Portugal - Primeira instrução
Instruções de 20 setembro de 1834 de Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, para Sérgio Teixeira de Macedo, encarregado de negócios e ministro plenipotenciário em Portugal. Publicado nos Cadernos do CHDDa. VII, n. 12, p. 163-169.
Instruções para Sérgio Teixeira de Macedo
Tendo já comunicado a V. Mce. que a Regência em nome do Imperador o senhor d. Pedro II, confiando nas suas luzes e patriotismo, havia nomeado a V. Mce. encarregado de negócios do Brasil na corte de Lisboa, cumpre-me agora informá-lo de que a mesma Regência, querendo manifestar à Rainha Fidelíssima o seu júbilo pelo triunfo do seu exército, que se empenhou na luta porfiada e gloriosa que terminou com a restituição da rainha ao trono constitucional da monarquia portuguesa, ordenou que o enviado extraordinário, o ministro plenipotenciário em Londres, José de Araújo Ribeiro, passasse imediatamente à Lisboa, revestido do mesmo caráter, a cumprimentar S. M. Fidelíssima, por aquele motivo, visto convir que um ministro brasileiro da segunda ordem fosse o primeiro que se apresentasse em Portugal, para, deste modo, testemunharmos também o apreço que fazemos das relações políticas e comerciais daquele país com o Brasil. Logo, porém, que terminar aquela honrosa comissão, que será mui breve, tem ordem o referido ministro Ribeiro de acreditar a V. Mce. como encarregado de negócios, para que, nesta qualidade, ali resida e trate dos interesses políticos e comerciais do Império. Não julgo necessário entrar em detalhes sobre os sucessos que se têm passado em Portugal, desde que o infante d. Miguel usurpou o trono até o presente, não só porque V. Mce. os não ignorará, mas também porque, no relatório junto, que mandei organizar pelo oficial maior desta secretaria de Estado, se acha clara e fielmente infundido tudo o que tem ocorrido a tal respeito. Há, porém, três pontos do mesmo relatório a que devo chamar a séria atenção de V. Mce., a saber: quantias de que somos credores a Portugal; das que lhe devemos, em virtude da convenção adicional ao tratado de 29 de agosto de 1825; e embaraços que têm sofrido o comércio brasileiro naquele reino, em violação do mesmo tratado.
1° Ponto – Pela informação junta, que apresentou a comissão encarregada de tomar as contas à Caixa de Londres, se vê que somos credores a Portugal de £ 204:565,17,9 (esterlinas), depois de termos pago £600:000, pelas propriedades particulares de El-Rei d. João VI no Brasil. Contra este crédito protestou o ex-encarregado de negócios João Batista Moreira, dizendo que ali se achavam englobadas quantias que não pertenciam a Portugal. No caso que esse governo lhe toque neste assunto, convém que V. Mce. diga que este negócio deve ser tratado com o Governo Imperial pelo seu agente diplomático no Rio de Janeiro, onde melhor se cuidará de ajustar estas contas.
