Paraguai - Primeira instrução
Instruções datadas de 30 de julho de 1824 de Luís José de Carvalho e Melo, ministro dos Negócios Estrangeiros, a Antônio Manuel Correa da Câmara, agente comercial e político no Rio da Prata. Publicado nos Cadernos do CHDD, ano VII n. 12, p. 55-59.
Para Antônio Manuel Correa da Câmara
Tendo Sua Majestade o Imperador nomeado[1] a V. Mce. para cônsul e agente comercial no Paraguai e partes adjacentes, para onde está prestes a partir, e confiando no seu provado zelo, conhecido patriotismo e dexteridade, que, além das funções consulares que principalmente lhe incumbem, poderá igualmente desempenhar as importantes funções de agente político deste Império junto a diferentes governos do Rio da Prata e, especialmente, no Paraguai, há, outrossim, por bem revesti-lo deste duplo caráter, com a condição de mostrar-se nesta última qualidade somente quando for conveniente aos interesses deste Império e, neste caso, apresentará a carta de crença de que é portador.
Como, porém, as circunstâncias não permitem que V. Mce. parta com um plano determinado e restrito, visto que o principal objeto de sua missão política não pode ainda ser sujeito a instruções positivas enquanto se não receberem aqui as suas primeiras informações e avisos, refiro-me por ora às instruções que se lhe deram quando V. Mce. foi nomeado para Buenos Aires, em 1822, e por elas se regulará, em tudo quanto for aplicável às diversas localidades e circunstâncias presentes.
Entretanto, convém que V. Mce. fique sem a menor dúvida sobre as vistas gerais do governo de S. M. Imperial a respeito da natureza da sua comissão: S. M. Imperial deseja ligar com os mais Estados deste hemisfério as mais íntimas relações políticas e comerciais e, para isso, o encarrega de fazer todas as aberturas que julgar convenientes e transmitir as respostas que se lhe derem; mas também S. M. Imperial deseja, primeiramente, ter exato conhecimento dos recursos, opiniões e consolidação desses diferentes governos, para ajuizar das garantias que semelhantes governos podem oferecer aos seus ajustes e relações com o Império do Brasil. É neste sentido que V. Mce. deverá proceder, sem entrar por ora em ajustes ou convenções definitivas, até novas ordens de S. M. Imperial, ainda que fique autorizado para propor e receber aquelas vantagens que entender convenientes depois de maduro exame, mas sempre sub spe rati.
Logo, pois, que V. Mce. for recebido e acreditado junto desse governo, promoverá, quanto puder, as relações comerciais e políticas entre o Brasil e o Paraguai, estendendo-as pelas províncias vizinhas; sendo desnecessário lembrar-lhe quanto deve pugnar e zelar os interesses dos súditos deste Império, tudo na conformidade das atribuições da sua carta patente, pois que esta sobejamente o autoriza para desempenhá-las com segurança e energia.
Sobre as relações comerciais, muito convém que se estabeleçam e firmem com vantagem nossa e, por esse motivo, V. Mce., examinando com muita circunspecção quais são os interesses mais úteis que delas podemos tirar, dará conta circunstanciada do que julgar útil para promovê-las, e até para ajustá-las, esperando a determinação deste governo.
Procurará, por meios indiretos, alcançar partido nessa província do Paraguai, que sobre todas mais nos importa atrair, e fará os maiores esforços, assim para conservar a fronteira em segurança, como para separar as relações que houver entre esse governo e o de Buenos Aires, pois a experiência nos mostra o quanto convém que jamais se liguem, enquanto Buenos Aires conservar esperanças de perturbar-nos na posse em que legitimamente estamos do Estado cisplatino e o gozo das instituições monárquicas que temos conservado.
Para alcançar os fins propostos, não pode deixar de ser seguro meio o exaltar em todas as ocasiões a consideração, grandeza, força progressiva e recursos do Brasil, mostrando V. Mce. que, devendo, conseguintemente, este Império ter a preponderância na balança política da América Austral, é do maior interesse para os Estados circunvizinhos procurar a sua aliança e ter, também, nesta corte os seus agentes políticos. Por esta ocasião, V. Mce. observará não só que a política do gabinete brasileiro é propriamente americana e tem por essencial objeto a sua independência de qualquer tutela européia, mas que também este governo, seguindo uma vereda totalmente oposta à de alguns outros nascentes governos americanos, não desaprova nem maquina contra as instituições políticas que esses governos adotaram por melhores ou por inevitáveis, bem persuadido de que todas as instituições são relativamente boas, segundo o caráter ou circunstâncias dos povos respectivos, sendo certo que se podem unir diferentes governos e marchar a um ponto único, isto é, a sua prosperidade e comum segurança, sem embargo de discordarem em formas de governo.
Estas considerações, quando não concorram para mover esses diversos Estados a prestar-nos auxílios, visto que lhes faleçam recursos para isso, servirão ao menos para tranqüilizá-los sobre os generosos sentimentos do governo brasileiro e tirar-lhes um pretexto de cabalar contra este Império com o azedume e falsidade que se notam dos periódicos do Rio da Prata.
