Oswaldo Euclides de Souza Aranha - Discurso de posse
OSWALDO EUCLIDES DE SOUZA ARANHA
DISCURSO DE POSSE
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES OSWALDO ARANHA
15 DE MARÇO DE 1938
A minha vida pública é de ontem, contemporânea de todos vós. Sabem, assim, Sr. Ministro, quantos nos honram com sua presença a esta solenidade, que eu não o vim substituir, mas continuar, mesmo porque neste departamento da vida do nosso país, a coerência fez-se continuidade e esta tradição, inviolável.
Somos, Vossa Excelência por uma longa e brilhante carreira e eu pela minha missão em Washington, funcionários desta casa.
Foi uma grande honra para mim entrar, após ter exercido as mais altas e responsáveis posições na vida política do meu país, há três anos, para o Itamaraty.
Considerei sempre, como devem considerar todos os brasileiros, uma nobre missão a de vir trabalhar à sombra desta casa, viver as suas tradições e compartilhar as suas responsabilidades.
Não tem o nosso país atalaia mais alta na sua história de benemerências, nem mais nobre lição de pacifismo, e de devoção à justiça de outro povo aos demais, do que aquela que se contém nos anais diplomáticos da formação do Brasil.
A diplomacia brasileira é a escola da paz, a organização da arbitragem, a política da harmonia, a prática da boa vizinhança, a igualdade dos povos, a proteção dos fracos, a defesa da justiça internacional, enfim, uma das glórias mais puras e altas da civilização jurídica universal.
A ela deve o nosso povo a parcela maior de suas grandezas, a configuração de suas fronteiras imensas, a conquista de sua unidade, a estrutura de suas soberania, a confiança dos demais povos, e, mais que tudo, o uso e gozo da paz em que temos vivido os brasileiros, mesmo em meio de lutas e de guerras.
Herança do Império desdobrada pela República, a nossa diplomacia é, hoje, uma instituição nacional, inviolável em sua coerência, sagrada em suas tradições, definida em seus fins, clara em seus meios, na qual podem e devem confiar todos os brasileiros como nela têm confiado e confiam os demais povos.
O povo brasileiro é um penhor de boa vontade, de conciliação, de harmonia e de paz.
A obra pacífica do Brasil, no continente e no mundo, não foi, nem é traçada por conveniências ou interesses.
É ideia, é sentimento, é educação e é moral – é atitude tradicional do povo e do Estado brasileiros.
Não houve nem haverá lugar entre nós, dada a nossa índole e formação, para outra política senão aquela – suaviter in modo et fortiter in re – que presidiu à nossa evolução e há de fortalecer e alargar a nossa grandeza.
Representando o nosso governo nos Estados Unidos da América do Norte, o maior centro de convergência das atenções e atividades universais, pude bem medir o respeito por essas nossas tradições e bem avaliar o prestígio da nossa conduta continental e internacional.
É que, meus senhores, a política internacional do Brasil foi sempre uma expressão da opinião nacional do Brasil.
É só na vontade do povo, na consulta a sua opinião e aspirações, que a paz encontra a sua segurança.
Os governos e os homens nem sempre têm sido bons intérpretes dos seus povos.
Neste erro tiveram suas origens todas as guerras.
É na subordinação dos governos aos seus povos que as nações devem procurar a boa inspiração para os seus destinos, e a solução para os problemas da comunhão universal.
Esta prática, sempre seguida pelo Brasil, foi a base na qual assentou a obra da paz realizada exemplarmente pela civilização brasileira no decurso da sua história e no concerto das nações.
Acreditou-se, num dado momento, que a economia, tornada substância da política, acabaria por inaugurar uma era de cooperação pacífica entre os povos, favorecida por interesses comuns.
Outras soluções foram sugeridas e até adotadas, desde as da força até as do isolamento, como sendo as melhores para manter e desenvolver os meios e instrumentos apropriados à solução pacífica dos problemas e conflitos universais.
A verdade, porém, é que ao termo de tão longos esforços e atormentadas experiências, chegamos todos quantos procuramos o bem estar universal à conclusão de que a paz, a sua segurança e a sua manutenção, residem afinal na obediência dos governos à vontade popular e no respeito das nações à opinião dos seus próprios povos.