2° Ponto – Esse governo tem novamente instado com energia, pelo seu encarregado de negócios nesta corte, para se lhe pagarem os dividendos e amortização do empréstimo português, que o Brasil tomou a si em virtude da convenção de 29 de agosto de 1825. O Governo Imperial, não tendo nunca duvidado de confessar esta dívida – que só foi demorada por justos e ponderosos motivos, durante a questão portuguesa –, se dirigiu à Câmara dos Deputados, para que ele fosse fornecido dos fundos necessários para continuar aqueles pagamentos, mostrando, assim, o Governo Imperial quanto capricha em sustentar o seu crédito. Como seja mui provável que esse governo insista em que se lhe pague toda a nossa dívida atrasada, convirá que V. Mce. lhe diga que, havendo o Governo Imperial feito chegar ao conhecimento da Câmara dos Deputados a solicitação do encarregado de negócios fidelíssimo sobre este pagamento, mostrou, da sua parte, a lealdade e boa-fé que o dirigem nos seus atos; mas que, não sendo certo se Assembléia Geral man[da]rá quantias para a total satisfação da dívida anterior e parecendo que só arbitrará, talvez, somas para se pagar os dividendos e amortização que se forem vencendo no ano financeiro futuro ou, quando muito, no corrente, insinuará V. Mce. que seria, porventura, mais acertado que o governo fidelíssimo fizesse uma convenção especial com o Império, relativamente à dívida atrasada, pois que, desta maneira, poderíamos conseguir prazos maiores e condições menos onerosas para as finanças do Império, que apesar de que continuamente melhoram, contudo, não estão mui prósperas, pelos acontecimentos que têm ocorrido no Brasil e desmanchos da administração passada, que não será necessário enumerar, mas que V. Mce. poderá com discrição mencionar, para se terminar esta negociação. E para mostrar a vontade que tem o Governo Imperial de satisfazer esta dívida, V. Mce. insinuará igualmente que, na mencionada convenção que se fixar, se poderá logo inserir o modo do pagamento, emitindo-se apólices do governo (que hoje se acham a 65) pelo preço em que estiverem na época da ratificação da convenção, cujos juros e amortização serão pagos pela Caixa da Amortização no Rio de Janeiro, ou pelo modo que parecer mais conveniente ao nosso ministro em Londres, a quem se remeterão plenos poderes ad hoc, visto existirem ali os documentos relativos a este assunto.
3° Ponto – A importância das relações comerciais do Império com esse reino é reconhecida por todos e, por isso, será mui valioso e relevante o serviço que V. Mce. puder prestar neste interessante assunto. Será, pois, um dos seus primeiros cuidados examinar atentamente toda a correspondência dos diversos cônsules brasileiros, que tem havido nesse reino e, depois, de reconhecer os embaraços que tem sofrido e ainda sofre o nosso comércio – e se acham mencionados no dito relatório –, procurará destruí-los, dirigindo, para este fim, notas concebidas com energia, mas sem faltar ao respeito que os governos se devem mutuamente, esforçando-se V. Mce. mais por adoçar do que para irritar algum azedume que possa existir atualmente entre os dois países. Para conseguir mais facilmente este importante objeto, não se esquecerá V. Mce. de lançar mão da política, que tem tido o Brasil, de reservar, nos tratados que tem concluído com as nações estrangeiras, de inserir a cláusula de que os favores que se concederem à nação portuguesa, não seriam extensivos às outras nações. E sendo mui provável que esse governo queira entabular um tratado de comércio com o Brasil, como é de evidente necessidade para ambos os países, declarará V. Mce. que pode segurar que o Governo Imperial estará pronto a encetar, quanto antes, a negociação, sendo, porém, ela feita no Rio de Janeiro, com o plenipotenciário português que houver de ser nomeado para este fim.
É muito de esperar que o governo fidelíssimo apresente queixas contra a política que tem seguido o Governo Imperial, fazendo sair do Império alguns portugueses e contra a perseguição, que alguns têm sofrido no Brasil, nas suas pessoas e bens, como têm afirmado os intrigantes e o partido desorganizador no Brasil. Quanto às saídas, V. Mce. dirá que esta medida tem sido geral para todos os estrangeiros que se têm intrometido nos negócios internos do país, medida esta que é seguida por todas as nações cultas e de que tem mesmo lançado mão o governo fidelíssimo. É verdade que se tem mandado sair mais portugueses do que os súditos de outras nações, mas a razão é porque esses portugueses, iludidos pelo partido que se tem mostrado hostil ao governo, com as pretensões mais repreensíveis e que ferem a nacionalidade de todo o brasileiro amigo da sua pátria, têm querido dirigir – como acima digo – os negócios do Império; mas, apesar disso, essa medida, que tem sido pintada com negras cores pelos jornais da oposição, não excede de 20 a 30 pessoas, entre os milhares de súditos portugueses que habitam o Brasil. Quanto a algumas perseguições, o governo tem deplorado estes sucessos, mas elas não se têm unicamente limitado aos súditos portugueses. No Ceará, Pernambuco, Jacuípe e Panelas, quanto não têm sofrido os brasileiros? Não é, pois, por ódio ou por vingança, só contra portugueses, que tem havido essas perseguições. Elas são filhas do estado turbulento em que se tem achado o Brasil, dilacerado por partidos, os quais, hoje, graças à energia do governo, estão suplantados e é provável que não reaparecerão. Sobre este ponto, o seu critério e reconhecido brasileirismo melhor dissertará segundo os argumentos contrários.
