Gra-Bretanha - Primeira instrução
Instruções datadas de 12 de agosto de 1822 de José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, a Felisberto Caldeira Brant Pontes, encarregado de negócios em Londres. Publicado nos Cadernos do CHDD, a. VII, n. 12, p. 16-19.
Instruções para o sr. Felisberto Caldeira Brant Pontes, para o desempenho das funções de encarregado de negócios na corte de Londres, para que é nomeado.
1. Havendo S. A. R. por bem nomeá-lo seu encarregado de negócios junto de S. Majestade Britânica, lhe é por esta ocasião remetida a sua carta de crença, que o deve autorizar junto a aquele governo, a qual apresentará depois de ter previamente sondado as disposições do gabinete britânico, a fim de salvar o decoro deste reino e a dignidade do Príncipe Regente.
2. Procurará ter todo o conhecimento de quaisquer propostas, projetos e negociações da corte de Lisboa com a de Londres e do que descobrir fará prontos avisos, acompanhando-os dos documentos que melhor servirem para os ilustrarem, ou autenticarem, de forma que possa o nosso governo, quando convier, fazer deles uso ostensivo.
3. Assim que for recebido como encarregado de negócios do Brasil, como é de esperar, exporá com energia e clareza os motivos justos que teve o Brasil:
1º de não reconhecer mais a autoridade do Congresso de Lisboa;
2º de querer uma Assembléia Geral Constituinte Legislativa, dentro do seu próprio território, que tenha as mesmas atribuições da de Lisboa;
3º de considerar Sua Majestade El-Rei o sr. d. João VI em estado de coação e cativeiro, sendo por isso indispensável que S. A. R. tente salvá-lo deste afrontoso estado de péssimo exemplo às dinastias reinantes;
4° da necessidade de corresponder-se S. A. R. diretamente com as cortes estrangeiras.
Insistirá particularmente sobre o ponto da coação e cativeiro em que se acha El-Rei em Lisboa, o que só bastava para que S. A. R. e o Brasil não devessem obedecer aos decretos daquele Congresso, não obstante aparecerem eles revestidos da sanção d’El-Rei, a qual, por ser forçada, é nula por direito.
4. Mostrará, outrossim, que S. A. R., para conservar a realeza no Brasil e os decretos da augusta casa de Bragança, devia, como fez, anuir aos votos gerais dos brasileiros, que reclamavam a integridade do seu país e a sua independência política, como reino irmão e tão livre como o de Portugal, exigindo, para estes fins, a conservação de S. A. R. e aclamando-o, logo depois, seu Defensor Perpétuo.
5. Nestas circunstâncias, é indubitável a necessidade que tem o mesmo senhor para corresponder aos votos dos brasileiros, firmar seus direitos e defendê-los, de representar no Brasil toda a autoridade que compete ao chefe supremo do Poder Executivo, de obrar independentemente de Portugal e de travar relações políticas com as nações estrangeiras que comerciam com este país, com as quais de fato se passa a abrir a devida correspondência.
6. Procurará, portanto, obter desse governo o reconhecimento da independência política deste Reino do Brasil e da absoluta regência de S. A. R., enquanto Sua Majestade se achar no afrontoso estado de cativeiro a que o reduziu o partido faccioso das cortes de Lisboa.
7. Para que este reconhecimento se consiga além dos princípios de direito público universal que o abonam, fará ver com toda a dexteridade que os próprios interesses do governo britânico instam por aquele reconhecimento, pois, com ele:
1º se paralisam os projetos dos facciosos de Lisboa, que de tão perigoso exemplo podem ser aos governos legítimos das mais nações;
2º desempenha a Inglaterra o dever de antiga e fiel aliada da casa de Bragança e procede coerente com seus princípios liberais; e, reconhecendo a independência do Brasil
[3º] satisfaz ao dever que implicitamente contraíra quando, em outro tempo, reconhecera solenemente a categoria de reino a que este país fora então elevado;
4º utiliza no seu comércio, que de certo padeceria se duvidasse reconhecer a independência do Brasil, visto que este reino (à semelhança de Colômbia, que aliás não tem tantos direitos e recursos) está resolvido a fechar seus portos a qualquer potência que não quiser reconhecer nele o mesmo direito que têm todos os povos de se constituírem em Estados independentes, quando a sua prosperidade e o seu decoro o exigem.
Além disto, fará ver ao ministério britânico que, se os governos independentes das ex-províncias americanas espanholas têm sido por tais reconhecidos, e até mesmo de algum modo em Inglaterra, onde já se permitiu a entrada das suas bandeiras, com maior justiça deve ser considerado o Brasil, que há muito tempo deixou de ser colônia e foi elevado à categoria de reino pelo seu legítimo monarca, e como tal foi reconhecido pelas altas potências da Europa.
Mostrará, em última análise, que S. A. R., só levado pelas considerações de amizade e boa harmonia com as nações amigas e pelo respeito que consagra à opinião do gênero humano, é que patenteia os seus firmes princípios e a resolução destes povos, cuja independência pretende seja reconhecida, pois é bem óbvio e evidente que o Brasil não receia as potências européias, de quem se acha apartado por milhares de léguas, e nem tampouco precisa delas, por ter no seu próprio solo tudo o que lhe é preciso, importando somente, das nações estrangeiras, objetos pela maior parte de luxo, que estas trazem por próprio interesse seu.
