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Intercâmbio entre professores indígenas auxilia reformulação de proposta pedagógica de escolas Krahô e Xikrin
Professores indígenas dos povos Krahô, habitantes do nordeste do Tocantins, Xikrin, da região de Altamira/PA, Baniwa e Tukano, do Alto Rio Negro, foram contemplados com um projeto de intercâmbio, difusão cultural e troca de experiências em educação diferenciada. Realizado entre os dias 27 de abril e 13 de maio, o projeto "Novos olhares e perspectivas acerca da educação escolar indígena: um intercâmbio cultural entre os Krahô (TO) e os Xikrin (PA) nas escolas Baniwa e Tukano do Alto Rio Negro" teve por objetivo dar continuidade ao trabalho de reformulação das propostas pedagógicas das escolas dos povos Krahô e Xikrin.
O projeto é fruto de parceria entre o Ministério da Cultura, a Funai (por meio da Coordenação Geral de Educação-CGE e Coordenações Regionais de Palmas, Altamira e Rio Negro), grupo Koikwa e Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). A atividade consistiu em facilitar o intercâmbio de saberes e práticas com os professores das escolas indígenas Pamáali e Yepá Masã, localizadas nos rios Içana e Uaupés. As duas escolas funcionam de forma a valorizar os conhecimentos indígenas e o contexto de sua produção, e são totalmente geridas por profissionais indígenas.
Escola Indígena Baniwa e Coripaco Pamáali
A primeira visita feita pelos professores Krahô e Xikrin foi à escola Pamáali – dos povos Baniwa e Coripaco. Concebida ao final dos anos 90 e inaugurada em 2000, a escola foi pensada para funcionar de forma autônoma e autossustentável, contando com a parceria da Organização Indígena da Bacia do Içana, Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA) e da FOIRN.
A metodologia de ensino da escola é fundamentada em pesquisas, a partir do conhecimento tradicional: história de origem da humanidade do Povo Baniwa e Coripaco, conhecimentos da medicina, geografia, meio ambiente e manejo de recursos naturais, relacionando-os com os conhecimentos científicos acadêmicos ocidentais. O ensino é voltado para a formação profissionalizante dos jovens, visando torná-los capazes de atuar no futuro dentro de sua própria comunidade de origem. A escola Pamáali atende alunos da segunda parte do ensino fundamental (3º e 4º Ciclos- equivalente a 5ª a 8ª série), desde 2001. E o ensino Médio foi implantado em 2007, apenas reconhecido em 2009.
No encontro, os professores Krahô e Xikrin visitaram os setores produtivos da escola - trilhas para estudo e descrição de paisagens florestais, herbário vivo, viveiro de reprodução de essências florestais, áreas de experimentação de manejo agroflorestal e estação de criação e reprodução de espécies nativas de peixes e alevinos.
Também foi realizada uma oficina de troca de experiências entre os professores, alunos e o diretor da instituição, que socializaram sua metodologia de trabalho, organizada a partir de quatro eixos teóricos transversais a todas as disciplinas – política; direitos e movimentos indígenas; ética Baniwa; política e educação para a saúde e desenvolvimento sustentável.
Na oportunidade, os professores conheceram um pouco mais sobre o movimento indígena da região na década de 90, ocasião em que receberam apoio de organizações internacionais para efetivação de seu direito ao acesso a uma educação específica.
Escola Indígena Yepã Masã
A outra escola visitada foi a escola indígena Yepá Masã, no anexo da comunidade Matapi. Nos dois dias de visita, os professores Krahô, Xikrin, Tukano e Desano trocaram experiências sobre as práticas pedagógicas utilizadas em sala de aula, e sobre o movimento político de construção de um sistema de educação específico para as comunidades indígenas.
Os professores da escola fizeram um histórico da criação da Associação das Escolas Indígenas Tukano Yepá Masã (AITYM), relembrando o movimento que se iniciou em 2002, motivado pela preocupação com o esvaziamento das comunidades para os municípios, uma vez que as escolas do baixo Uaupés só continham a primeira fase do ensino fundamental.
