Horácio Lafer - Discurso de posse
HORÁCIO LAFER
DISCURSO DE POSSE
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES HORÁCIO LAFER
4 DE AGOSTO DE 1959
Compenetrado das graves responsabilidades próprias da investidura que me seria conferida, aceitei o honroso convite de Sua Excelência o Senhor Presidente Juscelino Kubitschek para ocupar o cargo de ministro de Estado das Relações Exteriores. Recebo a pasta das mãos honradas de Vossa Excelência, Senhor Ministro Negrão de Lima, velho amigo, cuja trajetória na vida pública tenho sempre acompanhado com afeto e admiração. Em pouco mais de um ano, mercê de suas qualidades de inteligência, equilíbrio e serenidade, soube Vossa Excelência trazer real contribuição para o engrandecimento da política exterior do Brasil. À galeria dos eminentes chanceleres que se sucederam nesta Casa de nobres tradições, acrescentou Vossa Excelência a sua figura prestigiosa. Não me seria, assim, possível prescindir do seu concurso e dos seus conselhos, que se somarão, segundo espero, aos de Octávio Mangabeira, Raul Fernandes, Oswaldo Aranha, José Carlos de Macedo Soares, João Neves da Fontoura e Vicente Ráo, grandes mestres da orientação da nossa diplomacia, aos quais estou ligado por vínculos de alto apreço e estima.
Coube a Vossa Excelência, Senhor Ministro Negrão de Lima, como também o fez o chanceler Macedo Soares, cujos serviços notáveis à causa continental acentuam, com justiça, nesta hora, transportar para o terreno das gestões de chancelaria as diretrizes traçadas pela atuação do Senhor Presidente da República, que, no comando supremo da nossa política internacional, tanto fez no sentido de propiciar um ambiente de colaboração e fraternidade no hemisfério, reformulando e dando novo conteúdo ao pan-americanismo. Considero que a Operação Pan-Americana deve continuar a ser uma das preocupações centrais da chancelaria brasileira. Movimento de afirmação americana, proposto em hora historicamente oportuna pelo presidente do Brasil e que logrou entusiástico apoio dos estadistas de vinte repúblicas irmãs, a Operação Pan-Americana encerra e resume toda uma política, que nos compete desdobrar em seus múltiplos e fecundos aspectos. Ao assumir a direção desta Casa, desejo proclamar minha determinação de prosseguir, sem desfalecimentos, na campanha que nos levará à concretização dos ideais pan-americanos. Em breve, seremos duzentos milhões de almas na América Latina. Soubemos lutar com destemor pela nossa liberdade política e já é significativa a nossa contribuição ao patrimônio cultural do Ocidente. Fundamos uma civilização em novas terras. Eis chegado o momento de darmos à nossa organização política o substrato econômico, a base de segurança tão necessária à plena realização dos destinos nacionais e da nossa missão mundial. Para sermos de fato um continente de liberdade, para robustecermos a nossa convicção democrática, para nos incorporarmos como força atuante na causa do mundo livre, cumpre buscar soluções que recuperem vastos núcleos humanos relegados a uma existência precária. A Operação Pan-Americana tem caráter irretratável, não sendo, pois, uma ideia, mas a tradução de justos anseios até há pouco mal formulados.
Quero salientar que a Operação Pan-Americana não exclui, ao contrário, torna ainda mais viva para cada país do continente a obrigação de buscar a solução de seus problemas de ordem bilateral e de intensificar a luta no plano interno pelo desenvolvimento. Não é segredo que a ação do Presidente Kubitschek teve como ponto de partida o conhecimento dos nossos problemas econômicos internos e provém da mesma fonte que inspirou a política de metas que ele ideou e está executando.
Esforçamo-nos por manter sempre mais estreitas as nossas ligações com a grande democracia dos Estados Unidos da América.
Não é a necessidade de seguirmos esta ou aquela política que nos leva a comungar nos ideais democráticos e humanos que os Estados Unidos defendem neste momento com todo o seu poderio e seu idealismo. Inspira-nos a certeza de que assim procedendo obedecemos aos impulsos da nossa própria formação. Quando o presidente Kubitschek fazia sentir a necessidade de sermos chamados a colaborar nas grandes decisões mundiais, estava a colocar com firmeza e em termos de inequívoca validade o conceito bem entendido de amizade e cooperação internacional.