8. Podendo acontecer que, apesar de estar o governo britânico intimamente convencido da justiça da nossa causa, receie, todavia, aventurar um reconhecimento ou uma decidida proteção, seja pelos princípios de neutralidade que tem proclamado em outras ocasiões, seja por temer que a nossa causa não prossiga e o entusiasmo brasileiro afrouxe, será do seu dever, no primeiro caso, mostrar que à Inglaterra, como antiga aliada e imediata interessada nesta questão, pertence de algum modo ingerir-se nela, ainda que não seja senão como medianeira, o que S. A. R. muito estimará; e, no segundo caso, será do seu dever mostrar que a opinião geral dos brasileiros, declarando-se por esta independência é firme e geral e que não existem divisões internas, exceto em alguns pouquíssimos europeus faltos de meios e influência.
Insinuará destramente ao governo inglês que os esforços que Portugal poderia fazer contra o Brasil já os tem feito e têm sido mal sucedidos, pois as suas tropas têm tornado a entrar pelo Tejo, repelidas pelos brasileiros, que estão dispostos a não receber mais nem uma só baioneta européia; e que, finalmente, Sua Majestade, em seu coração, não deixa de aprovar o procedimento de seu augusto filho, como lhe tem comunicado.
9. Deverá, mais, desenganar aquele governo sobre o caráter que vulgarmente se dá na Europa à nossa revolução. Mostrará, pois, que nós queremos independência, mas não separação absoluta de Portugal; pelo contrário, S. A. R. tem protestado, em todas as ocasiões e ultimamente no seu Manifesto às Potências, que deseja manter toda a grande família portuguesa reunida politicamente debaixo de um só chefe, que ora é o sr. d. João VI, o qual, porém, se acha privado da sua autoridade e oprimido pela facção dominadora das cortes. Todavia, bem que estes sejam os princípios verdadeiros do gabinete de S. A. R., poderá usar a este respeito da linguagem e insinuações que julgar mais próprias ao andamento dos negócios, servindo-lhe neste ponto de guia os sentimentos do governo inglês, de que tirará partido.
10. Proporá e insistirá com o governo inglês para que envie a esta corte os seus agentes diplomáticos, como uma retribuição essencialíssima de amizade e franqueza, fazendo sentir àquele governo que este passo parece indispensável, depois do manifesto de S. A. R. às potências.
11. Ainda que, no estado atual de Portugal, pouco tem o Brasil que recear-se de suas ameaças e má vontade, pois vê que aquele não pode enviar contra ele forças consideráveis, pelo estado deplorável de suas finanças e marinha e até pela divergência de opiniões e comoções internas, contudo, se souber que naquele reino se fazem novos preparativos contra a América, procurará ajustar alguns regimentos irlandeses, ou de qualquer outra nação onde for mais fácil este recrutamento, debaixo do disfarce de colonos e com condições favoráveis ao Tesouro Público deste reino, devendo estes soldados vir logo armados e equipados. Prometerá igualmente proteção e emprego aos oficiais artilheiros e engenheiros que quiserem aqui vir militar, contanto que sejam capazes e não sejam contrários à causa do Brasil.
12. O objeto de barcos de vapor é de muita vantagem e fica autorizado para promover a vinda de alguns já feitos, ou de artífices que os possam construir aqui; tendo, porém, em vista não [se] ingerir o governo na despesa dos mesmos, bastando tão-somente animar os empreendedores e prometer-lhes toda a proteção da parte de S. A. R. e até privilégios
legais ao proprietário do primeiro barco de vapor que correr os nossos portos como paquete.
13. Pelo manifesto que S. A. R. dirige às nações amigas, se depreendem as vistas liberais do governo a favor dos que emigrarem para o Brasil; portanto, é desnecessário acrescentar coisa alguma a este respeito. 14. Fará traduzir e imprimir os periódicos e outras produções a bem da causa do Brasil, cuja publicidade aí for útil e contribuir a fixar a opinião pública da Grã-Bretanha a nosso favor. Para este fim, pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros lhe será remetida a Gazeta do Rio de Janeiro e outros impressos, que possam pô-lo ao fato das ocorrências do tempo.
15. Terá todo o cuidado em indagar os sentimentos particulares desse governo, para dirigir sem comprometimento as suas operações e terá todo o cuidado em não ser surpreendido.
16. Estenderá a mesma vigilância sobre os diplomáticos e enviados por Portugal a essa capital, cujos passos espreitará, a fim de contraminar suas tramas e projetos, do que dará pronta e regular conta ao governo de S. A. R. pela Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros.
17. Em aditamento ao art. 7º destas instruções, insinuará destramente ao ministro britânico, como mais um incentivo ao pronto reconhecimento da nossa independência, que a potência que for a primeira em reconhecê-la colherá, decerto, as mais decididas vantagens, sobretudo quando o reconhecimento desta independência é um serviço feito a El-Rei; que convirá muito à Inglaterra tomar o passo à França e aos Estados Unidos, pois é mui provável que estas duas potências se rivalizem em vir concertar conosco novas e mais estreitas alianças comerciais e políticas a bem da prosperidade do seu comércio.
18. Além do ordenado de dois contos e quatrocentos mil réis que lhe são concedidos pelo decreto da sua nomeação, fica autorizado para algumas despesas extraordinárias que forem indispensáveis a algum fim importante da sua comissão, do que dará parte ao governo para serem aprovadas, no que, porém, se lhe recomenda toda a economia, enquanto o Tesouro Público do Brasil não estiver em melhores circunstâncias.
Tudo o mais confia S. A. R. da sua inteligência, fidelidade e zelo, esperando que continuará a ser, como até agora, amigo da honra e decoro da pátria.
Palácio do Rio de Janeiro,
12 de agosto de 1822.
José Bonifácio de Andrada e Silva