir de 2010, na Paraíba, que resultou na formulação de etnomapas do território. Neles, foram reconhecidas atividades produtivas da região, identificados potenciais econômicos e apontadas as áreas cujas atividades são prejudiciais à perpetuação sociocultural do povo e ao meio ambiente. Uma das dificuldades relatadas como obstáculo a ser enfrentado é o cultivo da cana de açúcar. Segundo os indígenas, durante o processo de construção dos mapas, foi discutida a concepção de que a cana não é um cultivo adequado para a sobrevivência do povo por vários fatores como a contaminação do solo e rios, a necessidade de extensa área territorial para o plantio e, consequentemente, a diminuição de áreas que possibilitem atividades tradicionais como a caça e a pesca.
Para o cacique geral Sandro Potiguara, a experiência possibilitou ainda o resgate da história e tradição do povo. "A nossa história estava se acabando e com esse trabalho de construção dos mapas estamos recuperando nossa história, nossas tradições e isso é levado para a escola para ser contado aos nossos curumins", disse.
Para povo Pataxó, do sul da Bahia, que já consolidou um plano de gestão ambiental e territorial envolvendo as terras indígenas Barra Velha e Águas Belas, um desafio é identificar e implementar atividades produtivas que possam substituir o artesanato em madeira, responsável pela derrubada de árvores na região. Marcos Braz, indígena Pataxó e coordenador da Funai na CTL de Barra Velha, relatou a experiência vivenciada por indígenas da aldeia Boca da Mata, onde a maior parte da comunidade sobrevive deste tipo de artesanato. Lá está em execução um projeto de reflorestamento do Parque Monte Pascoal, que ocorre em parceria com uma ONG. Trabalhar com o reflorestamento tem sido uma alternativa ao indígenas que viviam do artesanato em madeira. O Plano de Gestão Ambiental e Territorial Indígena Pataxó está dividido em nove temas que abarcam as esferas sociais, econômicas e culturais do povo, resultado de um amplo processo de discussão e participação comunitária.
A exposição contou ainda com a apresentação das experiências de povos Timbira, do sul do Maranhão, leste do Pará e norte do Tocantins; e do Oiapoque, no Amapá. Os representantes Timbira destacaram a importância do mapeamento territorial na tarefa de identificar os recursos naturais e as potencialidades produtivas e sustentáveis da região, que é cercada pelo plantio de soja, eucalipto e criação de gado. As trocas de experiências resultantes do processo de construção de um plano de gestão possibilitaram aos indígenas descobrir nas árvores frutíferas uma solução produtiva para as comunidades. Dessa forma, abriram, por meio de uma associação criada em 1993, uma fábrica de polpas de frutos do cerrado. A ideia é gerar uma atividade produtiva explorando o que é natural da região, nesse caso, as frutas típicas como bacuri, buriti, bacaba, juçara (açai) e outras. Para Ivan Polcaté Canela, a maior preocupação é "divulgar a cultura indígena dos Timbira e o nosso bioma, que vem sendo muito impactado. Observamos isso e fizemos o levantamento das riquezas do Cerrado".
No Oiapoque, onde as terras indígenas Uaçá, Galibi e Juminã somam mais de 500 mil hectares, com um população estimada em sete mil indígenas, o Programa de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) foi baseado no documento intitulado Plano de Vida dos Povos e Organizações Indígenas do Oiapoque, elaborado em 2009. O PGTA foi construído por meio de oficinas ocorridas em 2010 e divide-se em três eixos temáticos: 1) Controle e Proteção Territorial; e 2) Formação para a Gestão Territorial e Ambiental; e 3) Manejo e Uso Sustentável dos Recursos Naturais. Durante o processo de elaboração foram identificados problemas socioambientais que têm impactado o modo de vida e o meio ambiente tais como retirada ilegal de recursos naturais (madeira, pesca e caça) nas terras indígenas, desgaste do solo e desmatamento nas nascentes dos rios (que se encontram fora das TIs) para abertura de roças e pastos.
Segundo Jaime Siqueira, coordenador nacional do Projeto GATI (Gestão Territorial e Ambiental Indígena), os PGTAs, dentre outras características, contribuem para valorizar o conhecimento dos povos indígenas sobre seus territórios, apoiar a transmissão de conhecimento entre gerações, auxiliar as reivindicações em defesa e proteção dos territórios e recursos naturais, apoiar demandas por demarcação e revisão de limites, fortalecer a organização indígena e articular a atuação do órgão indigenista e demais órgãos estatais nas terras indígenas. Ressaltou que para fortalecer a gestão indígena em seus territórios é preciso considerar como elementos essenciais o protagonismo indígena, a sustentabilidade, o estabelecimento de acordos internos e externos e a legalidade.
Durante o debate, também foi apresentada, pela representante do Ministério do Meio Ambiente, Andrea Oncala, a seleção de terras indígenas a serem contempladas pelo Edital Fundo Clima para elaboração de planos de gestão, sendo quatros TIs no Cerrado (Bakairi-MT, Lalima-MS, Pirakuá-MS e Xacriabá-MG) e quatro na Caatinga (Caiçara/Ilha de São Pedro-SE/AL, Corrégo João Pereira-CE, Entre Serras-PE e Kiriri-BA).
À noite, foi lançado o livro "Diálogos entre Estado e Povos Indígenas no Brasil: a participação indígena no processo de construção da PNGATI" e apresentado o portal Gestão Territorial de Terras Indígenas.
Projeto GATI
O Projeto Gestão Ambiental e Territorial Indígena (GATI), anteriormente denominado GEF Indígena, resulta de uma articulação entre Funai, Ministério do Meio Ambiente e o movimento indígena, iniciada em 2005 com a criação de um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de projeto que reconhecesse a importância das terras indígenas na conservação dos recursos naturais e biodiversidade. Em 2008, foram realizadas cinco consultas regionais aos povos indígenas que embasaram a proposta final e escolheram 32 terras indígenas que seriam "áreas de referência" do projeto.
O Projeto GATI atua por meio de três linhas: 1) o fortalecimento e a estruturação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de TIs; 2) a elaboração e implementação de Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) em TIs a fim de consolidar uma rede de experiências; e 3) o apoio a iniciativas de recuperação de áreas degradadas, sistemas agroflorestais, produção agroecológica e boas práticas de extrativismo nas áreas de referência.
Funai na Rio+20
As atividades paralelas da Funai na Rio+20 seguem nesta sexta-feira, 15, com paineis sobre "Etnodesenvolvimento Econômico e Segurança Alimentar e Nutricional" e "Programas de Compensação Socioambiental na Visão dos Povos Indígenas Waimiri-Atroari e Tapeba". Os debates seguem nos dias 19 e 21/6 (conferir programação), no Museu do Índio, localizado na rua das Palmeiras, 55, Botafogo, Rio de Janeiro.