Após quatro anos de discussões, a associação foi criada em 2005, com o objetivo de revitalizar as práticas culturais perdidas pela colonização dos missionários salesianos, e diferenciar os processos de aprendizagem. Segundo o professor Janilton Meireles Tukano, a aprendizagem ocorre via pesquisa, de forma a consolidar "um estudo atual, específico e científico, que valorize o espaço em que se encontra a comunidade, aproveitando o estudo para sua orientação política e auxílio na vida familiar". O professor informou ainda que antes do início das aulas são eleitos quatro temas para serem trabalhados bimestralmente e de forma multidisciplinar por etapas. Além do trabalho em sala de aula, os estudantes realizam pesquisas de campo em temas internos e interculturais.
A associação também conta com parceria do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) na articulação de cursos profissionalizantes que atendam às necessidades específicas das comunidades. No ano passado, a primeira turma de ensino médio integrado na modalidade Agente Técnico de Sustentabilidade Indígena foi formada e agora a associação está discutindo um novo projeto junto ao Instituto.
Na semana seguinte ao encontro, os professores dos cinco anexos da escola Yepá Masã (comunidades Kunuri, Tapira Ponta, Panoré, Santa Terezinha e Matapi) se reuniram em seminário para reformular o estatuto da associação e discutir o projeto político-pedagógico da escola, ainda em fase de construção participativa entre pais, alunos, professores, lideranças e instituições parceiras.
Além das duas escolas indígenas, os professores Krahô, Xikrin, servidores da Funai Palmas, Altamira e Rio Negro, e os pesquisadores do grupo Koikwa conheceram algumas escolas da cidade, como a sede do IFAM, onde visitaram os setores produtivos – piscicultura, avicultura e produção de hortaliças, plantas medicinais e ornamentais, a Escola Municipal Dom Miguel Alagna e a Escola Estadual Irmã Inês Penha. Diferentemente dos projetos encontrados nas aldeias, as escolas que funcionam na cidade de São Gabriel da Cachoeira, apesar do grande público indígena, ainda se submetem à metodologia de trabalho das escolas formais não-indígenas.
Todo o intercâmbio foi registrado pelo cinegrafista Krahô André Cunihtyc, que deverá produzir um vídeo para ser repassado na aldeia, para inspirar a comunidade a continuar o movimento pela reformulação da escola da aldeia Pedra Branca. A troca de experiências foi fundamental para que os professores indígenas tivessem contato com formas concretas de organização curricular e pedagógica diferenciadas.
Escola Agroambiental Caxêkwij
O histórico de articulação por um modelo de educação específica e diferenciada perpassa a atuação da Escola AgroAmbiental Caxêkwyj, iniciativa criada e organizada pelos Krahô no âmbito de sua Associação União das Aldeias Krahô-Kapej, contando com o apoio da Funai durante mais de 10 anos. A escola funcionou como um centro de formação de jovens educadores em técnicas agroflorestais e valorização dos conhecimentos tradicionais relacionados à agrobiodiversidade e à sustentabilidade, contando ainda com ampla parceria da Embrapa em processos de recuperação de diversas matrizes de sementes tradicionais.
Os educadores formados pela escola Caxêkwij instituíram, à época, núcleos da escola em oito aldeias, com a finalidade de multiplicar essas experiências e conhecimentos, e de aproximá-las das escolas formais. Atualmente, a escola Agroambiental Caxêkwij está em processo de rearticulação, tendo contado, no ano passado, com o apoio das Coordenações Gerais de Educação, Gestão Ambiental e de Etnodesenvolvimento da Funai para realização de duas reuniões para tratar tanto da reconstrução da escola quanto de uma proposta de projeto político-pedagógico específico e diferenciado para a escola formal da aldeia Pedra Branca, que está em amplo movimento de reivindicação de mudanças.
Tais atividades estão inseridas na linha de ação denominada Educação para a Sustentabilidade, coordenada pela CGE e articulada com outras Coordenações Gerais, cujo principal objetivo é apoiar e fomentar ações educativas não-escolares, que envolvam toda a comunidade, valorizando os processos educativos próprios, a cultura, a autonomia e a sustentabilidade dos povos indígenas.