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Povos indígenas discutem a implementação de políticas em curto, médio e longo prazo
Reverter um quadro do passado e compartilhar idéias em parcerias para melhorar a qualidade de vida dos povos do Oiapoque. Esta ação, que acontece entre os dias 27 e 28 de agosto, em Macapá/AP, é o resultado de um longo processo de discussão nas principais aldeias das três Terras Indígenas do Oiapoque/AP.
Entre os meses de setembro e novembro de 2008 foram realizadas cinco oficinas que contaram com a participação de aproximadamente 260 indígenas. Em fevereiro de 2009, em uma assembléia geral, os povos do Oiapoque legitimaram os futuros passos para a implementação do Plano de Vida, que tem como eixos principais saúde; educação; produção e outras atividades; território e meio ambiente; cultura e movimento indígena.
teste Estela Oliveira discursa na abertura do encontro
A idéia é que as ações comecem no início de 2010, explica a administradora da Funai no Oiapoque, Estela Maria dos Santos Oliveira, indígena da etnia Karipuna. Para ela, é fundamental buscar mais parcerias para junto das instâncias governamentais (estadual e municipal). Participam do Plano de Vida, além da Funai, o governo do estado, Iepé, GTZ e TNC.
Localizado ao norte do estado do Amapá, o município do Oiapoque conta, atualmente, com seis mil indígenas das etnias Galibi Kali'nã, Palikur, Galibi Marwono e Karipuna, divididos em três Terras Indígenas (TI): Uaçá, Galibi e e Juminã. Dentro desta realidade, cada povo mantém uma identidade própria, historicamente construída, onde eles controlam grande rios e adjacências e apresentam uma característica política e religiosa específica. As três T.I's estão todas demarcadas e homologadas e formam uma área contínua de quase 600 mil hectares, com 37 aldeias. A região é de savana, campos alagados e florestas entrecortadas por rios, igarapés e lagos. Os indígenas utilizam e exploram esses recursos naturais, alimentando-se, basicamente, de peixe, caça, farinha de mandioca e frutas.
Além de fazer parte da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, a região está passando por um processo de transformação com três grandes empreendimentos que podem trazer impactos diretos e indiretos a essas comunidades: o asfaltamento da BR-156, a construção de uma ponte binacional sobre o Rio Oiapoque e a construção de uma linha de transmissão de energia elétrica. Os projetos de infraestrutura podem alterar o cenário dos povos Galibi Kali'na, Palikur, Galibi Marwono e Karipuna, conforme explica o coordenador indígena do Comitê Gestor, Domingos Santa Rosa: "os impactos também são positivos, mas é preciso que os povos estejam mais unidos ainda para fazer garantir os direitos que estão estabelecidos nas legislações nacionais e internacionais."
Criado em 2008, o comitê conta com 12 membros indígenas e representantes dos governos federal e estadual, para acompanhar e controlar as ações mitigatórias e compensatórias. Da etnia Galibi Marwono, Santa Rosa conta como os povos do Oiapoque se organizaram, ao longo de pelo menos 30 anos, para ter seus direitos culturais e constitucionais garantidos.
FUNAI: Quando e como iniciou o processo de organização dos povos do Oiapoque?