Será, portanto, um ponto preliminar desfazer toda e qualquer suspeita que por aí possa haver da boa-fé de S. M. Imperial e do seu ministério, o que será a V. Mce. tanto mais fácil quanto é evidente que os interesses gerais deste Império se acharam estritamente ligados com os dos outros Estados deste hemisfério desde o momento em que todos eles quebraram os ferros coloniais que prendiam a sua independência e liberdade legal; o que tudo ainda melhor se manifesta dos próprios atos e operações do governo brasileiro, os quais V. Mce. porá em sua verdadeira luz, rebatendo, assim, as caluniosas interpretações com que o espírito de partido e a rivalidade as costumam adulterar em remotos países; e, para o pôr ao fato do que aqui se passa, se lhe remeterão regularmente os diários pelas vias mais breves que se oferecerem.
Tudo quanto fica dito sobre a sua missão política no Paraguai é aplicável aos mais Estados adjacentes, para os quais leva V. Mce., igualmente, as suas respectivas cartas de crença, a fim de fazer delas o uso mais oportuno e conveniente. No número desses Estados se inclui o de Buenos Aires, apesar de não ter sido V. Mce. nomeado para ali diretamente, como parecia deduzir-se tanto da razão de já ali ter V. Mce. exercido dignamente iguais funções, como pelas mais freqüentes e importantes relações que existem entre aquele país e o Império.
Sua Majestade, porém, julgou acertado enviar primeiro, para ali, tão-somente um cônsul para zelar os interesses do nosso comércio e esperar por ocasião oportuna e formal para ali, com dignidade, ter um agente político, ocasião esta que V. Mce. espreitará para aproveitar-se dela e passar-se, então, a Buenos Aires com a carta credencial que o reveste daquele caráter. Com efeito, talvez não esteja distante o momento em que o governo de Buenos Aires, incapaz de resistir aos seus inimigos internos e sem meios de repelir os externos – que diariamente se esperam, à vista das últimas notícias da Europa –, reconheça a necessidade absoluta de recorrer à proteção do Império para segurar a sua existência política.
Posto que seja da competência do cônsul nomeado para Buenos Aires prosseguir nas reclamações dos negociantes brasileiros junto daquele governo, todavia, S. M. Imperial, deferindo benignamente à representação que V. Mce. fez a este respeito, pedindo ser autorizado para continuar nestas reclamações, visto já tê-las principiado quando residiu naquela cidade, há por bem que V. Mce. seja ouvido em semelhante negócio, e que o cônsul em Buenos Aires prossiga nas ditas reclamações de acordo com V. Mce. e debaixo da sua direção, sendo do agrado e interesse das partes.
Também S. M. Imperial dignou-se atender ao que V. Mce. representou de que, sendo da natureza da sua comissão política uma total exclusão de outro qualquer agente encarregado de iguais funções, não era combinável com a sua responsabilidade que houvesse ingerência alheia; e o mesmo augusto senhor manda expedir ordem ao cônsul em Buenos Aires para que não tome iniciativa alguma e ingerência em negócios políticos, como, aliás, lhe é vedado na sua simples qualidade consular; devendo, por conseguinte, ficar prevenido de que em tudo que competir-lhe como agente comercial se entenderá com V. Mce., de quem terá de receber as direções relativas aos acontecimentos políticos que sobrevierem, por meio de correspondência direta e regular.
Logo que V. Mce. entender que a sua presença é precisa em algum dos Estados adjacentes ao Paraguai, fica autorizado para transferir-se temporariamente aonde convier, ficando na inteligência de que já se preveniram os presidente e governador das Armas da província de Mato Grosso sobre este objeto. Permitindo outrossim S. M. Imperial que V. Mce. possa nomear, como requereu, os vice-cônsules indispensáveis no distrito do seu consulado; devendo, porém, estas nomeações ser remetidas no original a esta secretaria de Estado para obterem a imperial confirmação, sem a qual ficarão de nenhum efeito.
Finalmente, recapitulando os seus principais deveres de agente político, S. M. Imperial há por muito recomendado que eles se destinem a averiguar a situação e sentimentos desses governos, abrir-se com eles com reserva e dexteridade, insinuando-lhes as vantagens que podem receber da amizade deste Império e mesmo adiantando algumas sobre bases recíprocas e sujeitas à aprovação imperial, muito cautelosamente, e não incluindo nelas ajustes de alianças ofensivas e defensivas; ganhar a possível influência e preponderância; preservar as nossas fronteiras e participar regularmente a esta corte tudo quanto observar e conseguir, propondo as medidas que mais convenientes lhe parecerem para o conseguimento de tão importantes fins.
Quanto a mim, tenho por muito lisonjeiro poder assegurar a V. Mce. que S. M. Imperial entrega à sua inteligência o mais que não vai aqui especificado e espera da sua circunspecção e patriotismo que V. Mce. nada poupará para o cabal desempenho desta importante comissão.
Deus guarde V. Mce..
Palácio do Rio de Janeiro,
em 30 de julho de 1824.
Luís José de Carvalho e Melo
Sr. Antônio Manuel Correa da Câmara