Na Crônica,[1] gazeta oficial desse governo, se tem inserido a correspondência de um certo João Loureiro, a qual está cheia de inépcias, próprias da ignorância do seu autor, e seguramente dela não faria menção se não visse que o governo português lhe tem dado algum peso, acreditando, talvez, que o meu antecessor tinha tenção de reconhecer o governo de d. Miguel. Pela cópia do ofício dirigido à Duarte da Ponte Ribeiro, verá V. Mce. quais foram as ordens que se deram em semelhante assunto – as quais só tinham por fim os embaraços comerciais que o governo miguelista acintemente punha ao comércio brasileiro, mas nunca se tratou do reconhecimento diplomático – e apenas se disse a João Loureiro que o seu recebimento, como agente consular, não teria dúvida no Brasil, visto que nós comerciávamos com os portos sujeitos ao domínio de d.
Miguel e aquele recebimento não envolvia reconhecimento diplomático, e se usava nisso a prática de Inglaterra, França e outras nações com o próprio governo miguelista. Devo advertir a V. Mce. que não deverá ser o primeiro a tratar desta matéria, mas o fará, quando seja a ela provocado. A abdicação que o ex-Imperador d. Pedro I fez ao trono do Brasil foi um ato tão solene e legal, que, apenas a Regência em nome do Imperador a participou aos governos amigos, eles se apressaram em dirigir as suas felicitações a S. M. o Imperador o senhor d. Pedro II, visto que, por aquele ato, subiu ele ao trono constitucional do Brasil. Portanto, o Governo Imperial, tendo em vista o direito das gentes, tem desprezado, como merecem, alguns escritores que, noutro tempo, aqui suscitaram dúvidas sobre a legalidade daquela abdicação; e os raciocínios, em que se fundaram, motivaram o riso de toda a gente sensata e entendida na matéria. Sendo, porém, por outro lado, inegável que há ainda pessoas ignorantes, que se deixam arrastrar [sic] por sugestões dos descontentes, e inimigos da atual ordem de cousas no Brasil, às quais muito interessaria qualquer nova declaração do duque de Bragança a este respeito, recomendo a V. Mce. que, usando de todo o melindre e circunspecção que o assunto exige, sugira a esse ministério em alguma ocasião oportuna que, como o dito duque tem agora de fazer discursos às Câmaras Legislativas, não seria fora de propósito que o mesmo duque tocasse na sua abdicação do trono do Brasil, pois que isto mostraria boa-fé e candura da sua parte e, ao mesmo tempo desenganaria alguns incrédulos, que ainda aqui existem e que são outros tantos sebastianistas. Pode V. Mce. declarar, mais, que o Governo Imperial – tendo hoje aniquilado todos os partidos que se lhe opuseram, forte com a maioria das Câmaras e com a opinião pública –, se deseja que o duque de Bragança dê este passo, é para que a ordem pública não sofra alguma perturbação, tanto mais que deste modo se consolidará o trono do seu augusto filho, em cuja estabilidade não pode, seguramente, deixar de interessar-se como pai extremoso; não podendo desconhecer que, sendo este o único trono na América, muito convém sustentar-se até para glória e esplendor da família imperial, que tão venturosamente cresce em idade e talentos, merecendo todos os desvelos da Regência, do ministério e de todos os bons brasileiros. Sendo sempre de recear que o duque de Bragança, aconselhado pela camarilha que o cerca – e é composta quase de brasileiros descontentes, que desejam voltar para a sua pátria, para gozarem de empregos e de outras vantagens –, não perca as esperanças de vir ao Brasil, acreditando loucamente o que lhe escrevem daqui os seus emissários, declarando-lhe que ele é desejado no Brasil e que até se suspira pelo seu governo, cumpre que V. Mce. se desvele em averiguar, com toda a vigilância e perspicácia, os passos que se empregarem para se levar a efeito uma empresa tanto mais temerária, quanto ela só servirá de labéu e eterna vergonha para o seu autor, pois que nenhum brasileiro sisudo e honrado deixará de se opor com todas as suas forças e bens ao opróbrio e desgraças de uma restauração.
