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Entrevista com o Secretário de Educação do Estado do Mato Grosso, Ságuas Moraes Sousa (2)
De 07 a 12 de junho, representantes das 15 etnias do Parque Indígena do Xingu/MT, professores indígenas e delegados eleitos nas conferências locais de educação, discutem políticas públicas para a educação escolar indígena, como o direito à educação diferenciada, transporte, merenda, livros didáticos e políticas pedagógicos. Com cada cultura e conhecimento tradicional diferentes uns dos outros, a implantação uma educação escolar diferenciada é um desafio.
Presente na mesa de debates nos dois primeiros dias da conferência regional de educação, no Posto Indígena Pavuru/Médio Xingu, o Secretário da Secretaria de Educação do Estado do Mato Grosso (Seduc), Ságuas Moraes Sousa, concedeu nesta quarta-feira (09/06/06) uma entrevista exclusiva à Funai para falar sobre a educação escolar dos indígenas do Mato Grosso. Antes de ser secretário da educação, Ságuas foi prefeito de Juina (1996 a 2000) e Deputado Estadual (2002 a 2008). Com pelo menos 12 anos de experiência trabalhando com os povos indígenas do Mato Grosso, Ságuas diz que toda a aldeia que visita vira uma plenária de discussão dos problemas da comunidade. E isso aumentou depois que entrou na Seduc, em maio de 2007. "Quando um secretário vai visitar uma aldeia pode estar preparado por que vai reunir no mínimo umas 100 pessoas para discutir. E é uma sabatina prolongada", destaca Ságuas Moraes Sousa.
FUNAI - Secretário, com uma diversidade tão grande entre os povos indígenas, em um estado que possui três biomas (cerrado, floresta amazônica e pantanal), como a Seduc vê e faz o trabalho de educação escolar dos povos indígenas no Mato Grosso?
SÁGUAS: Associado, ainda, temos um território que é muito grande. No Mato Grosso são 900 mil Km. Temos procurado, através da nossa equipe de educação indígena, que foi ampliada a partir da minha entrada na secretaria, em maio de 2007, trabalhar em conjunto com o movimento indígena e com o Conselho de Educação Indígena, que já existe no estado há algum tempo. Como a Seduc há muitos anos vem trabalhando com essa questão da educação indígena, aos poucos estamos ampliando o atendimento. Depois que assumimos a Seduc, temos procurado melhorar a rede física das escolas. Dois anos atrás tínhamos 42 escolas estaduais indígenas e assumimos um compromisso, no Conselho de Educação Indígena, que tem a representatividade de todos os povos, que nós iríamos reformar a metade das escolas naquele ano (2007) e no ano seguinte (2008) reformaríamos outras escolas. Mas o ano passado, por conta dessas ações de melhoria do atendimento de educação indígena, não só através da reforma das escolas, mas da contratação dos professores indígenas, do concurso que foi realizado para 100 professores indígenas, do atendimento com diárias e combustíveis para deslocamento de diretores e coordenadores de escola, eles se sentiram mais amparados na Seduc e existe uma procura muito grande para o Mato Grosso estadualizar as escolas. Hoje temos mais de 60 escolas, em torno de 62 escolas indígenas, e, numa parceria com o Ministério da Educação (MEC), conseguimos um recurso ano passado de R$ 10 milhões e já licitamos as escolas. A licitação foi questionada (no TCU), e tivemos que cancelar. Já estamos fazendo um novo processo para que possamos atender 100% das escolas estaduais indígenas, com salas construídas em alvenaria. E, para acontecer esse trabalho, a nossa equipe viajou quase todo o ano passado (2008), visitando aldeia por aldeia, escola por escola, para fazer a discussão com a comunidade, registrando em ata a discussão e a decisão tomada para que pudesse, de fato, atender as demandas solicitadas pelas comunidades indígenas. Então, nós deveremos ter nesses próximos dias (junho de 2009) o início de recuperação e de construção de 100% das escolas estaduais indígenas.
FUNAI: Quantos servidores a Seduc têm para atender os povos indígenas do estado e qual o orçamento destinado para a educação escolar indígena? Hoje (09/06/09) as lideranças fizeram várias queixas sobre a falta de interlocução com os órgãos institucionais ...
