Ramiro Elysio Saraiva Guerreiro - Discurso de posse
RAMIRO ELYSIO SARAIVA GUERREIRO
Saraiva Guerreiro anuncia as metas do Itamaraty
Discurso do Chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro, no Palácio Itamaraty de Brasília, em 15 de março de 1979, ao receber do Embaixador António Azeredo da Silveira o cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores.
Excelentíssimo Senhor Embaixador António F. Azeredo da Silveira, Minhas Senhoras e meus Senhores,
Com grande honra, recebo das mãos de Vossa Excelência o cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores. As palavras que Vossa Excelência acaba de pronunciar bem ilustram a inteligência, a dedicação e a tenacidade que soube mobilizar para a condução eficaz da diplomacia brasileira em sua gestão à frente do Itamaraty. Fico-lhe grato pelas referências pessoais que Vossa Excelência a meu respeito fez, as quais só posso atribuir à nossa longa amizade, e pelas que fez a minha mulher, estas, sim, justificadas.
Permita-me dizer-lhe, com toda a objetividade, que os anos em que esta Pasta esteve confiada à sua direção muito honram a diplomacia brasileira. Vossa Excelência, com o talento e o dinamismo que lhe são reconhecidos, soube impulsionar a política externa, mantendo um perfil diplomático sintonizado com os interesses do país e as aspirações
da gente brasileira.
Receba, portanto, a homenagem e o agradecimento pelo muito que realizou.
Essa homenagem — desejo acrescentar — se estende na íntegra a May que, com graça feminina, simpatia e dotes de personalidade forte, esteve ao seu lado, confirmando, por sua dedicação e senso de medida, o respeito e a admiração que sempre teve de todos nós.
Ao convidar-me para exercer as altas funções de Ministro de Estado das Relações Exteriores, Sua Excelência o Senhor Presidente da República João Baptista de Oliveira Figueiredo distinguiu-me com sua confiança generosa. Profundamente agradecido
pela honra que me fez, procurarei corresponder, com lealdade e imaginação, ao desafio que a esse dignificante encargo corresponde. Com o maior empenho pessoal, buscarei expressar, no quotidiano, ao Senhor Presidente da República, minha total adesão à tarefa que me cometeu, de chefiar a diplomacia brasileira, numa época em que tantos horizontes se abrem à ação criativa do Brasil, no plano externo.
A ascensão à chefia da Casa de Rio-Branco constitui, para o diplomata, ocasião excepcional e requer o exercício em sua plenitude das potencialidades políticas que seu ofício encerra. Assumo, pois, o Itamaraty consciente da responsabilidade política indeclinável e intransferível que, sob a alta direção do Presidente da República, cabe ao
Ministro de Estado das Relações Exteriores, pelo desempenho da diplomacia brasileira.
Diplomacia passa por transformações aceleradas
Como todas as demais atividades, a Diplomacia passa por transformações aceleradas e se torna, a cada dia, mais ágil e flexível. Nessa época de mudança, é particularmente importante valorizar as tradições que esta Casa pôde construir, mas ao preservá-las, não devemos permitir que se transformem em obstáculos ou entraves à nossa capacidade de iniciativa. Inspirados em nossa história e tradições, devemos estar preparados para enfrentar com espírito aberto os cambiantes desafios da política internacional.
É igualmente parte de nosso tempo que os assuntos diplomáticos, ressalvados os aspectos de natureza sigilosa, sejam tratados de público e que, para seu encaminhamento político, dependam do respaldo da opinião nacional.
O momento brasileiro é, felizmente, de diálogo e, consequentemente, especial atenção será dedicada ao aperfeiçoamento dos canais de comunicação do Itamaraty com o Congresso Nacional e com os seus membros. O Itamaraty estará igualmente preparado para estreitar seus contactos com a imprensa, com as universidades e com cada setor da sociedade que revele, com ânimo patriótico, genuíno interesse no campo das relações exteriores. Desse modo, nosso permanente exercício profissional será, sempre que possível, enriquecido pela contribuição que esses setores possam prestar.
É necessário que essa abertura para o diálogo seja acompanhada, em nossa instituição, por um sentimento de cooperação com responsabilidade. Nenhuma política externa é descompromissada e funcionário algum pode fugir, sem grave falta, aos deveres da discrição profissional e do completo engajamento com as funções que exerce.