O Brasil, justamente porque conduziu sua política internacional consultando sempre a vontade, a aspiração e a opinião de seu povo, é um modelo de cooperação, de desambição e de paz no concerto das nações continentais e mundiais.
O governo atual, malgrado as falsas interpretações de quantos ignoram a sua origem e a sua razão de ser, fundou a sua política exterior nas fontes mesmas da tradição e da opinião do Brasil.
O eminente chefe da nação tem dado, na política internacional do seu governo, as demonstrações mais definitivas de sua fidelidade às nossas tradições diplomáticas, procurando alargá-las e consolidá-las pelo fortalecimento de uma política continental de boa vizinhança e de amizade com os demais povos.
DISCURSO DE POSSE
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES OSWALDO ARANHA
27 DE MARÇO DE 1939
Senhor Ministro, meus Senhores,
Esta cerimônia, ainda quanto seja uma simples formalidade íntima do Itamaraty, tem uma grande significação.
Ela mostra que a continuidade e a coerência são as linhas mestras desta casa, da ação diplomática e da vida mesma de quantos se devotam ao serviço exterior do Brasil.
A fidelidade aos princípios básicos de nossa formação e evolução política foi e será existencial, na ordem interna do Itamaraty e na exterior do Brasil.
A defesa dessas normas no campo internacional e a sua conservação e aperfeiçoamento na vida diplomática e dos diplomatas brasileiros tornam-se cada dia mais necessárias.
As grandes crises econômicas e políticas universais vieram e virão da falta de continuidade e de coerência dos governos e da crescente infidelidade dos povos aos princípios e tradições, que lançam, através dos tempos, os alicerces mesmos da solidariedade e do aperfeiçoamento humanos.
O respeito ao passado, a devoção às ideias, o sentimento das tradições nunca transviaram os homens e sempre protegeram o destino dos povos.
A força moral do Brasil, no continente como no mundo, emana dessa política invariável de apego àquelas normas que traçaram as suas fronteiras geográficas e alargam todos os dias as de seu prestígio internacional.
Esta cerimônia demonstra como essa linha geral preside, igualmente, ao exercício de nossas funções e ao trato de uns com outros no desempenho das atribuições que nos são confiadas no serviço exterior de nosso país.
E nada, meus amigos, eleva mais uma corporação do que a segurança de que cada um de seus membros, nas suas divergentes atividades, obedece à lei geral, à harmonia do todo, ao supremo interesse do país.
A impessoalidade é a primeira condição para bem servir e melhor contribuir para a obra comum que nos cumpre realizar nesta casa.
A minha viagem aos Estados Unidos veio demonstrar que, lá como aqui, estivemos juntos e solidários, porque, ainda quando distanciados pelas atividades, nunca estivemos ausentes, mas mais reunidos pelo dever e pelo ideal.
O nosso trabalho foi comum, e a conjugação de nossos esforços tão perfeita que, quando se for apreciar a obra por nós realizada nos Estados Unidos, o historiador não a poderá atribuir a mim ou aos meus auxiliares, mas ao Itamaraty, ao governo, ao presidente da República, enfim, ao Brasil, aos que o serviram e aos que o estão agora servindo sob a inspiração desses antepassados.
É esta a significação desta cerimônia: um funcionário substitui outro, sem que a função, no que tem de essencial, sofra a menor solução de continuidade, porque aqui, nesta casa e neste serviço, os homens passam, maiores ou menores, como expressões efêmeras de uma devoção eterna, que as gerações de nossos diplomatas têm conservado, à defesa, à integridade, à grandeza e ao prestígio do Brasil.
Agradeço às generosas palavras do Ministro Freitas Valle, porém, mais ainda, aos relevantes serviços por ele prestados e por todos vós ao governo, durante minha estada nos Estados Unidos, facilitando-me e aos meus companheiros o desempenho de uma missão que, graças à direção do Presidente da República e assistência do Itamaraty, veio confirmar e ampliar a tradicional política de cooperação e de amizade de nossos dois povos, pela qual trabalharam, no Império e na República, sem exceção, todos quantos dirigiram os nossos grandes destinos políticos, nacionais e internacionais.