Roberto Costa de Abreu Sodré - Discurso de posse
ROBERTO COSTA DE ABREU SODRÉ
DISCURSO DO CHANCELER ABREU SODRÉ,
NO PALÁCIO DO ITAMRATY, EM BRASÍLIA, EM 14 DE FEVEREIRO DE 1986,
POR OCASIÃO DA SOLENIDADE DE TRANSMISSÃO DO CARGO DE MINSITRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES.
Excelentíssimo Senhor Ministro Olavo Setubal, Excelentíssimos Senhores Membros do Corpo Diplomatico, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Com a experiencia de uma vida publica que se aproxima de nove lustros - iniciada nos carceres da ditadura, praticada em diversos mandatos parlamentares, quase sempre na lideranca da oposicao, e que incluiu a responsabilidade de governar um Estado com dimensoes de Nacao - sou agora convocado, pelo eminente Presidente Jose Sarney, para dirigir o Ministerio que concebe e executa a politica externa do Pais, sob a inspiracao e as diretrizes do Chefe de Estado. A afinidade que me liga ao Presidente Sarney facilita a tarefa desta Pasta, pois hon- Documento digitalizado pela equipe de Mundorama - Divulgação Científica em Relações Internacionais (http://www.mundorama.net). ro-me de, com Sua Excelencia, comungar dos mesmos ideais politicos, desde nossa juventude ate a ultima etapa de transformacao da democracia brasileira, unida em torno da Frente Democratica que criou a Nova Republica. Assumo este Ministerio com espirito de reverencia ante o tesouro de realizacoes desses inexcediveis profissionais da diplomacia que fazem o Itamaraty; e com o espirito de humildade frente a desproporcao entre a missao a executar e o seu novo executor. RELACOES INTERNACIONAIS E NEGOCIOS INTERNOS Tem-se como caracteristica da politica exterior o fato de expressar os interesses de um Estado em relacao aos demais. Mas esse conceito se ampliou no mundo contemporaneo quando ja nao existem Nacoes ou interesses isolados, e quando esmaecem os contornos da distincao entre negocios estrangeiros e negocios do interior. Quando as atividades de empresas publicas justificam a qualificacao de "Estado Empresario", e mesmo empresas da iniciativa privada participam de transwoes com Nacoes, o Direito Internacional Publico e o Direito Internacional Privado se confundem - e assim cresce a responsabilidade e se ampliam as atribuicoes do Ministerio das Relacoes Exteriores. AFRONTAS CONTEMPORANEAS A SOBERANIA Entre os muitos problemas a desafiar o tino e a pertinacia dos diplomatas, estiveram, sempre, aqueles relacionados com a delimitacao de fronteiras e com a ameaca de ocupacao territorial.
Era a luta da razao contra a forca; a tarefa herculea para impedir que "inter arma silent leges"; ou entao - quando nao evitado o fragor das armas, a tornar inaudivel a voz do direito - era o trabalho de restabelecer a ordem juridica apos a contenda. No presente, sem que se tenham de todo dissipado as preocupacoes com tais formas de conflito, o desafio e resguardar a soberania politica e economica, mediante clara definicao de normas de convivencia com empresas e tecnologia de fora, evitando novas modalidades de ocupacao r, conquista; nao se pode confundir o protecionismo, "... com que se procura cercar setores obsoletos dos paises desenvolvidos, com o legi'timo direito dos pai'ses em desenvolvimento de criarem condicoes propicias e transitorias para a instalacao de industrias nascentes que absorvam tecnologias modernas indispensaveis a sustentacao de nosso crescimento, exercendo, assim, a nossa soberania e independencia". Assim definiu o Presidente Sarney a diretriz para a apreciacao desse problema. Outro desafio e o que nos traz a revolucao telematica e a difusao da informacao por todo o planeta. Deve ser estimulado tanto o que representa alargamento de conhecimentos como, tambem, e preciso conter aquilo que representa perigo de descaracterizacao da cultura de nossa gente. DEMOCRACIA DE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES NA DESIGUALDADE DE DESENVOLVIMENTO Aspiramos a uma democracia de igualdade de oportunidades na desigualdade do desenvolvimento. Devemos aceitar a realidade do mundo de hoje em nome da mera igualdade juridica entre os Estados - longa batalha e ardua vitoria dos principios de igual regra de convivencia entre as Nacoes poderosas e as Nacoes desvaldas? Hoje a grande aspiracao nao esta limitada ao conceito juridico: ela o ultrapassa, ela reclama, ela exige, em nome de uma diplomacia de liberdade, uma diplomacia de igualdade de oportunidades na desigualdade de de.senvolvimento. Documento digitalizado pela equipe de Mundorama - Divulgação Científica em Relações Internacionais (http://www.mundorama.net). Apenas um enfoque da questao: e inaceitavel que o mundo ha regioes que asseguram superproducao de alimentos, persista, em outras, o f lagelo da fome, que chega a enquistar bolsoes ate mesmo em paises grandes produtores de alimentos. E incompreensivel que homens capazes de atingir e conquistar o espaco sideral, continuem incapazes de chegar o pao a boca de todos. Por isso, Vossa Excelencia, Ministro Olavo Setubal, em seu memoravel discurso de posse, condenou com veemencia e acerto "... as formas tensas e conflituosas de apropriacao do produto social, levando os paises avancados a esforcar-se pela manutencao do status quo, mediante a cristalizaca~ do poder mundial em bases assimetricas". E, nesse contexto, nos latino-americanos nao podemos deixar de abordar um problema que atinge a grande maioria dos paises deste Continente e afeta em profundidade nosso balanco de pagamentos: principalmente os produtos primarios. Essas riquezas precisam encontrar seu equilibrio de precos, que nao empobreca as nacoes produtoras nem afaste os grandes mercados consumidores. A CONVIVENCIA S6 PODE SER PACIFICA Ja nos tempos perdidos, almejava-se a paz perpetua mediante artigo, em proposta de lei internacional, dispondo fosse o Direto das Nacoes baseado em uma "Liga de Estados Livres".
