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A “Ópera Beijing” Tikuna
Foi realizado, na Terra Indígena Belém do Solimões, Amazonas, entre os dia 1º e 4 de maio, o II Festival de Música Indígena Tikuna, que teve, nessa edição, a participação de índios das etnias Kokama e Kanamari. Ao ar livre, quarenta e cinco grupos indígenas apresentaram suas músicas e danças, realçando a beleza e a riqueza da sua cultura. Os cenários móveis, os figurinos e adereços eram confeccionados com produtos exclusivos da floresta, como a palmeira Manicária, existente nas várzeas da Amazônia, e o Tururi, material extraído da árvore Ubuçu, que é transformado em tecido semelhante ao algodão cru.
As músicas são marcadas pelo ritmo de tambores e diversas flautas, ora como se fossem libretos - textos teatrais, ora recitadas - parte em que o intérprete faz um meio termo, entre o cantar e o recitar. Os cantores, com suas caras pintadas, lembravam, nos primeiros momentos, os "jing" e os "chou", personagens cômicos da Ópera de Beijing. A contribuir para a verossimilhança, o canto das mulheres, que variavam do "suave baixo" ao "grave alto", com notas agudas, como na Ópera Chinesa.
Mas o Festival não foi apenas música. Foi, também, a oportunidade para que os Tikuna voltassem celebrar o "Ritual da Moça Nova", esquecido por longos anos, em decorrência da repressão promovida, especialmente pela igrejas evangélicas, que atuavam naquela comunidade. Achavam aqueles missionários, que a fantasia do "Oma", macaco de pênis alongado que, para aquela comunidade, representa a força dos ventos, era uma expressão imoral. Para Pedro Inácio, membro permanente do Conselho-Geral de Caciques Tikuna, os tempos mudaram: "Hoje estamos aqui, expressando a nossa cultura, em uma festa promovida pela Igreja Católica, sem nenhuma repressão".
Há três anos trabalhando na Comunidade Belém de Solimões, o Frei Paolo, incentivador das tradições daqueles povos indígenas, criou, naquela comunidade, uma escola de música, como forma de prevenir o uso do álcool, largamente disseminados pelos "patrões", entre os indígenas que trabalhavam nas usinas alcooleiras ali instaladas, como forma de manter o controle sobre os mesmos. Tal procedimento foi relatado, na década de 50, pelo etnólogo alemão, Kurt Nimuendaju, que morou com aqueles índios, durante alguns anos.
O sucesso do Festival, de acordo com Pedro Inácio é fruto do trabalho do Frei Paolo junto à comunidade Tikuna. Prova foi o comparecimento de comunidades distantes, que enfrentaram distâncias de até 12 horas de viagem, via fluvial, para participar do evento. Para ele, o intercâmbio durante o Festival, mais que tudo, representa o fortalecimento da cultura. "Esse festival é muito importante para os jovens, que já não são criados dentro da nossa cultura, e também para aqueles que já esqueceram dela", afirmou o cacique.
Ao final de quatro dias de Festival, foram anunciados os vencedores. Em primeiro lugar, o grupo da Comunidade São Francisco de Assis, seguidos pela Comunidade de Ourique e Comunidade Ene'pu, campeã do festival do ano anterior. Foram premiados também, o melhor arranjo musical, o melhor intérprete e o melhor figurino, que ficaram, respectivamente, para a Comunidade Umariaçu II, Comunidade Emaú e Comunidade Cajari. O Festival teve o apoio da Fundação Nacional do Índio e do Governo do Amazonas.