SÁGUAS – A equipe não é muito grande, não. Varia de 10 a 12 pessoas, tem momentos que tem 15, outros 12 porque tem uma certa rotatividade. A equipe é insuficiente para atender toda a nossa demanda por que na verdade não é só visitar. É discutir o projeto da escola com a comunidade. E aí é uma tarefa que nós (Seduc) sozinhos e nem os municípios conseguiremos dar conta de fazer, e ontem nós debatemos isso aqui na conferência. Nós precisamos de alguns parceiros. A Funai é um parceiro importante que em todas as formações, os eventos que realizamos, tem sido um parceiro importante nessa questão da logística, de fazer com que nossos eventos possam acontecer. Nós temos que buscar outras parcerias para formação de professores, em várias comunidades, como aqui no Xingu, o ISA (instituto Sócio Ambiental) tem um trabalho que há anos vem realizando. Nossa equipe, ela dá conta de fazer a gestão de política de educação indígena, de realizar o monitoramento, de visitar um atendimento pontual. No entanto, no dia a dia, precisamos de pessoas nas aldeias para trabalhar a formação continuada, a questão da formação inicial, quando a gente estabelecer a formação inicial, é importante que tenha alguém fazendo esse monitoramento. Nós temos o projeto Haiyô (formação para magistério indígena) que tem as etapas presenciais, mas tem etapas que acontecem nas áreas, dentro das escolas. Então, se a gente não tiver algumas pessoas para fazer esse trabalho lá na ponta, as atividades ficarão prejudicadas. Por isso, nesse sentido, começamos agora a buscar parcerias com outras entidades para fortalecer esse trabalho e dar mais qualidade à formação de professores que tanto a gente precisa na educação indígena.
FUNAI – E o orçamento?
SÁGUAS – O orçamento eu não tenho de cabeça aqui. Mas o orçamento não é problema para nós até porque tudo o que é estabelecido e discutido com as comunidades indígenas a Seduc tem resolvido. Por exemplo, um dos grandes problemas que tínhamos era a questão da rede física: foi resolvido metade do problema em 2007. Porém, aumentou o número de escolas e, consequentemente, a necessidade de atendimento. Mas temos esse recurso do MEC, de R$ 10 milhões, com uma contrapartida do estado, que vai dar conta de resolver 100% da rede física das escolas estaduais. Para a formação de professores nós temos o projeto Haiyô, que se encerra no próximo ano (2010), e que também não temos limitação de recurso para o atendimento desse projeto. Se temos alguma dificuldade no atendimento, algum problema, alguma etapa que não aconteceu, e desde que eu assumi tem acontecido todas as etapas, não é por falta de recursos. Até porque nós temos definido que não é para ter falta de recurso para atendimento dessas demandas.
E principalmente por que a partir do momento que eu entrei na Seduc temos um orçamento grande e a gente percebe que, para atender as escolas estaduais indígenas, atender a demanda de formação de professores, é um orçamento bem pequeno diante do orçamento da secretaria. Então, a gente não tem colocado a questão do orçamento como limitador para que as ações possam acontecer. Também já tivemos dificuldades de implementar determinadas ações, ou por uma questão burocrática, pela burocracia em si, como é o caso do Projeto Mebengokrë, que a gente recebeu um recurso do MEC para fazer a parceria e, conforme a parceria, não era o desejo da comunidade que acontecesse da forma como está prevista na legislação e nós estamos com dificuldades de fazer isso acontecer. Então nós temos mais problemas burocráticos e de pessoal, até muitas vezes com qualificação adequada para desenvolver determinada atividade, que muitas vezes emperram o andamento numa velocidade maior. Obviamente que recurso sempre é um limitador para qualquer ação, em qualquer secretaria, em qualquer governo, mas pela quantidade de atendimento das secretarias estaduais, eu vejo que nós não temos muitos problemas na área orçamentária.
FUNAI – Como o senhor consegue implantar a educação diferenciada com a diversidade cultural dos povos indígenas? Vocês têm, por exemplo, os Enawenê Nawê, 14 etnias dentro do Parque Indígena do Xingu, Xavante, Rikbatsa ...
SÁGUAS – Na verdade essa é uma discussão bastante complexa, pois o que eu penso e o que a equipe da Seduc pensa, muitas vezes pela questão da legalidade, como ela está estabelecida, por não observar as especificidades e a diversidade dos povos indígenas, impede de desenvolvermos algumas ações, como a questão da merenda escolar, da matriz curricular que deveria ser adequada para cada povo indígena. Seria importante que se fortalecessem as oficinas locais para que, além da produção do material didático, eles pudessem também discutir a matriz curricular, ter um currículo adaptado com os seus costumes, com suas tradições, onde um ano letivo poderia durar um ano e meio, dois anos ou seis meses. Nós temos várias possibilidades que devem ser consideradas. Então eu acredito que o MEC tem a consciência dessa necessidade e quando da etapa nacional da conferência de educação indígena, espero que a gente possa deixar amarrado isso bem como deixar definido que a matriz curricular, que o material didático tem que ser produzido a partir das escolas, sob orientação, obviamente, de forma que não possa ficar deficiente. Mas eu tenho certeza que com o acúmulo que os povos indígenas do Mato Grosso já têm até esse momento, com certeza será uma matriz curricular muito completa, muito boa e atendendo a necessidade de formação desses povos porque na verdade a educação passa a existir para a formação, para gerar conhecimento nas comunidades. E os povos indígenas têm conhecimento e sabedoria suficiente para saber os destinos que eles pretendem e é de fundamental importância que toda a escolaridade possa acontecer a partir da sua própria cultura, dentro das suas tradições, da sua religiosidade.
FUNAI – O ano de 2010 é de eleições e tudo fica mais complexo. O resultado da conferência nacional, que acontece em setembro, a implementação das políticas públicas, o orçamento, todo esse diálogo que o estado do Mato Grosso tem com os povos indígenas, o senhor acredita que eles serão concretizados?