Os diplomatas, como todos os brasileiros, somos devedores de nosso grande país e, nesse espírito, devemos atuar na execução de nossas tarefas. O sentido de disciplina, a diligência e a observância da correta forma diplomática devem ser marcas permanentes de nossa Casa. Constituam elas o quadro dentro do qual podem fazer-se sentir, plenamente, a desejável capacidade individual de imaginação e iniciativa, assim como a permanente preocupação de cada funcionário com a substância das questões externas de interesse do país, sem prejuízo da indispensável unidade e segurança da ação.
Todas essas são virtudes requeridas de uma Organização que precisa conciliar o necessário espraiamento geográfico de suas repartições e de seu pessoal com o dever de dar resposta pronta, eficiente e unificada ao comando político. No atual quadro internacional, é especialmente importante que o Itamaraty desempenhe com exação o seu dever de representar o país no exterior, que esteja cada vez mais preparado para acompanhar as variações na conjuntura mundial e regional e que tenha condições concretas para desempenhar suas tarefas de negociação, na indeclinável defesa dos interesses nacionais.
Atuaremos num panorama internacional marcado por transformações rápidas e, às vezes, dramáticas. Apesar de continuados esforços em favor da paz, multiplicam-se os sintomas da tensão internacional. Parece triunfar a concepção minimalista da détente,que a reduz a simples roupagem de um prolongado impasse estratégico. Tardam em dar frutos as negociações com vistas ao desarmamento nuclear, persistindo o quadro de temor que tem caracterizado nossos tempos. Em variados quadrantes, materializam-se conflitos que contribuem para fixar uma inquietante sensação de insegurança internacional. Até mesmo nossa região não escapa de controvérsias, que passam às vezes por fases agudas. Mas nela, por felicidade, está presente um autêntico sentimento
de identidade comum que alimenta a visão do futuro e tende a superar episódios. Além disso, do outro lado do Atlântico, na África, a que nos ligam tantos laços, permanecem sem solução questões relativas à autodeterminação e soberania dos povos, bem como subsistem inaceitáveis políticas e práticas racistas, que se constituem em verdadeiras ameaças à paz e à segurança internacional.
Crise econômica internacional não retrocedeu
No plano econômico — não menos do que no político —, estão presentes motivos para sérias apreensões. A crise da economia internacional não dá sinais de retroceder, o que gera toda sorte de incompreensões e dificuldades. A instabilidade cambial continua a afligir o sistema monetário e a lançar dúvidas sobre a qualidade de sua gerência. Apesar de reiterados protestos de adesão aos princípios de liberalismo econômico, o protecionismo comercial continua em expansão no mundo desenvolvido e impede ou limita a acesso de nossos produtos manufaturados aos mais importantes mercados consumidores. E, no entanto, para que o Brasil possa aumentar sua presença na economia internacional como país importador e como tomador de recursos financeiros, o que é do interesse e todos, é imprescindível que existam condições externas para que possamos ampliar e diversificar nossas exportações. Não se contenta o país — nem isso se compadeceria com seu modelo econômico — que as exportações cresçam lentamente ou que se restrinjam a uma lista de poucos produtos. Por outro lado, as atuais condições do mercado petrolífero — sua instabilidade e a continuada elevação dos preços — representam sérios problemas que deveremos enfrentar com todo o empenho.
A evolução da conjuntura econômica internacional penaliza diferentemente os países e, ao criar novos obstáculos às nações que lutam por desenvolver-se, faz necessário o reforço dos vínculos de solidariedade que as unem.
Para responder a esse panorama a política externa estará organizada, conceitualmente, como acentuou Sua Excelência o Senhor Presidente da República, de acordo com três vetores fundamentais: o universalismo, a dignidade nacional e a vocação brasileira para a boa convivência. Vamos, pois, utilizar ao máximo o nosso potencial diplomático e a nossa capacidade de convencimento. A política externa se guiará por princípios cardeais, entre os quais sobressaem a independência nacional, a igualdade soberana dos Estados, a autodeterminação dos povos, a não intervenção, a solução pacífica de controvérsias e a cooperação para o desenvolvimento e o bem-estar.
A política exterior visará a preservar o Brasil como parceiro confiável, como país que cumpre seus compromissos e que se desincumbirá, com ânimo de paz e desenvolvimento, de suas responsabilidades internacionais. O compromisso externo do país buscará corresponder, de forma ordenada e precisa, às realidades e aspirações nacionais. Nesse contexto, o desenvolvimento pacífico em todos os domínios e o acesso completo do país ao conhecimento científico e tecnológico constituem direitos irrenunciáveis a preservar em sua inteireza.
