José Carlos de Macedo Soares - Discurso de posse
JOSÉ CARLOS DE MACEDO SOARES
DISCURSO DE POSSE
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
26 DE JULHO DE 1934
Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores.
Vossa Excelência senhor ministro, acaba de dizer, com muito acerto, que o senhor presidente da República tem confiado à direção desta casa, no seu governo, a uma pessoa do Itamaraty, que embora não esteja na atividade, pertence a seus quadros, delicada a seu serviço. Confesso, pois, de logo com desvanecimento essa minha qualidade. Venho para o vosso convívio afeito às tradições, aos ensinamentos, à repousada sabedoria que constituem a lição mais que centenária do órgão que maneja a política exterior do Brasil.
Conheço bem, senhor ministro, a perfeita organização dos serviços desta casa. Sei quão dedicado, eficientes e ativos os seus servidores são. Aqui não serei, portanto, vinho novo em ânfora velha. Não se esperem de mim buscar inovações, grandes reformas, transformações espetaculosas. O instrumento está forjado, apto ao trabalho, pronto a ser utilizado no serviço do país.
Vossa Excelência, senhor ministro, aludindo às admiráveis tradições desta casa, referindo-se à continuidade da obra construtora de tantos brasileiros ilustres, citou os dois Rio Branco, cujos retratos assistem à solenidade deste salão. Não podemos fugir à emoção e orgulho desta evocação. Desde o segundo Rio Branco em meio das tempestades da nossa política interna, procurando ansiosamente a jornada de uma democracia legítima – habituamo-nos a ver o Itamaraty como o estuário majestoso onde tantas paixões vem confundir-se afinal na serenidade da sua largueza patriótica.
Tocou ao arguto e prudente Lauro Muller a honra de suceder imediatamente ao barão do Rio Branco. Nilo Peçanha teve, na presidência do ilustre Wenceslau Braz, a consagração do seu patriotismo e da sua admirável intuição política, como o chanceler da guerra. Coube a Domício da Gama, com o precioso concurso do grande Epitácio Pessoa, participar dos trabalhos da paz. Depois, Azevedo Marques com sua ciência jurídica, Feliz Pacheco com o fulgor da sua inteligência e cultura universal. Octávio Mangabeira com o método e o espirito renovador, cada qual passando ao sucessor o facho de entusiástico estímulo para o esforço de continuidade na obra do patriotismo.
Senhor ministro, Vossa Excelência acompanhou a obra admirável de prudência, de compreensão diplomática, e de autoridade política do chanceler da Revolução. Assumindo a chefia do Itamaraty na hora em que se subvertia a ordem jurídica do país, o senhor Afrânio de Mello Franco pôs seu crédito pessoal junto às nações estrangeiras a serviço do prestígio internacional do Brasil. Restabeleceram-se quase instantaneamente, as nossas relações diplomáticas e, não obstante transes tão difíceis e situações verdadeiramente angustiosas, não mais tivemos uma crise, um incidente, uma dificuldade que se originasse no Itamaraty. Em meio de suas terríveis atribuições, o preclaro chefe do governo provisório sempre repousou na sabedoria da sua política exterior.
A obra do senhor Mello Franco epilogou-se no episódio da pacificação americana que ainda temos no coração. E Vossa Excelência sabe, senhor ministro, a esperança que foi para o ideal de paz em todo o mundo, o nobre ato de reconciliação das duas Repúblicas andinas.
Regendo, no governo constitucional que agora se inicia a política exterior do Brasil, inspiro-me forçosamente nestes gloriosos precedentes. Amigo da paz que é inseparável da obra da civilização humana; animado de um ardente patriotismo continental, volto-me sempre com emoção para as alegrias e sofrimentos dos povos europeus que escreveram a nossa história antiga.
Recentemente, em discurso pronunciado numa das mais ilustres casas dos portugueses da nossa metrópole, o chefe do governo proclamava atingida a completa maturidade nacional e a nossa maioridade política. Maturidade, senhor ministro, adquirida por entre nossas vicissitudes e sofrimentos, e por isso tocada de simpatia humana, que compreende os sofrimentos do mundo. A nossa política será, pois, agora como sempre, a política da boa-vontade, da benevolência e da paz.
Vossa Excelência, senhor ministro, assegura-me a colaboração de quantos trabalham nesta casa, em prol do Brasil. Agradeço cordialmente esses compromissos de empenhada solidariedade na obra comum. Expressos por Vossa Excelência esses sentimentos tem para mim singular significação, pois Vossa Excelência depois de carreira tão longa e preenchida, desde verde mocidade, sempre no serviço público, chegou aos mais altos postos de onde se descortinam a tradição e a vocação do Itamaraty. Na hora em que aqui ingresso, como ministro de Estado das Relações Exteriores, recebendo a pasta das mãos de Vossa Excelência, integro-me no Itamaraty, que Vossa Excelência representa, personifica e vive.