SÁGUAS – O MEC tomou algumas decisões que têm gerado insatisfação nas comunidades indígenas como, por exemplo, já ter publicado o decreto da territorialidade (Decreto 6861/09). A conferência, no primeiro momento foi pensada que poderia ocorrer ano que vem, mas o MEC, justamente com essa preocupação de que o ano de 2010 é eleitoral, e que tudo que fosse discutido pudesse se perder e não ter a garantia da implementação, até por que são poucos governos que compreendem a questão indígena como um direito dos povos, tenha atropelado (a publicação do decreto) para ter a garantia que algumas coisas ficassem amarradas.
Eu acredito que esse decreto da territorialidade que está sendo contestado, eu tenho alguns questionamentos da forma como foi realizada, tem a compreensão de que algo deve ser feito e que do jeito que está não pode ficar. E essa alguma coisa, lendo o decreto, observa-se que tudo o que está sendo discutido como ansiedade das comunidades está relatada naquele documento. Obviamente ele carece de algumas melhorias e correções, mas eu creio que esse decreto balizará o que o MEC vai apontar no próximo orçamento. Eu acredito que ao final da conferência nacional (segunda quinzena de setembro de 2009), passados alguns dias o MEC terá uma idéia pelo menos das principais ações que devem ficar amarradas em documentos para que o próximo governo que entrar, após o governo Lula, não possa recuar dessas propostas que foram levantadas. Obviamente que aí teremos várias outras possibilidades e necessidades de melhorias do que está no documento e também de políticas públicas. Até porque, na verdade, o que está no decreto já é garantido por lei. Tudo isso está disperso por aí, ninguém tem cumprido muito o que determina a lei e acho que esse decreto regulamenta, faz uma síntese de tudo o que tem na legislação.
FUNAI – O estado do Mato Grosso concorda com esse decreto?
SÁGUAS – Pois é, como eu disse nós temos alguns questionamentos e a gente vai estar fazendo de tudo para que todas essas demandas levantadas pelas comunidades indígenas e a conferência, na verdade é um momento que a gente reúne todos mas não tem uma reivindicação dessas que tenha chegado para a gente pela Seduc e a gente já tem tido essa preocupação de fazer com que isso possa acontecer, obviamente a gente tem algumas ações que tem que ter a parceria do MEC ou doas municípios. Isso tudo somado, e a conferência aponta para isso, e aí você tem uma legislação que diz olha: a União, o estado e município dentro do regime de colaboração terão que cumprir com essas ações porque eu, como secretário de estado de educação poderia ficar contente já que as escolas estaduais daqui uns seis, um ano estão todas resolvidas, os professores contratados, concluindo o curso de formação, iniciando outro ... mas e as escolas municipais? Então nós também de uma certa forma temos a responsabilidade sobre as escolas municipais. Então é importante que nesse decreto aí já inclui o município e já assume a responsabilidade com os municípios, até que o PAR (Plano de Ações Articuladas) de Educação Indígena do estado e dos municípios já está pronto também, de uma certa forma ele contempla, mas um decreto resume mais as ações e dá mais visibilidade àquelas ações no sentido de obrigar cada ente da federação a assumir seu papel e a cumprir com suas obrigações. Eu acredito que o decreto é um instrumento importante, é de fundamental importância que a gente tenha esse decreto, e as correções que tiver que fazer se possa fazer ao longo do tempo. Sempre ressaltando que deveria ter sido mais discutido mas infelizmente por conta do término desse governo e a preocupação do MEC e efetivamente fazer com que essas ações possam acontecer, é que tem levado a tomada dessas atitudes de decreto sair exatamente no meio dessa discussão, em que poderia estar contribuindo mais. Mas obviamente que o decreto também permite você fazer correções dele pela frente, ele pode ser corrigido, ele pode ser editado, pode ser mudado o artigo ... eu acho que está sendo um problema bom colocado no debate.
FUNAI – Então, o estado do Mato Grosso, independente de campanha, de eleição, vai conseguir fazer cumprir com as deliberações da conferência?
SÁGUAS – O que a gente puder deixar já definido em orçamento, e você sabe que o orçamento não necessariamente poderá ser cumprido conforme o aprovado, mas o que a gente puder fazer e deixar para a equipe de saúde, da educação, assim que a gente sair do governo, para que o próximo possa dar continuidade. Mas o Mato Grosso é um dos estados mais avançados na questão da educação indígena. Foi o primeiro estado que iniciou o 3º grau indígena, ainda na gestão passada. Nós temos muitas políticas que estão estabelecidas também de governos passados e agora o governo está incrementando outras ações dentro da política de educação indígena. Eu acredito que o Mato Grosso, até pela organização dos povos indígenas, não tem mais recuo. Acho que a tendência é avançar cada vez mais. Mas o que a gente puder deixar amarrado no sentido de avançar ainda mais será interessante. E no que depender de mim, o que eu puder deixar amarrado dentro da estrutura da Seduc para avançar cada vez mais, nós faremos.