Como acentuou Sua Excelência na memorável conferência do Clube Militar, o pensamento nacionalista é um só, na sua essência: construtivo e fraterno em relação às nações amigas, mas zeloso de preservar a liberdade de interpretar a realidade do país e de encontrar soluções brasileiras para os problemas brasileiros.
De minha parte, proponho-me a dar especial relevo ao tema do desenvolvimento e das relações internacionais. É do nosso dever não ficar prisioneiros de um círculo limitado por nós próprios traçado e que nos impeça de expandir nossas exportações e recolher as colaborações que forem mais úteis ao desenvolvimento do Brasil. Sem esquecer um só problema de natureza política ou cultural, deverá este ministério colocar se cada vez mais ao serviço da conquista de mercados novos para as exportações brasileiras. Uma vez que os imperativos do nosso crescimento industrial nos compelem a certo número de importações essenciais, somos também necessariamente obrigados a produzir divisas, a dinamizar as nossas atividades de comércio exterior, a caminhar ao encontro dos que podem comprar o que produzimos. O incremento das correntes de intercâmbio comercial do Brasil com os países estrangeiros será, pois, um dos pontos de honra da minha ação neste ministério. Dedicarei a essa tarefa, não somente o produto da minha experiência – adquirida particularmente no período em que, a convite do pranteado estadista Getúlio Vargas, dirigi a pasta da Fazenda – mas também o que aprendi num longo tirocínio na iniciativa privada e que talvez me permita dar caráter prático à concretização das minhas ideias. Não concordo que – ressalvado o nosso direito de impedir atitudes que firam a nossa Constituição, nossas convicções de liberdade de pensamento e expressão, e respeito aos sentimentos religiosos de nosso povo – fujamos do intercâmbio com zonas cujos povos também precisam importar e exportar. Examinarei objetivos e praticamente, esses aspectos. Pessoalmente, orientarei tais estudos, a fim de apresentar ao Senhor Presidente da República as sugestões e conclusões adequadas. Onde houver um cliente possível para o Brasil, ali estará vigilante o setor econômico do ministério das Relações Exteriores.
Tenhamos também presente que o desenvolvimento de algumas das principais nações da Europa ocidental, de que somos continuadores e herdeiros, e a extraordinária vitalidade desses países, com os quais sempre estivemos em contacto, exige a formulação de uma política ativa de intercâmbio.
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A política internacional não é um método, não é uma rotina, mas alguma coisa de vivo que se alimenta de acontecimentos e é por eles orientada.
Desde ontem, novos acontecimentos desanuviaram a atmosfera sombria que pesava sobre a humanidade e nos obrigam, nação latino-americana que somos, a reexaminar nossa atitude e, possivelmente, a formular uma política diferente e nova.
Colhidos de surpresa, não poderíamos dar precisões sobre o que vamos fazer, mas não duvidamos estar diante de um fato novo que reclama uma posição também nova de nossa parte.
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Estou certo de poder contar com a colaboração esclarecida e tenaz do magnífico corpo de funcionários que, na secretaria de Estado, em missões diplomáticas ou nas repartições consulares, empregam um esforço construtivo ao serviço do Brasil. Por meu turno, podem eles estar seguros de que saberei defender, como se meus fossem, os altos e legítimos interesses do Itamaraty e de seus servidores. Vossa Excelência, Senhor Ministro Negrão de Lima, entre tantos outros títulos ao reconhecimento desta Casa, terá o de haver levado à sua formulação no âmbito do Executivo o projeto de lei que dará nova organização ao Ministério das Relações Exteriores.
Eram essas as palavras que julguei oportuno dizer no dia de hoje, ao ter a honra de substituir Vossa Excelência numa função tão delicada e de tanta importância para os destinos de nosso país. Peço a Deus que inspire os meus atos; neste momento, só posso prometer dedicar-me a fundo, devotar-me inteiramente à minha nova missão.