O Brasil sempre colocou - e continuara colocando - a sabedoria e a inteligencia de seus diplomatas ao servico das organizacoes internacionais construtoras de instrumentos e caminhos para o entendimento e a cooperacao entre os povos. E incontestavel a realidade de "um mundo so", "aldeia global", e demais expressoes indicativas da interpenetracao e interdependencia das Nacoes no mundo de hoje. Uma politica externa realista ha de estar atenta para todo tipo de entendimento, quer bilateral, quer multilateral, conducente a convivencia pacifica. Porque a convivencia so pode ser pacifica. Pacifica ela sera, ou, em caso contrario, as armas nucleares estirpariam as condicoes de vida no planeta. Conforta-nos constatar que e pertinaz e intenso, hoje mais do que nunca, o esforco para evitar a destruicao, vislumbrando-se caminhos mais largos de entendimento entre as Nacoes detentoras daquele mortifero poder. Mas nao basta eliminar os arsenais nucleares - sintoma e nao causa. E preciso banir a intolerancia racial, religiosa e ideologica. Esta tem sido a posicao historica do Brasil, na ONU e em outros foros internacionais, que, como homem publico, sempre defendi e que reafirmo solenemente ao assumir as responsabilidades de Ministro das Relacoes Exteriores do Brasil. AMERICA LATINA O Brasil caracteriza-se por uma absoluta ausencia de pretensoes hegemonicas. Por isso somos uma Nacao aberta a todas as iniciativas que visam a integracao continental, regional e sub-regional. Fortalecemos os lacos de amizade e cooperacao com os paises latino-americanos e demos adesao vigorosa, entusiastica e convicta aos processos de apoio ao Grupo de Contadora, e ao Consenso de Cartagena. Para esta posicao brasileira - Senhor Ministro Olavo Setubal - Vossa Excelencia contribuiu de maneira inestimavel, marcando sua presenca na diplomacia internacional. O ITAMARATY E SUAS POTENCIALIDADES Com a Nova Republica, cresce a importancia da diplomacia no debate politico interno. Alias, o Itamaraty sempre foi um cen- Documento digitalizado pela equipe de Mundorama - Divulgação Científica em Relações Internacionais (http://www.mundorama.net). tro nao apenas de politica externa mas verdadeira academia de problemas brasileiros; tanto assim que o acervo de sua experiencia, sua tecnologia, seus talentos, tem servido a administracao publica e a iniciativa privada e tem alimentado os mais frutiferos debates de ideias e doutrinas politicas. E nosso proposito incrementar o ja proficuo intercambio entre esta Casa e a Nacao, bem como ampliar o debate de grupos representativos nacionais com centros de cultura e de opiniao de outros paises e internacionais. Grande atencao sera tambem dada ao imprescindivel dialogo com a Suprema Corte e com o Parlamento; neste, especialmente com as Comissoes de Relacoes Exteriores do Congresso, a fim de garantir uma acao concertada e iluminadora entre o Executivo, o Judiciario e.o Legislativo, este representando hoje, na Nova Republica, com plena fidelidade e independencia, a vontade popular.
Pretendemos tambem valorizar ainda mais o Instituto Rio Branco para que, da semente de seus atuais cursos, florescam outras atividades proprias a uma entidade universitaria. Ao longo de muitos anos, venho observando, com interesse, o zelo com que persevera esta Casa em recrutar e estimular pessoal de alta qualificacao. Nao deixarei de estudar com diligencia a possibilidade de assegurar melhores perspectivas aos seus fu ncionarios, que Ihes permitam por ao servico da instituicao a plenitude das inteligencias e da rica formacao que se exige para nela ingressar, e que permitam manter o invejavel prestigio internacional que atingiu. Senhor Ministro Olavo Setubal E uma honra sucede-10. Sua experiencia de empresario e sua revelacao na vida publica estiveram a servico do Itamaraty. Em tao curta passagem por esta Casa, Vossa Excelencia, imprimiu, em seus anais, as marcas indeleveis de uma gestao fecunda. Deixa um dos mais ricos saldos de dinamizacao das relacoes do Brasil com os demais paises do mundo, e em especial com a America Latina. Sem a pretensao de supera-lo, confio que - com a ajuda de Deus, com apoio de minha mulher, Maria do Carmo, e de toda a minha familia - nao deixarei declinar a trajetoria ascendente da diplomacia brasileira. Para isso conto tambem, irrestritamente, com a colaboracao de todos os integrantes desta Casa. Meus colaboradores na Casa de Rio Branco: Esta A a Casa de Rio Branco, DOMUS, e lar, E lareira, E espirito de familia, E comunidade, E memorial, historia, E, em suma, a Patria. Por isso, reverente a grandeza desta Casa, quero, como Ministro, ser Chefe com o espirito de Bernardo, o Santo Abade de Clairvaux, cuja divisa (Praesis ut prosis, not ut imperes) adoto. Serei, pois, Chefe - como quem serve, nao como quem manda.