País de aspirações legítimas que não são apenas compatíveis com os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas, senão também que neles se inspiram, o Brasil pode e deve desempenhar seu papel, crescentemente protagônico, como fator de paz, progresso e esperança internacional.
Atuaremos sem preconceitos e de forma construtiva tanto no plano bilateral, quanto no multilateral. Ambos os caminhos são válidos e a escolha entre eles deve depender tão somente de circunstâncias a serem examinadas em cada caso concreto.
O que realmente importa é que a ação externa do Brasil se caracterize pela seriedade nas negociações e guarde harmonia nos diferentes planos, foros e temas. Velarei para que isso ocorra e para que os meios funcionais e administrativos sejam adequados às tarefas políticas que incumbem ao Itamaraty. Estimularei, inclusive, a abordagem planejada e integrada das atividades desta Casa, com o propósito de assim incrementar a
nossa capacidade de atuar.
Nossa conduta externa refletirá uma atitude de respeito mútuo, de franqueza e lealdade, despida de preconceitos inibitórios ou critérios apriorísticos. Para o resguardo dos interesses nacionais, teremos sempre cuidado da boa e correta forma, à qual se ligará a imagem de uma diplomacia conhecida por suas tradições de decoro e representatividade
e por sua vontade de negociar.
Unidade na ação externa brasileira
A ação externa do País deve ser unívoca. O desenvolvimento nacional, o processo de descentralização administrativa e o adensamento de nossas relações exteriores exigem atenção redobrada para essa tarefa de coordenação interna. Ao se preocupar, politicamente, com a globalidade e com cada um dos aspectos da face externa do País, o Itamaraty funciona como órgão central de um verdadeiro sistema governamental voltado para o exterior.
Em estreita cooperação com outros órgãos estatais ou entidades e empresas privadas, o serviço diplomático brasileiro empenhar-se-á, cada vez mais, na identificação e aproveitamento das oportunidades para ampliar e racionalizar as relações do Brasil com os países amigos, quer no campo econômico e comercial, quer no político e cultural. Da mesma forma, estaremos interessados em cooperar com os países amigos que desejem participar, com proveito mútuo, do desenvolvimento do Brasil, em todos os setores.
Dentro de nossa Casa, prosseguirei no esforço da modernização e atualização. Para que o Itamaraty atue como dele se espera, é necessário não apenas que seus integrantes tenham plena consciência das renúncias inerentes ao desempenho da função pública, mas também que disponham, por outro lado, de condições práticas para bem cumprir suas tarefas e para realizar os objetivos profissionais a que validamente ambicionam.
Essas serão preocupações constantes da Administração, no intuito de manter as tradições de presença e de atuação do Ministério das Relações Exteriores.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Sob a chefia ilustre do Presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, o Brasil hoje inicia uma nova etapa da sua vida nacional e, consequentemente, de sua política externa. Nosso país é dotado de um conjunto de qualidades que o individualiza. Nossas particularidades nacionais nos predispõem a entender o mundo exterior e a participar da cena internacional. Mais ainda, o vigor de nossa personalidade nacional nos estimula a
uma atitude aberta, segura e sem preconceitos com relação à comunidade das nações. País formado por variadas etnias, com ampla extensão territorial, ecologias diversificadas e regiões em diferentes estágios de desenvolvimento, tem o Brasil sabido, entretanto, através de sua história, sintetizar em profundidade a sua unidade nacional e a boa convivência de seu povo. O Brasil é, assim uma nação autêntica e solidária. Nossas
realizações no passado são a melhor garantia de que saberemos encontrar os nossos caminhos.
O Brasil exige uma diplomacia capaz de conciliar agilidade com lucidez e de combinar senso de oportunidade com espírito deinovação, uma diplomacia marcada por um dinamismo sereno, que integre de forma harmoniosa, os elementos de firmeza e flexibilidade necessários para o eficiente resguardo dos interesses nacionais. A diplomacia brasileira se norteará pela incansável disposição de negociar e pela tranquila e paciente busca da composição de interesses, o que não significará, entretanto, transigência quanto a legítimas aspirações e interesses do Brasil. Estou certo de que, nessa tarefa, poderei contar com a dedicação de cada um dos funcionários do Itamaraty e que, em conjunto, prestaremos a contribuição que nos cabe no esforço nacional em prol do desenvolvimento autônomo e integrado e do bem-estar de todos os brasileiros.