V. Mce. não pode ignorar o afinco, com que o Governo Imperial trabalha, por extinguir o horrível comércio de escravatura, apesar de ter achado, nesta útil e filantrópica empresa dificuldades quase insuperáveis, como se expendeu no relatório que apresentei à Assembléia Legislativa. Uma das maiores é, sem dúvida, a escandalosa proteção que os comerciantes de carne humana encontraram nas autoridades portuguesas, que se prestaram a autorizar vendas simuladas de embarcações, que, saindo
do Império com passaportes brasileiros, voltam com portugueses, apoiando as ditas autoridades escandalosas arribadas, à costa da África, de embarcações despachadas para Santa Catarina, Montevidéu e até Bahia e Pernambuco. Recomendo, pois, a V. Mce. que, com a maior eficácia, exija do governo fidelíssimo uma ordem expressa aos governadores das suas colônias da costa da África para que não dêem despacho a nenhum vaso que embarcar africanos com destino para o Brasil, ou mesmo para quaisquer Estados americanos onde igualmente é proibida a sua introdução. Talvez será mesmo necessário que haja um ato legislativo, impondo penas e multas fortes a quaisquer súditos portugueses, que em tal tráfico forem encontrados, ou houver indícios veementes de o haver efetuado; pois que, no estado atual, nem eles são sujeitos à convenção especial com Inglaterra sobre este objeto, nem facilmente podem ser apreendidos, vista a conveniência [sic] das autoridades portuguesas, que muitos meios lhes prestam de evitarem a sanção penal da lei de 7 de novembro de 1831. A correspondência que tem tido o Governo Imperial a este respeito se acha na legação de Londres, cujo ministro tem ordem de dar a V. Mce. esclarecimentos sobre todos os negócios relativos a Portugal, devendo V. Mce. ficar na inteligência de que cumpre insistir com toda a energia sobre este tópico, que é mui vital para os interesses do Império. Recomendo também a V. Mce. que haja de ter a mais seguida correspondência
com os ministros brasileiros em Inglaterra, Paris e em qualquer parte que julgar conveniente a bem do serviço nacional e, especialmente, do referido objeto. Havendo já ordenado ao nosso cônsul-geral em Lisboa para representar oficialmente ao governo de S. M. Fidelíssima contra a sua ordem de 15 de abril, expedida pela repartição dos Negócios Estrangeiros, de que aos cidadãos brasileiros do § 4° da Constituição se não admita justificação para gozarem daquele direito, uma vez que não seja por meio de carta de naturalização, transmiti para dito fim àquele agente uma cópia da nota que passei nesta corte ao encarregado de negócios de Sua dita Majestade, requerendo a revogação da citada ordem, a fim de que o nosso cônsul tivesse em vista as razões ali expendidas: cumpre, pois, que V. Mce. passe a inteirar-se do que a este respeito tiver
ocorrido, para dar a esta pretensão o seguido andamento, que muito releva, quando se não ache conseguida.
Inclusas achará V. Mce. cópias da correspondência havida por esta repartição com o encarregado de negócios de S. M. Fidelíssima acerca de Francisco Antônio Filgueiras, vice-cônsul de Portugal na Bahia, a fim de que V. Mce., ficando por ela inteirado do respectivo conteúdo, possa responder convenientemente sobre a matéria, se for a isso solicitado.
Junta achará a cifra, de que deverá usar nas suas comunicações secretas.
Terminarei estas instruções lisonjeando-me de que terei muito que louvar a V. Mce. no desempenho desta importante e patriótica comissão.
Deus guarde a V. Mce..
Palácio do Rio de Janeiro,
em 20 de setembro de 1834.
Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho
Sr. Sérgio Teixeira de Macedo