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Nota sobre a questão fundiária no sul da Bahia: ocupação tradicional da terra indígena Caramuru/Paraguassu
Nota sobre a questão fundiária no sul da Bahia: ocupação tradicional da terra indígena Caramuru/Paraguassu
Os primeiros registros sobre os Pataxó na região remontam a 1651, o que não deixa dúvida sobre a presença histórica do grupo indígena na localidade. Durante as décadas de 1920 e 1930, reconhecendo a presença indígena na região, o Ministério da Guerra, em conjunto com o estado da Bahia, procedeu à delimitação da área indígena para fins de demarcação garantindo a ocupação Pataxó em área tradicional. No entanto, ao longo dos anos 1940, iniciou-se um processo de arrendamento da área para a população não indígena do entorno.
No contexto da expansão da ocupação de terras para a produção de cacau, o estado da Bahia, passou a titular indevidamente as terras de posse indígena, impedindo a demarcação da área então reconhecida aos indígenas. Em 1976 o governo do estado da Bahia expediu títulos de posse para diversos arrendatários da terra indígena Caramuru/Paraguassu, que resultou num processo de esbulho das terras indígenas, com registros de violência que marcaram a região com grandes conflitos agrários.
Deve-se ressaltar que, a partir da Constituição de 1988, foram reconhecidos através do artigo 231 os direitos dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais, sendo esses direitos originários, inalienáveis e imprescritíveis. Além disso, nossa carta magna prevê que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo de suas riquezas do solo, rios e lagos existentes, entendidos como imprescindíveis para sua reprodução física e cultural.
Como estratégia de garantia de posse sobre seu território tradicional e frente à espera de julgamento pelo STF da ação proposta ainda em 1982, os Pataxó Hã Hã Hãe passaram a ocupar, desde janeiro deste ano, áreas que se encontram no interior da terra indígena mas que ainda são exploradas por fazendeiros. A decisão de ocupação é tomada pelas comunidades indígenas e embasada em seus laços culturais e afetivos com suas terras, enquanto não se efetiva a plena proteção territorial a que fazem jus.
A ocupação de áreas tem se mostrado como uma estratégia para grupos que se encontram impedidos de gozarem de seus direitos territoriais, especialmente em áreas em que há grave ameaça à qualidade de vida dos indígenas e do meio ambiente de suas terras. Por ordem constitucional, é garantida a proteção das terras indígenas com condições ambientais e sociais mínimas para a manutenção dos modos de vida desses povos, segundo seus usos, costumes e tradições. Casos graves de violações de direitos humanos contra os indígenas vêm sendo registrados na área. Nesse sentido, é emblemática a morte do indígena José Reis Muniz de Andrade na localidade por omissão de socorro, no dia 23 de fevereiro deste ano, em função de um bloqueio realizado por pistoleiros. Em relatórios produzidos pela coordenação regional da Funai na localidade, são descritas ameaças sofridas não apenas pelos indígenas, mas também pelos próprios funcionários da Funai, demonstrando o clima tenso e de urgência para a pacificação dos conflitos.
Regularização Fundiária
A Terra Indígena Caramuru/Paraguassu passou por um processo singular de reconhecimento, que se iniciou ainda em 1926, pelo próprio estado da Bahia, através da criação de uma Reserva de 50 léguas quadradas, para o "gozo dos índios tupinambás e pataxó, ou outros que ali são habitantes". (Lei Estadual nº 1916/26)
A terra indígena encontra-se em processo de regularização fundiária e aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ação que discute a nulidade dos títulos nesta incidentes - ACO312/STF.
No curso do processo administrativo de regularização fundiária, amparado pelos procedimentos estabelecidos no Decreto 1775/96, a Funai já promoveu a retirada da terra indígena de 336 pequenos fazendeiros mediante pagamento de suas benfeitorias. Hoje a Funai aguarda o julgamento da ACO31/STF para dar continuidade ao procedimento de regularização fundiária, inclusive quanto à avaliação das benfeitorias de boa-fé dos ocupantes não-indígenas, tendo em vista que o primeiro voto proferido pelo então Ministro Relator Eros Grau julgou procedente o pedido da Funai e da União para declarar a nulidade de todos os títulos de propriedade cujas respectivas glebas estejam localizadas dentro da Terra Indígena Caramuru/Paraguassu.
ACO 312/STF
Na defesa dos direitos dos indígenas, em 1982 foi proposta pela Funai a ACO 312/STF, em trâmite no STF até o presente. Nessa ação, o órgão indigenista requereu a declaração de nulidade de todos os títulos de propriedade e registros imobiliários incidentes na área da Terra Indígena Caramuru/Paraguassu de forma a garantir a posse plena da área tradicional pelos Pataxó Hã Hã Hãe. Destaque-se que os laudos periciais que instruíram o processo da ACO 312/STF atestaram, de modo incontroverso, que a área da Reserva Indígena Caramuru/Paraguassu, correspondente a 54.000ha, é de ocupação tradicional dos indígenas Pataxó Hã Hã Hãe.
Após a votação ter sido adiada em função do falecimento do Ministro Menezes Direito e depois de petição do Estado da Bahia, em outubro de 2011, atualmente, a ACO 312 espera julgamento pelo STF. A Ministra Carmen Lucia, relatora do feito, solicitou a reinclusão em caráter de urgência do processo na pauta no dia 03 de abril deste ano, o que suscita grande expectativa pelo julgamento da matéria e resolução dos históricos conflitos agrários na região.