teste Domingos Santa Rosa
Domingos: Nos anos 1970 os caciques criaram uma organização e começaram a fazer assembléias anualmente. Ali eles se reuniam e convidavam representantes de outras organizações do estado e de outras regiões de fora do estado. Logo depois veio a necessidade de pressionar para concretizar a demarcação e homologação da terra e, também, para que os povos do Oiapoque tivessem mais representatividade para fora do estado porque alguns anos atrás éramos esquecidos aqui, no extremo norte do Brasil. Tínhamos, então, uma necessidade de ter representatividade para divulgar que existiam índios no estado do Amapá. Daí foram criadas as organizações indígenas. A primeira, em 1992 foi a APIO (Associação dos Povos Indígenas do Oiapoque), depois, em 2002, a AGM (Associação Galibi Marworno), em 2005 foi criada a OPIMO (Organização dos Professores Indígenas do Município do Oiapoque) e, em 2006, a AMIM (Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão). Independente dessas organizações tem também o Comitê Gestor que trata diretamente sobre a questão da BR 156 para intermediar as discussões, apresentar sugestões e levar informação para dentro da terra indígena. Esse é o movimento. Isso nos fortalece por que nós sempre tivemos um diálogo aprofundado com o governo do estado, com a Funai, com a prefeitura, com a Polícia Federal, com o Ministério Público. Atualmente, discutimos os nossos problemas e eles sempre nos ouvem. Mas para que a gente seja respeitado, temos que nos unir. Eu sei que todo o povo indígena tem as suas divergências internas, cada um tem os seus inter
'esses, mas na hora de defender os direitos em nível geral é preciso largar nossos caprichos de lado e falar uma única língua que se transforme num único corpo para defender os direitos.
FUNAI: Qual o impacto que os empreendimentos trarão para os povos do Oiapoque e como estão sendo trabalhadas as medidas mitigatórias e compensatórias?
Domingos: Nos anos de 1972 a 1975, quando o governo começou a negociar com as antigas lideranças a passagem da BR, houve um pouco de resistência por parte dos caciques. Só que naquele momento era um regime totalmente voltado para o interesse da nação onde, muitas vezes, a voz do movimento popular não era atendida. Foi então que eles (governos) conseguiram conquistar o pensamento das antigas lideranças, com troca de pouca coisa, e conseguiram desenvolver uma política para fazer passar a estrada. Naquele momento não existia uma visão de futuro, os nossos representantes na época não enxergavam certos impactos que esses empreendimentos iriam causar 15 anos depois. Com o passar do tempo começamos a sofrer os impactos que eram pequenas invasões, como a pressão de pescadores e caçadores para entrar na T.I., interesse de outras pessoas para se apropriar da política partidária. Aí os povos indígenas começaram a se esclarecer, a se informar, a se formar e montar estratégias para superar esses momentos de impactos culturais e ambientais. Quando foi o ano de 2003 percebemos que o empreendimento não vinha somente para desenvolver a região, mas também vinha causar vários impactos para várias comunidades tradicionais e povos indígenas. A partir deste momento começamos a nos alertar buscando parcerias, promovendo discussões e avaliações nas assembléias gerais. Nós também precisamos desses empreendimentos, tem comunidades, famílias e população que precisam de desenvolvimento. Também precisamos desses empreendimentos, queremos que sejam implantandos, mas que garantam todo o direito que adquirimos ao longo dos anos que é a Constituição Federal, a OIT, a declaração universal dos direitos humanos da ONU. A própria legislação ambiental diz que todo o empreendimento que atinge uma T.I, é passível de compensação e também de mitigação. E é nesse pensamento que estamos lutando, dizendo que não queremos atrapalhar o progresso e o desenvolvimento, mas queremos que seja cumprido o que foi garantido.
FUNAI: Como vocês pensam o futuro para vocês?
Domingos: Pensamos muito na existência dos povos indígenas porque se não tiver um planejamento, uma cultura viva, se não tiver a sustentabilidade e a garantia dos povos indígenas fica difícil a nossa existência. Por isso trabalhamos na formação e capacitação dos indígenas em diversas áreas: educação, saúde, cultura. Hoje temos 127 professores indígenas trabalhando dentro das Terras Indígenas, são quase 20 se formando em nível superior. Esse ano 60 alunos estão estudando na universidade e para o ano que vem teremos 90 cursando licenciatura em educação indígena.
Nós, aqui no Oiapoque, pensamos capacitando e formando indígenas, para que nós mesmos possamos gerir os recursos e riquezas: o território indígena que é composto pelas três Terras Indígenas do Oiapoque, totalizando quase 600 mil hectares, onde existe uma diversidade de culturas, de fauna e flora, uma abundância muito grande de recursos hídricos. Tudo isso tem que ser gerenciado pelos próprios índios para que a gente tenha um futuro muito bom e adequado para a nossa existência.