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Índios Zoró (Pangyjej) apresentam alternativas de atividades econômicas com respeito ao meio ambiente
Povo que já trabalhou com exploração ilegal de madeira desenvolve projeto exemplar de etnodesenvolvimento, a partir da castanha do Brasil. Projeto foi apresentado no evento paralelo da Funai na Rio+20
Os Zoró, ou "Pangyjej", como gostam de ser chamados, vivem uma experiência de harmonia com o meio ambiente, recuperando sua cultura alimentar e práticas tradicionais. Tudo a partir de uma atividade que já conheciam, mas que precisava de aperfeiçoamento tecnológico para se tornar economicamente viável: a coleta de castanha do Brasil. O projeto que mudou a vida desse povo, que já esteve envolvido com madeireiros em busca de uma renda para suas famílias, foi apresentado na última sexta-feira, 15, durante o evento paralelo da Funai na Rio+20.
As discussões Etnodesenvolvimento Econômico e Segurança Alimentar e Nutricional foram conduzidas pela coordenadora-geral de Promoção ao Etnodesenvolvimento da Funai, Lylia Galetti. Segundo ela,para garantir a segurança alimentar dos povos indígenas, a Funai trabalha em parceria com outras instituições a fim de fortalecer as economias a partir da cultura e do conhecimento de cada povo. "Os projetos devem ser voltados para o autoconsumo, com capacidade de garantir o acesso à segurança alimentar das comunidades, mas também com possibilidade de atingir os mercados. A finalidade última é sustentabilidade e autonomia dos povos indígenas", explicou.
De acordo com ela, o grande desafio é o sedentarismo de populações indígenas que ficaram confinadas num pequeno espaço de terra. "Nesses casos, há mudanças nos sistemas alimentares, a partir das cestas alimentares, da alimentação escolar, e aparecem doenças tipicamente ocidentais, como obesidade, hipertensão, diabetes". Galetti disse que a Funai trabalha para que as políticas públicas atendam as necessidades dos povos indígenas de acordo com a suas especificidades, suas diferenças. "O ideal é não dependerem das cestas e nem das sementes da Funai ou de ferramentas de trabalho, mas recuperarem sua autonomia". Nesse sentido, as mulheres têm grande importância e devem ser valorizadas, disse. "Muitas vezes são elas as guardiães das sementes, são elas que cuidam da roça".
Fabiana Melo, coordenadora-geral de Promoção dos Direitos Sociais da Funai, acrescentou que a instituição trabalha, em parceria com outros órgãos, num plano nacional de segurança alimentar e nutricional com iniciativas específicas para os povos indígenas, com participação dos indígenas. Para isso, vem apoiando o fortalecimento do protagonismo indígena e a ampliação de sua participação. Uma dessas participações se dá por meio da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), que tem representações indígneas de várias regiões do país e de diversos orgãos que trabalham com o tema. Além disso, a Funai implantou recentemente, os comitês regionais, por meio do qual os indígenas participam da gestão dos projetos da instituição.
Projeto do povo Zoró
A decisão de trabalhar com a castanha, uma atividade tradicional que possibilita a manutenção de seus costumes, surgiu quando os caciques Zoró perceberam as consequências negativas da exploração ilegal de madeira, como desorganização interna das aldeias e doenças levadas pelos hábitos dos "brancos". "Os caciques cansaram de ver esses problemas e resolveram parar com isso, porque estava acabando com nossa terra e com as novas gerações, com o nosso futuro", conta Tiago Pangyjej, vice-presidente da Associação do Povo Indígena Zoró (Apiz).
Era preciso, no entanto, descobrir como tornar a atividade economicamente viável para a população de 650 pessoas da Terra Indígena Zoró, no estado do Mato Grosso, cercada por ameaças de desmatamento. "O índio não é mais como 500 anos atrás", explica, "já domina as coisas da sociedade branca. Foi aí que pensamos onde íamos conseguir dinheiro para comprar as coisas que precisamos na aldeia". Através da Apiz, o povo se organizou, fez alianças para encontrar soluções para a geração de renda e, ao mesmo tempo, proteger o território.
A Associação logo conseguiu parceiros e realizou o Programa Integrado da Castanha (PIC), de boas práticas de coleta, armazenamento e comercialização. O programa teve o patrocínio da Petrobrás e foi executado pelo Pnud, governo de Mato Grosso, APIZ e União dos Povos da Floresta para Proteção dos Rios Juruena e Aripuanã (STR de Aripuanã), com apoio da Global Evironmente Facility (GEF) e Ministério do Ddesenvolvimento Agrário (MDA).
A atividade da castanha é uma grande aliada do monitoramento territorial e da preservação do meio ambiente. Os coletores precisam circular por toda a terra em busca dos castanhais e, nesse caminho, verificam toda a extensão da terra, contribuindo para a fiscalização dos limites, a partir de um planejamento elaborado com a Funai.
Hoje, os Zoró têm uma castanha certificada, com processo de secagem moderno, qualidade para exportação e se articula com povos vizinhos a fim de aumentar a produção, tamanha a procura pelo produto. A safra dos Zoró este ano foi de 133 toneladas. Outros povos da vizinhança produziram 35 toneladas, para serem comercializadas em conjunto.
Os indígenas aprenderam sobre formação de estoque e têm a garantia do preço. "Tempos atrás o povo trabalhava com a castanha, mas de forma individual. Tinha muitos atravessadores que às vezes levava pouco e com preço baixo. Alguns castanheiros não conseguiam vender e a castanha acabava estragando. O projeto com a Conab trouxe garantia de venda da castanha com preço justo", explicou Tiago.
O programa da Conab a que Tiago se refere é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que garante o preço até o final da safra. A estocagem correta para que a castanha não estragasse e a garantia de venda e preço equilibrou o mercado da região, valorizando, inclusive, a castanha dos povos vizinhos.
Segundo Tiago, outro projeto da Conab que está mudando a vida dos Zoró, contribuindo para a segurança alimentar e para a saúde das crianças indígenas, é o projeto de doação simultânea – onde as famílias vendem os alimentos tradicionais para a merenda escolar. "Foi uma conquista muito importante. Antes as escolas recebiam alimentos industrializados, que traziam doenças. Para acabar com isso, a Apiz conseguiu esse projeto para a escola". Principalmente as mulheres trabalham com alimentos tradicionais, explicou, e isso ajuda a fortalecer a cultura. "A criança já vai aprender a comer alimento da própria cultura, se começar comendo bolachinhas, vai aprender isso e vai ficar doente", avalia.
A programação paralela da Funai na Rio+20 continua nesta terça-feira, 19, no Museu do Índio, às 14h, com debate sobre o tema Povos Indígenas e Serviços Ambientais. Será discutido o papel ambiental das terras indígenas que, por sua natureza, freiam o avanço do desmatamento em regiões críticas e demonstram outros modelos de ocupação territorial e de desenvolvimento socioeconômico. Contribuem, assim, para a conservação ambiental e o equilíbrio dos ecossistemas.
Na quinta-feira, 21, serão realizadas as mesas Política de Proteção de Terras Indígenas, de 9 às 12h, e Mesa de Diálogos: TIs Marãiwatsédé/MT e Cachoeira Seca/PA, de 14 às 17h.